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CAMPONESES DE OUTRORA

1.2. Os camponeses e a luta pela terra: na busca de suas histórias

[...] jamais houve época em que a dialética da imposição da dominação e da resistência a esta imposição não fosse central no desenvolvimento histórico. (THOMPSON, apud NEGRO; SILVA, 1998, p.78)

Para entender as práticas e representações dos agentes sociais que compõem o MST no Pontal do Paranapanema, em sua interioridade, tendo em vista o sentido da terra expresso nas primeiras experiências, é preciso indagar sobre os camponeses e a luta pela terra no decurso da história da questão agrária brasileira, buscando reconstruir suas histórias, particularmente em solo paulista, para chegar ao tempo presente e entender as práticas dos assentados, militantes e dirigentes desse Movimento na região, em suas três ações: a ocupação da fazenda Nova Pontal, em Rosana, ocorrida no mês de julho de 1990 – momento em que o MST finca a sua bandeira na

região - e as conquistas das fazendas Santa Clara e São Bento, ocupadas em 1991, ambas localizadas no 11º Perímetro, no município de Mirante do Paranapanema. Da ocupação dessas fazendas derivaram o assentamento Che Guevara/Santa Clara, compreendendo uma área de 976,45 hectares, composto por 46 famílias, e o assentamento São Bento, com 5.190,50 hectares, subdividido em quatro setores e constituído por 184 famílias.

Apreender a história dos camponeses, buscando entender os seus vínculos com a terra enquanto espaço mantenedor da vida, torna-se imprescindível para a compreensão das formas de luta que se apresentam na atualidade pelos vários recantos do país, principalmente no que concerne às empreendidas pelos diversos sujeitos que fazem parte do MST, ao ocuparem e conquistarem as terras num espaço marcado por uma história de grilagens, a exemplo do Pontal do Paranapanema, dentre outras formas de violência ocorridas no campo brasileiro, e historicamente conhecidas na região desde meados do século XIX.

A negação do ser sujeito dos sem-terra, na atualidade, devido às condições de vida e de trabalho em que comumente se encontram, às margens da rodovia, expostos às situações de carência e de exclusão social derivadas do descaso dos poderes públicos, estatais e federais, negação efetivada particularmente pela mídia impressa e televisiva, não é elemento novo ou característica de nosso tempo, pois denota a forma como as populações rurais pobres brasileiras costumeiramente foram tratadas.

Sabedorias traçadas no conformismo e na resistência9, ou em suas inter-relações, foram sendo desenhadas na tentativa de sobreviverem em meio às intempéries que lhes acossavam a vida. Formas diversas de luta empreendidas no desbravar dos litorais e interior do território na abertura de estradas e extensão das fronteiras para o povoamento; nas roças de subsistência formadas por homens pobres livres ao longo do período colonial, e pelos imigrantes

9Utilizo o conceito de conformismo, tendo em vista o sentido que CHAUI (1986) estabelece para a discussão,

salientando a ambigüidade na composição dos sujeitos, ou seja, nas resistências e conformismos por eles vividas em práticas e representações, seja no espaço do bairro, das ruas, seja na forma como concebem o mundo do trabalho, da cultura, das relações sociais. Para uma reflexão da resistência, inspiro-me também nessa autora, bem como nas considerações apresentadas pelo historiador THOMPSON (1979, 1987), particularmente quando discute as práticas sociais, tendo por base as evidências históricas provenientes das lutas das pessoas comuns na Inglaterra do século XVIII e no contexto da Revolução Industrial. Não se objetiva aqui a transposição de um conceito originário de uma realidade distinta, de forma mecânica, para a realidade brasileira, mas a compreensão de que é possível utilizar-se da teoria sem que ela represente uma luva ou o enquadramento da realidade. Daí a necessidade da problematização constante do objeto de pesquisa, do indagar sobre as evidências históricas inspirando-me nas práticas dos diversos agentes sociais, e no modo como constroem suas vidas. Partindo dessa consideração, busco nas memórias da luta pela terra e para nela permanecer, as evidências que lhes dão conformação, revelando as múltiplas possibilidades para a escrita da história.

nas fazendas de café de meados do século XIX; na teimosia em fundar e permanecer nos bairros rurais à volta dos engenhos e das fazendas; na existência das pequenas posses incrustadas nos latifúndios e cultivadas pelos roceiros e posseiros; pela insistência em sobreviver em meio ao poder do latifúndio e nele inserir-se, acomodando-se, tal como faziam os agregados, etc. Práticas das mais diversas foram demonstrando as histórias de luta no campo brasileiro.

Sabedorias oriundas de práticas e de representações10 de gente de carne e osso, gosto e desgosto, que, historicamente, fosse à margem das economias predominantes ou nelas inserida precariamente, desnudou, por meio de conformismos e de resistências, histórias passíveis de serem apreendidas e valorizadas enquanto propiciadoras da formação de sujeitos que, por vezes, se sujeitavam, mas na sujeição também resistiam. Passíveis de serem vistas caso não sejam consideradas somente pela leitura das estruturas econômicas vistas como explicativos exclusivos da história, mas também pelas ações humanas construídas a partir de desejos que não se encerram apenas nas categorias analíticas utilizadas pelo pesquisador .

No caderno de formação “O MST e a Cultura”, Bogo, expondo a sua compreensão sobre “a formação de nosso povo”, chama a atenção para os “[...] pedaços da história de exclusão, fragmentada e marcada, como se tivesse sido (e foi) composta aos pedaços que não se combinaram” (2000a, p.11). Por essa leitura, afirma esse teórico11 do MST que:

Excluídos como seres sociais não tivemos história regular. As circunstâncias sempre foram irregulares, oscilando sempre entre os interesses e as vaidades da classe dominante. Sendo assim, a vontade dos senhores sempre foi superior aos direitos dos servos, e os primeiros determinam o destino dos segundos, imaginando que a força sempre tem primazia sobre a fraqueza. Desta forma, estruturaram a sociedade com seus hábitos, costumes, tradições e valores e os impuseram sem escrúpulos, a laço, ferro em brasa e baixos salários, determinando sempre a produção da existência humana e social a seu modo, sem deixar de lado os privilégios. (2000a, p.12)

10SILVA, H. R. (2000, p.82) observa que: “[...] a categoria das representações, aplicada à história cultural ou mesmo

a história em sua totalidade, visaria romper falsos dualismo s que opõem objetivismo e subjetivismo, operando uma mediação entre coletivo e individual histórico”.

11 Ao utilizar a expressão “teórico” estou me contrapondo à leitura de CAUME quando se refere ao papel de Frei

Sérgio Görgen, no Rio Grande do Sul, qual seja, o de que: “Tornar-se-ia, posteriormente, um dos ideólogos do MST gaúcho” (2002, p.182). Recuso-me à utilização da expressão “ideólogos”, na medida em que pode sugerir uma leitura de que somente a academia, “neutra” e “isenta de valores”, é capaz de formular teorias sobre os movimentos sociais, de pensá-los, cabendo aos “ideólogos” de tais movimentos, por essa conceituação, a incapacidade de analisá- los. Compreendo, então, que o envolvimento com as práticas dos movimentos sociais, a exemplo das que decorrem do trabalho da assessoria, não quer dizer necessariamente a incapacidade de se pensar criticamente tais práticas, mesmo percebendo que esse é um dos grandes desafios vividos pelos assessores.

Diante dessa afirmativa, é preciso analisar as fendas constituídas pelos camponeses na história da questão agrária brasileira. Fendas abertas em meio à violência, mas também à resistência. Se não houve uma “história regular”, visto que não há apenas regularidades na história, tais fendas denunciaram (e na atualidade denunciam, em práticas expressas pelo próprio MST, dentre outros movimentos de luta pela terra), a presença constante de homens e mulheres a construírem sua história, num “fazer-se” de vitórias e fracassos, evidenciados no intermitente ir e vir de uma terra para outra à busca da “terra prometida”, mas também no modo de vida possível na terra conquistada.

Se “a vontade dos senhores” determinava o destino dos “servos12”, questão que necessita ser repensada criticamente, essa determinação requer uma interpretação por uma outra leitura que não somente a da submissão e da derrota, logo que, se diante dos dados econômicos, derivados dos fatores objetivos, dava-se essa determinação, num outro prisma, os sonhos, as esperanças, os desejos de emancipação, enunciavam a subjetividade expressa no desejo de na terra permanecerem, e na esperança por melhores dias, alicerçada em valores que o poder da coerção e da violência não conseguiam anular. Sendo assim, a afirmação de que os senhores determinavam “sempre a produção da existência humana e social”, precisa ser pensada não somente pela ótica do dominador, pois como assinala Benjamin:

A luta de classes, que está sempre ante os olhos de um historiador escolado em Marx, é uma luta em torno das coisas brutas e materiais, sem as quais não haveria as finas e espirituais. Apesar disso, na luta de classes estas últimas não estão presentes senão como um espólio que recai para o vencedor. Nesta luta estão vivas como confiança, como coragem, como humor, como astúcia, como denodo, tendo um efeito retroativo até os tempos mais longínquos. Sempre de novo hão de questionar cada vitória que tenha sido alcançada pelos dominadores. Assim como flores movem a sua corola na direção do sol, assim também, por força de um misterioso heliotropismo, aquilo que foi se volta para o sol que vem nascendo no céu da história. (1991, p.155)

12 A própria utilização do termo “servo” necessita ser repensada, demonstrando a necessidade de uma crítica à

cristalização de determinadas abordagens, como, por exemplo, a de GUIMARÃES (1977), devido a sua defesa da existência de restos feudais, e conseqüentemente da “servidão” na estrutura fundiária brasileira. Conforme esse autor (1977, p.240), o fio condutor de seu trabalho foi “[...] a luta travada pelos pobres do campo contra o sistema latifundiário”. Entretanto, diferente do exposto, compreendo que não foi a luta dos pobres o fio condutor e sim o próprio latifúndio, na medida em que se torna, em sua obra, um elemento a sublimar toda a cena. Para o autor, seria da desagregação do latifúndio, através das ações do Estado e das classes proprietárias, que surgiriam o progresso e o crescimento da economia do país. Ao discutir a reforma agrária, esse autor (1977, p.240) expôs que: “[...] não poderá haver Reforma Agrária no Brasil enquanto as idéias das classes dominantes forem as mesmas que constituíram os fundamentos ideológicos do sistema latifundiário”.

Fenelon também salienta a necessidade de recuperar caminhadas, programas fracassados, derrotas e utopias “[...] porque nada nos garante que o que triunfou foi sempre o melhor e que os projetos alternativos ou as lutas cotidianas ainda que perdedoras, não devem merecer também a nossa atenção de historiadores” (1985, p.25). Essa autora afirma a necessidade de recompor uma visão crítica do presente que dê conta de explicar a razão da pobreza, da fome, do desemprego. Nesse contexto, destaca a emergência de novos sujeitos políticos advindos das lutas e movimentos sociais dos pobres da cidade e do campo no percurso da década de 1980.

Assim, há uma certa contradição na forma como Bogo (2000a) refere-se aos homens e mulheres pobres em vista de suas condições de vida e de trabalho. Se por um lado enfatiza as imagens de “sofrimento, miséria e esforço” na referência aos sujeitos já ao nascer e abrir os olhos, por outro observa ainda o “[...] carinho, aconchego, gritos de felicitações de quase uma dezena de meninos que circulam ao redor da cama ou do berço, comemorando o aparecimento de mais um irmão” (2000a, p.12). Ressalta então que tais circunstâncias “[...] moldam os pobres como vidraças das janelas que só podem ser talhadas daquele tamanho”. (2000a, p.13)

Ante a essa afirmativa, entendo não haver moldes para a dimensão da vida. Se as condições de miséria imprimem o talhe, ou seja, a maneira como são formatadas as relações de trabalho e de vida, as histórias de vida derivadas da “economia moral”13dos sujeitos, bem como o desejo de dimensioná-las para além das condições econômicas também interferem nesse molde, seja no colocar a cortina simples, mas bem tecida, colorida, ou mesmo nas flores que enfeitam a janela, tirando-lhe a uniformidade ou o seu enquadramento. Se há a medida para a imposição da objetividade, expressa nas condições de miséria derivadas do fator econômico, o subjetivo imprime a rebeldia, a negação do espaço enquadrado, ainda que não se altere o seu tamanho, caso a visão seja tomada pelo ângulo de superfície. Questões tão caras para os camponeses do MST e cotidianamente demonstradas, senão em sua teoria, com vida e dinamicidade nas práticas e representações que os homens e mulheres estabelecem pelos vários recantos do país como, por exemplo, nas práticas dos assentados no Pontal do Paranapanema, na tentativa de resistirem e permanecerem na terra mesmo diante da política agrícola, presente nos anos 1990, expressamente excludente no que diz respeito ao fornecimento de condições mínimas para que o pequeno produtor pudesse produzir e viver na terra. Observa-se ainda esses desejos no trabalho da militância e da direção, a impulsionar a necessidade das lutas por parte dos assentados e

acampados, independente das condições adversas, evidenciadas nas constantes perseguições por eles sofridas, devido à “judiciarização” dos conflitos no campo14, acelerada com o governo Fernando Collor de Mello e aprofundada no de Fernando Henrique Cardoso.

Apreender a história do MST no Pontal e das pessoas que dele fazem parte implica para o historiador entender o meio rural não como o campo idílico em que inexistam as relações de poder, ou por outro lado, pela interpretação derivada na conotação do “fanático”, “messiânico”, “arcaico”, mas como prenhe de conflitos, de ambigüidades e de contradições, denunciador da forma como os homens e mulheres agiam e agem historicamente, em tempo e espaço determinados pelas suas condições de vida e de trabalho. Conduzido ainda pelos sonhos a nortear essas histórias, partindo das condições materiais15, mas não se limitando a elas ao possibilitar a apreensão de histórias de vida por entre práticas e valores, que não somente as designadas pelo poder e a lógica do capital.

É também parte das preocupações desta tese voltar o olhar investigativo para o meio rural procurando compreender como se construiu, no imaginário da sociedade brasileira, a figura do atraso, negação do moderno para se pensar os camponeses. Pude perceber que as imagens de ambos os espaços – o rural e o urbano – aparecem, principalmente a partir de meados do século XIX, como sendo contrapostas. Imagens, conforme Naxara, intensificadas no imaginário popular no adentrar do século XX:

[...] a cidade como luz, o campo como trevas – a cidade como sabedoria, o campo como ignorância. Esta antítese, que vinha dos meados da segunda metade do século XIX, foi intensificada à medida que se adentrou o século XX. A necessidade quase compulsiva de se pensar um Brasil moderno, de se procurar uma identidade nacional que fizesse frente às idéias de modernidade tornou essa antítese visível, gritante até. (1998, p.118)

Salienta essa autora que: “O certo é que a imagem da população brasileira como imatura, despreparada e indolente foi largamente difundida na passagem do século XIX para o

14Sobre este ponto, assinala FERNANDES, B. M. (2001, p.20) que: “A militarização da questão agrária tem sido

uma cerca à luta dos trabalhadores. Na década de 90 emergiu uma nova cerca: a judiciarização da luta pela terra, representada pela intensificação da criminalização das ocupações e na contínua impunidade dos mandantes e assassinos dos trabalhadores”.

15D’INCAO (1979, p.21), ao refletir sobre o bóia-fria na Alta Sorocabana, salientava, nos meados de 1970, que as

relações de produção, em última instância, seriam as determinantes das relações sociais, sendo desnecessário, para a análise do bóia-fria, levar em conta critérios como “natureza do trabalho, habitação, saúde e educação”. Nos anos 80 essa autora procedeu a uma revisão de suas afirmações anteriores, salientando que: “[...] cometi o erro que todos os intelectuais então cometeram. Projetei para os trabalhadores a minha própria consciência. Isso aconteceu com freqüência nos anos 60 e 70. Hoje, os movimentos sociais mostram que os trabalhadores se manifestam por caminhos diferentes do que a gente esperava”. (D’INCAO, EXAME, 30/05/84)

XX, tornando-se parte da memória coletiva dos brasileiros e encontrando, ainda hoje, grande aceitação”.(NAXARA, 1998, p.145)

A representação do camponês na figura do atraso, negação do moderno, sinônimo de tudo o que deveria ser confrontado para a constituição de um mercado de trabalho, edificou a sua imagem pela tentativa de anulação de seus saberes16. Se o que se apresenta no tempo presente, para parte da organização do MST, é a afirmação de que os seus saberes fazem parte do atraso, e por essa linha de abordagem, apresentam-se como “inferiores” ao saber “transformador”, sistematizado, daí as suas práticas serem compreendidas como carregadas de “vícios”, necessitando serem apuradas e moldadas de acordo com o saber que se deseja impor, isso resulta de uma visão de que é necessário que esses homens e mulheres se incorporem à ordem capitalista, como peças a ajustar-se nas engrenagens do sistema, e nesse meio procurarem a sua transformação, já que seria o acirramento das contradições do capital a enunciar sua condição de peças e a possibilidade de superação.

Uma das premissas para essa interpretação, sustentada no próprio interior do MST, a partir de Moraes17, é a perspectiva de que o desnudamento do conflito entre o capital e o trabalho propiciaria a emergência da consciência política, resultando na constituição da “consciência de classe”. Daí, por esse entendimento, os operários, trabalhadores das indústrias, encontrarem-se mais capacitados para esse decifrar, visto que o seu cotidiano propicia situações diretas de conflito entre capital e trabalho18. Por essa leitura, seria em meio ao conflito, de forma paulatina, que adviria a consciência transformadora e a inversão dos valores tradicionais.

16É válido observar, a partir de SILVEIRA (1997), que nas correntes literárias paulistas de final do século XIX e

primeiras décadas do século XX houve a busca de uma representação do nacional, em que o bandeirante, de início, tornou-se a figura escolhida para o que se visava. Com o desenvolvimento da economia cafeeira, emerge, em solo paulista, a imagem do caipira como o símbolo da nacionalidade. Entre a qualificação e a desqualificação, conforme SILVEIRA, houve, então, uma “pluralidade de construções sobre o caipira”, a exemplo da criação valdomiriana estudada por essa autora, em que o caipira é compreendido de forma positiva. Salienta SILVEIRA (1997, p.36) que, para Valdomiro: “A ‘raça caipira’ se afigurou como um complexo de honradez que, segundo a reconstituição da árvore genealógica da personagem, é fruto de um sentimento de orgulho por ele descender daquele antepassado galhardo”. Entretanto, há de se observar que no decurso do século XX permaneceu no imaginário da população a leitura de desqualificação, sinônimo do Brasil de atraso, do Brasil arcaico.

17Em vista das práticas do MST evidenciarem o papel dos camponeses sem-terra, enquanto construtores de sua

história, contraditoriamente, a negação de seus saberes, considerados arcaicos, artesanais, pode ser encontrada, como salientado na Introdução, num dos referenciais clássicos para os cursos de formação desse Movimento. Nesse aspecto, ver: MORAES (1986), particularmente o Capítulo III, intitulado: “Vícios (ou desvios ideológicos) determinados pelas formas artesanais de trabalho”, em que esse autor expõe o que considera como limites do campesinato.

18IANNI (1968), referindo-se ao período pós-1945, assinala que no meio urbano aumenta o contingente de

trabalhadores “sem qualquer tradição política”, por terem o horizonte cultural marcado por valores e padrões do mundo rural. No mundo rural, conforme o autor (1968, p.57): “[...] predominam formas patrimoniais ou comunitárias

No trabalho de campo, antes da entrevista, expressivo número de assentados dizia nada saber, justificando-se por serem analfabetos, “desconhecerem as letras”. Porém, num inverso a essa afirmativa, o que pude perceber, no desenrolar das entrevistas, foi uma riqueza fundamentada nas histórias de vida e de lugar, ao narrarem os diversos tempos da luta, com enfoque para a situação vivida no momento anterior ao acampamento e o que se vive no presente. Dimensões da importância da terra de trabalho foram sendo apresentadas pelos sujeitos pesquisados, em histórias que enunciam saberes legitimadores das práticas do cotidiano na persistência em permanecerem na terra, ainda que diante de inúmeras dificuldades financeiras.