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NACIONALIZAÇÃO DO SUBSOLO, DAS ÁGUAS, DAS JAZIDAS MINERAIS E DEMAIS FONTES

A Constituição de 1891 não fazia qualquer referência ao aproveitamento da força hidráulica. No que concerne às minas, declarava que estas pertenciam ao proprietário do solo, com as limitações estabelecidas em lei à bem da exploração das mesmas (art. 72, § 17)215.

Com a reforma constitucional de 1926, acrescentou-se a proibição de transferência das minas e das jazidas minerais aos estrangeiros.

Até o Decreto 24.643, a apropriação e o uso das águas no Brasil regiam-se, efetivamente, pelo direito de propriedade, consubstanciado, a partir de 1917, no Código Civil, cujo art. 526 preceituava:

A propriedade do solo abrange a do que lhe está superior e inferior em toda a altura e em toda a profundidade, úteis ao seu exercício, não podendo, todavia, o proprietário opor-se a trabalhos que sejam empreendidos a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse algum em impedi-los (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15/01/1919).

Durante a Primeira República, estados e municípios tinham o poder de negociar contratos diretamente com as empresas prestadoras de serviços.

As principais regiões metropolitanas do país, São Paulo e o Distrito Federal, tornaram-se áreas de operação do conglomerado Brazilian Traction, Light and Power Co. (Light). Na década de 1920, o conglomerado absorveu concessionárias de menor porte na região do Vale do Paraíba. Paralelamente, a American & Foreign Power Co. (AMFORP), empresa estadunidense vinculada aos acionistas da General Eletric, constituiu uma holding local para coordenar as operações no Brasil, denominada Empresas Elétricas Brasileiras. A partir de 1927, a subsidiária da

215 No período colonial, as minas pertenciam à Coroa. Com a independência, passaram a constituir

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AMFORP realizou aquisições de empresas no interior de São Paulo e do Rio de Janeiro, além das capitais de Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e outros cinco estados.

Evidentemente, a capacidade de estados e municípios para regular serviços e tarifas destas empresas era pequena.

Na década de 1930, a postura do governo Vargas foi justamente a de buscar regular serviços e tarifas das concessionárias de energia, retirando autoridade de estados e municípios. Com tal medida pretendeu não apenas proteger a renda de usuários contra monopólios de serviço, como também defender as reservas cambiais escassas. Assim, em setembro de 1931, pelo Decreto 20.395, o Governo Provisório procurou barrar o processo de concentração do setor, impedindo transferências ou promessas de transferências da exploração de cursos e quedas d’águas, alegando a preparação em curso de um Código de Águas.

O Código de Águas foi promulgado uma semana antes da Constituição de 1934, e eliminou o chamado direito de acessão, que conferia ao proprietário do solo a propriedade de cursos e quedas d’água, sendo estas transferidas para a União, que concentrou o poder concedente de seu uso, antes distribuído também para estados e municípios

Referido Código216, aprovado pelo Decreto 24.643, de 10 de julho de 1934, nos seus arts. 146, 147 e 148 determinou que:

1. as quedas d’água existentes em cursos cujas águas fossem comuns ou particulares pertenceriam aos proprietários dos terrenos marginais, ou quem fosse seu legítimo dono;

216 Instituído num país que se urbanizava, com abundância de água e potencial energético, no qual

se fortalecia o ideário do desenvolvimento identificado à industrialização. Neste sentido, priorizou usos estratégicos para o desenvolvimento e para a segurança, inclusive restringindo a participação de capital estrangeiro na produção e transmissão de energia e concentrando nas mãos do governo federal o controle do setor energético. Separou a propriedade do solo e as quedas d’água para aproveitamento industrial.

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2. as quedas d’água e outras fontes de energia hidráulica, existentes em águas públicas de uso comum ou dominicais, seriam incorporadas ao patrimônio da União, como propriedade inalienável e imprescritível;

3. ao proprietário da queda d’água seria assegurada a preferência na autorização ou concessão para o aproveitamento industrial de sua energia ou co-participação razoável estipulada no Código, nos limites da exploração que por outrem fosse feita. Quanto ao aproveitamento industrial das minas e jazidas minerais, estas passaram a depender de autorização ou concessão federal, exclusivamente a brasileiros ou empresas organizadas no Brasil, ressalvado ao proprietário a preferência na exploração ou co-participação nos lucros.

O Código de Minas, aprovado pelo Decreto 24.642, de 10 de julho de 1934,

arts. 5º e parágrafos e 6º e parágrafo único, determinou que:

1. as jazidas conhecidas pertenceriam aos proprietários do solo (ou a quem possuísse o legítimo título);

2. as jazidas desconhecidas, quando descobertas, seriam incorporadas ao patrimônio da Nação, enquanto propriedade imprescritível e inalienável.

3. o direito do proprietário sobre a jazida limitar-se-ia à preferência na concessão da lavra, se houvesse acordo entre todos os condôminos; se este não houvesse, só subsistiria o direito de co-participação nos resultados da exploração.

O Código de Minas, no seu art. 79, estabeleceu que a União transferisse aos Estados as atribuições para autorizar a pesquisa e conceder a lavra de jazidas e minas:

Art. 80. A transferência de que trata o artigo anterior somente será feita quando o Estado interessado possuir um serviço técnico- administrativo, a que sejam afetos os assuntos concernentes à

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mineração e metalurgia, com a seguinte organização pessoal e material: a) seção de geologia econômica, dispondo pelo menos de dois técnicos de comprovada competência em mineralogia, geologia, lavra de minas e metalurgia, com os respectivos auxiliares; b) seção de fiscalização, concessões e cadastro de minas, sob a chefia de um engenheiro de minas e dotado de pessoal necessário para atender às exigências do serviço; c) escritório técnico com o pessoal suficiente para as necessidades dos trabalhos técnicos e administrativos a executar; d) laboratórios convenientemente aparelhados de: I- mineralogia e petrografia; II- química analítica e mineral; III- ensaios metalúrgicos e semi-industriais.

A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar do controle do Poder Público federal sobre a atividade energética, estabelecendo a competência legislativa e de outorga de título de exploração do potencial hidráulico pela União.

Se a importância da água enquanto fonte de energia elétrica já era sentida, também o eram os entraves no setor: a excessiva fragmentação normativa (diferentes contratos municipais reguladores do fornecimento de eletricidade) e a ausência de fiscalização contínua sobre as empresas. De um lado os municípios envolvidos com a regulação da indústria a partir da cessão do uso do solo municipal para a instalação dos equipamentos elétricos; de outro, os agentes privados prestadores dos serviços.

O texto constitucional determinou:

Art. 5º. Compete privativamente à União

XIX – legislar sobre:

j) bens do domínio federal, riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca e a sua exploração;

§ 3º - A competência federal para legislar sobre as matérias dos números XIV e XIX, letras c e i, in fine, e sobre registros públicos, desapropriações, arbitragem comercial, juntas comerciais e respectivos processos, requisições civis e militares,

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radiocomunicação, emigração, imigração e caixas econômicas; riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca, e a sua exploração não exclui a legislação estadual supletiva ou complementar sobre as mesmas matérias. As leis estaduais, nestes casos, poderão, atendendo às peculiaridades locais, suprir as lacunas ou deficiências da legislação federal, sem dispensar as exigências desta.

Art. 118. As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d’água, constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial.

Art. 119. O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, bem como das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização ou concessão federal, na forma da lei.

§ 1º. As autorizações ou concessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros ou a empresas organizadas no Brasil, ressalvada ao proprietário preferência na exploração ou co-participação nos lucros. § 2º. O aproveitamento de energia hidráulica, de potencia reduzida e para uso exclusivo do proprietário, independe de autorização ou concessão.

§ 3º. Satisfeitas as condições estabelecidas em lei, entre as quais a de possuírem os necessários serviços técnicos e administrativos, os Estados passarão a exercer, dentro dos respectivos territórios, a atribuição constante deste artigo.

§ 4º. A lei regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas minerais e quedas d’água ou outras fontes de energia hidráulica, julgadas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar do País. § 5º. A União, nos casos prescritos em lei e tendo em vista o interesse da coletividade, auxiliará os Estados no estudo e aparelhamento das estâncias minero medicinais ou termo medicinais.

§ 6º. Não depende de concessão ou autorização o aproveitamento das quedas d’água já utilizadas industrialmente na data desta Constituição, e, sob esta mesma ressalva, a exploração das minas em lavra, ainda que transitoriamente suspensa.

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Art. 12 das Disposições Transitórias: Os particulares ou empresas que ao tempo da promulgação desta Constituição explorarem a indústria de energia hidroelétrica ou de mineração, ficarão sujeitos às normas de regulamentação que forem consagradas na lei federal, procedendo-se, para este efeito, à revisão dos contratos existentes.

A Constituição de 1934, portanto, consagrou a norma de intervenção do Estado no setor elétrico:

Pelo art. 5º, XIX, “j” e §3º, à União cabia legislar sobre águas e energia hidráulica; nessa matéria, restaria aos Estados (e somente a eles) coadjuvar a legislação federal, no exercício daquilo que Pontes qualificou de competência concorrente. Ainda assim, espaço parecia haver para o exercício de competência própria (implícita pelo princípio básico de divisão de competências no Estado Federal) nas fases da distribuição, transmissão e geração térmica, omitidas pelo texto constitucional.

(...) O art. 118, ao tornar a queda d’água um bem jurídico a se, individualizado em relação à água na qual se encontra (para fins de aproveitamento), quebra com a tradição jurídica brasileira que reconhecia o princípio da acessão em tal matéria. Ao segregar a queda d’água, torna-a apta a receber uma regulação própria.

E tal é feito com o artigo seguinte, o 119, que lança o estatuto básico da exploração da energia hidroelétrica para os tempos futuros (LOUREIRO, 2009, pp. 69 e 70).

Donde se depreende a estreita continuidade entre os dispositivos constantes dos Códigos de Água e de Minas e o texto Constitucional de 1934.

Finalmente, não há como deixar de associar as medidas então empreendidas

como favoráveis à implantação das indústrias de base217, que se dera em momento

histórico posterior, bem como à redução da dependência estrangeira e à melhoria da balança comercial.

217 Em 1943 foi fundada, no Rio de Janeiro, a Fábrica Nacional de Motores, em 1946 começou a

operar o primeiro alto-forno da Companhia Siderurgia Nacional (CSN), em Volta Redonda, e em outubro de 1953 a Petrobrás foi criada, detendo ela o monopólio de pesquisa, extração e refino de petróleo. Todas são empresas estatais.

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