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5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 Nanobastões de ouro

AuNRs foram sintetizados pelo método de crescimento a partir de sementes com o uso de H2O2, que atua como agente redutor em meio básico. Tal

metodologia permite obter partículas com morfologia e tamanho bem definidos, e com controle da posição da banda de ressonância do plasmon de superfície. A síntese de nanobastões requer um controle rigoroso tanto dos efeitos termodinâmicos, relacionados com a estabilização de faces cristalográficas específicas, quanto cinéticos, relativos ao crescimento anisotrópico, e assim, diversos parâmetros estão envolvidos.

O uso de um surfactante catiônico de cadeia longa, como o CTAB (Figura 14A), é crucial para o direcionamento de morfologia durante o crescimento da nanopartícula, formando uma estrutura de bicamada ao seu redor 97, como mostrado na Figura 14B. A cadeia do surfactante deve ser longa o suficiente para promover a estabilização da nanopartícula, mas curta suficiente para permanecer solúvel nas condições da síntese e armazenamento da suspensão. Estudos mostraram que os íons brometo presentes nesta molécula são fortemente adsorvidos a faces específicas do ouro 98, principalmente às faces laterais de maior índice, que possuem estrutura de empacotamento mais espaçada.

(A) (B)

Figura 14. (A) Estrutura molecular do CTAB e (B) bicamada de CTAB na superfície do nanobastão de ouro (adaptado da Ref. 99).

O precursor de ouro é adicionado na forma de íons [AuCl4]‾, um complexo

de metal d8, cuja solução apresenta cor amarela clara devida a transições ligante–metal. Na presença de CTAB, os cloretos do complexo são substituídos por

brometos, uma vez que a energia de complexação com o ouro é maior para este último, e isso é evidenciado pela alteração na cor da solução para laranja escura. Subsequentemente, o íon precursor forma um complexo com micelas do surfactante na forma AuBr4―CTA, o que altera o seu potencial de redução, e assim interfere na

cinética de crescimento das partículas 100. A Tabela 2 apresenta os potenciais- padrão de redução em solução aquosa dos íons e complexos de ouro 101.

Tabela 2. Potenciais-padrão de redução dos íons e complexos de ouro em água 101.

Semi-reação Potencial-padrão (V)

Au3+/Au+

Au3+ + 2e‾ → Au+ +1,40

[AuCl4]‾ + 2e‾ → [AuCl2]‾ + 2Cl‾ +0,93

[AuBr4]‾ + 2e‾ → [AuBr2]‾ + 2Br‾ +0,80

Au+/Au

Au+ + e‾ → Au +1,71

[AuCl2]‾ + e‾ → Au + 2Cl‾ +1,15

[AuBr2]‾ + e‾ → Au + 2Br‾ +0,96

Os complexos mostrados na Tabela 2 são mais estáveis do que os íons de ouro livres e, portanto, são mais dificilmente reduzidos, o que é evidenciado pelos menores valores de potencial de redução. O complexo [AuBr4]‾ apresenta potencial

ainda menor do que o [AuCl4]‾ , de modo que um agente redutor fraco é capaz de

reduzi-lo apenas a [AuBr2]‾, mas não a ouro metálico, o que só ocorre quando as

sementes são adicionadas. Isso evita a nucleação secundária na solução de crescimento dos bastões. A formação do complexo [AuBr4]―CTA diminui ainda mais

esse potencial, sendo então reduzido a [AuBr2]―CTA pelo H2O2 em meio básico

(potencial de redução +0,15 V 102), e garantindo que a deposição ocorra de forma controlada. Essa primeira redução é evidenciada pelo desaparecimento da cor alaranjada da solução, que se torna incolor, uma vez que o centro metálico do complexo agora possui configuração d10, e a transferência de carga ligante–metal não é mais observada. A micela contendo complexo reduzido direciona os íons precursores até as sementes, que agem como catalisadores da redução controlada do Au+ a ouro metálico na sua superfície 100.

Durante o crescimento do cristal, a bicamada formada pelas moléculas do surfactante faz com que as extremidades fiquem mais susceptíveis ao contato com as micelas que contêm os íons Au+, devido à interação preferencial do CTAB com as faces específicas do ouro e à curvatura da estrutura da bicamada nas extremidades

50,103,104

. Esse mecanismo de crescimento faz com que a síntese seja extremamente sensível a impurezas, principalmente em relação a íons haleto. Quando o CTAB não é de alta pureza, pode haver traços de iodeto, o que impossibilita a obtenção de nanobastões. Os íons iodeto possuem energia de adsorção maior do que o brometo em determinadas faces do ouro, se ligando preferencialmente à face {111}. Dessa forma, a presença de iodeto, mesmo na ordem de ppm, impede a formação de bastões e favorece a obtenção de outras morfologias, como esferas e placas triangulares 98,105,106.

Ainda não há um consenso quanto ao papel da prata na formação dos bastões de ouro, mas os estudos têm mostrado que o Ag+ está envolvido na quebra de simetria durante o crescimento das sementes, e que, na sua ausência, não é obtida uma quantidade significativa de nanobastões. Um estudo sistemático sobre esse mecanismo foi realizado por Walsh et al. 107. Os pesquisadores mostraram que as sementes de ouro preparadas por esta metodologia possuem em torno de 2 nm, e são monocristais cuboctaédricos que contêm 8 faces {111} e 6 faces {100} arranjadas simetricamente (Figura 15), cujo crescimento não implicaria, a princípio, em uma quebra de simetria. A presença do CTAB modifica a energia superficial da partícula, uma vez que ele adsorve preferencialmente às faces {100}, estabilizando-as em relação às {111}.

Figura 15. Ilustração da estrutura cuboctaédrica das sementes de ouro estabilizadas por CTAB. Adaptado da Ref. 107.

As sementes iniciam então o crescimento isotrópico. Os autores observaram que, quando as partículas possuem em torno de 4 a 6 nm, surgem planos de truncamento assimétrico de maior índice, nas regiões de encontro entre os planos {111}. Eles sugerem que esses truncamentos são incorporados à estrutura da partícula para reduzir efeitos de borda onde planos de menor índice se encontram, diminuindo significativamente a energia livre de superfície da estrutura. Na Figura 16, são mostradas ilustrações e imagens de microscopia, nas quais é evidenciada a formação do plano de truncamento durante o crescimento da semente. A faixa de tamanho em que os truncamentos são observados corresponde exatamente à faixa em que se relata a quebra de simetria das partículas.

Figura 16. Ilustrações e imagens de TEM do surgimento de planos de truncamento durante o crescimento das sementes de ouro. Adaptado da Ref. 107.

Os autores do trabalho propõem que as faces assimétricas de truncamento são estabilizadas preferencialmente pelas espécies Ag+ presentes na solução de crescimento, uma vez que seu empacotamento atômico é mais espaçado em relação às outras faces mais compactas. Essas faces estabilizadas por uma camada de prata, e que são distribuídas de maneira não simétrica, possuem estabilidade intensificada em relação às outras, fazendo com que a subsequente deposição de átomos de ouro ocorra mais rapidamente nas outras direções. O crescimento então prossegue de forma assimétrica, gerando partículas monocristalinas anisotrópicas.

Existe controvérsia na literatura quanto à atribuição das faces cristalinas expostas nos AuNRs. O primeiro estudo foi feito por Wang et al. 108 em 1999. Os autores descreveram os nanobastões como sendo monocristais com retículo cristalino fcc (cúbico de faces centradas), seção transversal octogonal, apresentando as faces {100} e {110} intercaladas, paralelas ao eixo longitudinal, e na extremidade, uma face {001}, quatro {110} e quatro {111}. Mais recentemente, outras publicações apresentaram atribuições alternativas, como a de Carbó-Argibay et al. 109, que vem sendo mais aceita. Este trabalho mostrou que, na verdade, a lateral dos nanobastões é composta por oito faces equivalentes de alto índice, {520}, com as extremidades ainda compostas pelas faces {110} e {111}, como na atribuição anterior. Os autores relacionaram a estrutura proposta com o mecanismo de crescimento dos bastões, em que a adsorção seletiva do CTAB em faces equivalentes nas laterais favoreceria o crescimento unidimensional da partícula.

A Figura 17 mostra representações da estrutura cristalina de nanobastões de ouro, comparando os modelos propostos por Wang (Figura 17A) e por Carbó- Argibay (Figura 17B). O segundo autor suporta ainda sua proposta mostrando a correspondência entre os ângulos medidos entre as faces nas micrografias e os valores esperados para esses ângulos.

Figura 17. Estrutura cristalina dos AuNRs e dos ângulos entre as faces para os modelos propostos por (A) Wang e (B) Carbó-Argibay. Adaptado da Ref. 109.

A caracterização dos AuNRs obtidos foi feita por espectroscopia na região do UV-Vis-NIR em suspensão aquosa, cujo espectro de extinção está mostrado na Figura 18. 400 500 600 700 800 900 1000 520 Ex tinç ã o Comprimento de onda (nm) 730

Figura 18. Espectro de extinção da suspensão de AuNRs.

A síntese permite o controle do comprimento dos bastões de tal forma que a banda plasmon longitudinal varie entre aproximadamente 700 e 980 nm. Os

parâmetros reacionais foram selecionados, a fim de se obter bastões com a banda longitudinal mais próxima possível à linha do laser utilizado nos experimentos SERS, ou seja, 632,8 nm, sem comprometer a qualidade dos nanobastões. Foram observadas as duas bandas características de nanopartículas metálicas no formato de bastões, a primeira na região de 520 nm, atribuída ao plasmon transversal de nanobastões de ouro, e a segunda, em 730 nm, atribuída ao plasmon longitudinal.

Na Figura 19, estão apresentadas as imagens de TEM dos AuNRs, que confirmaram a obtenção de partículas com morfologia controlada. São observadas também, em menor quantidade, partículas cúbicas, esféricas e de morfologia não definida, que são impurezas típicas da síntese de nanobastões de ouro 110.

Figura 19. Imagens de TEM dos AuNRs

A fim de obter dados estatísticos sobre a distribuição de tamanho dos nanobastões obtidos na síntese, foi feita a contagem de 650 partículas a partir das imagens de TEM, medindo tanto o comprimento dos bastões quanto a sua espessura. A Figura 20 mostra o histograma tridimensional que representa a distribuição das dimensões dos bastões medidos.

Figura 20. Histograma tridimensional da distribuição dimensional dos AuNRs.

A partir do histograma da Figura 20, observa-se um bom controle de crescimento das nanopartículas pelo método de síntese, com intervalos estreitos de distribuição. Em relação ao comprimento, a maioria dos bastões se encontrou na faixa entre 40 e 70 nm, sendo o valor médio (com o respectivo desvio padrão amostral) de 49 ± 9 nm, enquanto para a espessura, os bastões ficaram limitados entre 10 e 21 nm, com valor médio e desvio padrão de 16 ± 2 nm. A razão de aspecto, que é a razão entre o comprimento e a espessura dos bastões, apresentou valor médio de 3,1.

Foram feitas imagens de HRTEM, mostradas na Figura 21, para avaliar a estrutura cristalina das partículas de ouro. Na região ampliada da Figura 21A, a distância interplanar foi medida como sendo 0,24 nm, atribuída aos planos (111) do ouro de acordo com a ficha cristalográfica JCPDS #4-784. Na imagem da

Figura 21B, foram também observadas distâncias interplanares de 0,20 nm atribuídas aos planos (200). As franjas observadas nas partículas sobrepostas da Figura 21B são franjas de interferência conhecidas como padrão de Moiré 111. De modo geral, esse fenômeno ocorre quando duas grades de espaçamento próximo ou idêntico são superpostas, sendo associado, no caso de nanoestruturas cristalinas, a distâncias interplanares semelhantes.

Figura 21. (A-B) Imagens de HRTEM dos nanobastões de ouro. A região ampliada da Figura 21A mostra a medida da distância interplanar.

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