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5.5 Diários íntimos

5.5.1 Narcisismo

Muitos autores incluem nos seus blogsimagens, poemas, entre outras coisas, e o objectivo é unicamente apresentar o próprio eu, de forma exaustiva. Não serão por isso algunsblogsum exercício de narcisismo?

Um número considerável de pessoas utiliza esta ferramenta para

deba-soal onde esta transexual assumida partilha ideias e aborda problemas existentes no âmbito da transexualidade.

56http://portugalgay.pt/blog/faq/- Neste espaço são discutidas questões relaciona-das com a homossexualidade. Oblogpermite fazer comentários e colocar questões no âmbito desta matéria.

57http://opusgayassociation.blogspot.com/- Fala de tudo um pouco, apesar de dar destaque a temas sobre homossexualidade definindo os seus objectivos no: “apoio e defesa dos direitos humanos, o apoio à Cidadania, ao Estado democrático laico e republicano, o respeito pela Diversidade, e pela Liberdade, e o apoio a nível indi-vidual e colectivo, das minorias sexuais, e étnicas e de intervenção social, laboral, política, ecológica e no domínio da Saúde, sobre os problemas que afectam em geral a Sociedade e especificamente os que dizem respeito às minorias referidas”.

58http://igualdadenocasamento.blogspot.com/- É umblogque reúne o arquivo de notícias sobre casamento homossexual publicadas em Portugal.

59 http://assumidamente.blogspot.com/- É umblog “assumidamente lésbico, as-sumidamente apaixonado, asas-sumidamente cultural (. . . )”. No primeiropost,inserido a 2 de Agosto de 2003, a autora (não identificada) escrevia que este espaço seria o:

“mais profundo grito no silêncio em queassumidamenteo mundo ainda nos obriga a gritar”

(http://assumidamente.blogspot.com/2003/08/benvinds.html).

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ter temas da actualidade, que marcam a agenda política, social, cul-tural, etc., para lançar preocupações sobre os mais variados assuntos, para partilhar ideias e interesses. Mas um número não menos signifi-cativo de autores, que dada a proliferação de blogsexistente é difícil quantificar, utilizam estes dispositivos como uma oportunidade para se apresentarem e apresentarem a sua própria vida, de forma mais ou me-nos moderada ou mais ou meme-nos excessiva.

Ao abordar a questão do narcisismo, Gilles Lipovetsky, diz que ele

“não é de modo nenhum a última retracção de um eu desencantado pela “decadência” ocidental e precipitando-se de corpo e alma no gozo egoísta. Nem nova versão do “divertimento”, nem alienação – a in-formação nunca foi tão desenvolvida –, o narcisismo abole o trágico e surge como uma forma inédita de apatia feita de sensibilização epidér-mica ao mundo e de profunda indiferença em relação a ele: paradoxo que explica parcialmente a plétora de informações que nos assaltam e a rapidez com que os acontecimentos mass-mediatizados se expul-sam uns aos outros, impedindo toda e qualquer emoção duradoura”60. Dada a rápida sucessão de acontecimentos com que somos confronta-dos através confronta-dos media, não há tempo para “emoções duradouras”. Os novos acontecimentos sobrepõem-se aos anteriores. Os indivíduos pa-recem, de certo modo, indiferentes à quantidade de informação que os assola. Para Lipovetsky, o narcisismo é um efeito do crescimento de uma lógica social individualista com origem no século XIX. No caso de alguns blogs, o narcisismo é tão somente uma forma de expressão.

“O narcisismo é uma resposta ao desafio do inconsciente: instado a redescobrir-se, o eu precipita-se num trabalho de libertação intermi-nável, de observação, de interpretação” e acrescenta “cada indivíduo deve “dizer tudo”, libertar-se dos sistemas de defesa anónimos que se opõem à continuidade histórica do sujeito, personalizar o seu desejo por meio de associações “livres””61. Algunsblogsassinalam a

impor-60Gilles Lipovetsky,A era do vazio. Ensaios sobre o individualismo contemporâ-neo, Lisboa, Relógio d’ Água, 1989, p. 50.

61Idem, p. 52.

Blogs e a fragmentação do espaço público 155 tância doeuem diversos domínios, mas curiosamente enquadram-nos na sociedade. Uma espécie de aproximação do que é privado ao que é público, proporcionada pelas novas tecnologias. Para Lipovetsky, é o inconsciente que abre caminho a um narcisismo sem limites. “Para que o deserto social seja viável, o eudeve tornar-se a preocupação central:

não importa que a relação seja destruída, contando que o indivíduo seja levado a absorver-se em si próprio. Assim, o narcisismo realiza uma estranha “humanização” aprofundando a fragmentação social: solução económica para a “dispersão” generalizada, o narcisismo, numa circu-laridade perfeita, adapta oeuao mundo de onde nasce”62.

Apesar de considerar natural e importante que obloggerqueira ter o seu público, Rebecca Blood diz o seguinte: “Se pretende criar um weblog irresistível, tem de escrever para um público de uma só pes-soa: o próprio blogger. O público de uma única pessoa é o princípio único e o mais importante que subjaz à criação de um sítio – ou de qualquer outra coisa – novo, interessante, irresistível”63. O narcisismo constitui assim mais uma forma de fragmentação social e cultural, mas curiosamente é também uma forma do sujeito se adaptar e inserir na comunidade. O indivíduo ao olhar para si próprio e ao apresentar-se procura, no entanto, ser olhado por outros. Muitas pessoas encontra-ram nosblogsum espaço de libertação e uma forma de tornar pública uma individualidade, privada e pessoal que é assim totalmente exposta, para uma comunidade ilimitada. “O narcisismo, nova tecnologia de controlo flexível e autogerido, socializa dessocializando, põe os indi-víduos de acordo com um social pulverizado, glorificando o reino da plena realização do Ego puro”.64 É o regresso da subjectividade do au-tor, em que a individualidade se apresenta ao público e consegue à sua volta um conjunto de interesses que atraem milhares de olhares que a cada instante passam pela vasta blogosfera.

62Ibidem, p. 53.

63Rebecca Blood,O livro de bolso do weblog, Campo das Letras, Porto, 2004, p.

83.

64Gilles Lipovetsky,A era do vazio. Ensaios sobre o individualismo contemporâ-neo,Lisboa, Relógio d’ Água, 1989, p. 53.

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No caso dos espaços individuais são mesmo frequentes os textos publicados referentes a pormenores da vida pessoal. Muitas deles apre-sentam no seu espaço online uma identidade que não provavelmente não partilham com ninguém na vida “real”. Mas noblog, cada um, cria à sua volta pequenas comunidades que partilham interesses, ideias e trocam opiniões frequentemente, através destes dispositivos.

No documento Blogs e a fragmentação do espaço público (páginas 159-162)