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O “quinto equívoco”

A imprensa foi muitas vezes denominada como o quarto poder. Mas quem observa o desempenho da imprensa? Podem os blogs exercer esse papel? Estão já a fazê-lo? Serão osblogsoswatchdogsdo jorna-lismo?

A imprensa como “quarto poder” surgiu no sentido em que fiscali-zava os outros poderes constitucionalmente estabelecidos: legislativo, executivo e judicial. “Essa fórmula do “quarto poder” foi muito utili-zada pelas profissões dosmediano debate político, com vista a reforçar a respectiva legitimidade no espaço público”131. Mas a imprensa per-deu um pouco essa capacidade. “A invocação do jornalismo enquanto poder conduz, aliás, a resultados perversos do ponto de vista da afir-mação da legitimidade da presença do jornalista no espaço público”132.

“O jornalismo necessitava de uma legitimidade para tranquilizar os re-ceios, justificar o seu lugar crescente na sociedade e dar cobertura a um negócio rentável. Encontrou essa legitimidade nos intérpretes con-vincentes e influentes da teoria da opinião pública. O conceito de opi-nião pública foi um produto das filosofias liberais de finais do século XVII e no século XVIII, e sobretudo, das teorias democráticas do sé-culo XIX”133. A imprensa é vista como uma “instituição” que para além de informar, denuncia o que está mal na política, na sociedade, etc. “O que tradicionalmente orienta o jornalismo é o ideal iluminista de “es-clarecer os cidadãos”, forjado no quadro das revoluções liberais de fins do século XVIII. Daí a formulação do conceito de “quarto poder”, que procura legitimar a imprensa como uma instituição “da sociedade” – vista assim genericamente, como se constituísse um conjunto homogé-neo – contra os abusos do Estado”134. O jornalismo é assim visto pelos

131Mário Mesquita,O Quarto Equívoco. O poder dos media na sociedade contem-porânea, Coimbra, MinervaCoimbra, 2aedição revista, 2004, p. 72.

132Idem, p. 72.

133Nelson Traquina,Jornalismo, Lisboa, Quimera Editores, 2002, p. 32.

134Sylvia Moretzsohn,Em nome da “justiça”, contra o direito: os escândalos do jornalismo nas denúncias de pedofilia, disponível em:

Blogs e a fragmentação do espaço público 89 cidadãos como uma espécie de “guardião” que expõe a verdade e relata os acontecimentos tal qual eles são. Esta ideia romântica nem sempre corresponde à realidade, em especial quando os interesses económicos e comerciais adquiriram relativa importância. Muitas vezes, os meios de comunicação social são instrumentos usados pelos demais poderes, mas os grandesmediasão também eles grandes centros de poder.

“Cães de guarda da sociedade”, “quarto poder” e “princípio da res-ponsabilidade social” são expressões associadas ao ideal romântico do jornalismo, segundo as quais o jornalista estaria comprometido com a sociedade e com os próprios valores democráticos, no sentido de vi-giar os poderes institucionais estabelecidos135. Os cidadãos deposita-ram confiança nos meios de comunicação social, atribuindo-lhes tam-bém um papel de vigia e de denúncia que se tornou ainda mais evidente com a televisão, meio de comunicação de massas por excelência, e com as evoluções tecnológicas registadas neste domínio.

Os avanços ao nível da tecnologia trouxeram vantagens inegáveis aos media (nomeadamente na rapidez e na amplitude da informação, e nas metodologias utilizadas para o conseguir) mas também aos pró-prios cidadãos, como já dissemos anteriormente. A verdade jornalís-tica, a independência dos seus profissionais, as práticas utilizadas e a lealdade com o público passaram a estar sob uma análise constante. Os blogsexercem um olhar atento de vigia, não só sobre os vários poderes estabelecidos, mas sobre osmediae o trabalho por eles desempenhado.

Será a blogosfera um poder (talvez o quinto) que vigia o quarto poder?

Os blogs chamam muitas vezes a atenção para assuntos que pas-sam ao lado dos media tradicionais. Vital Moreira chama a atenção para as palavras proferidas por Ignacio Ramonet, director doLe Monde Diplomatique,que “lançou para a discussão a necessidade de criar um

“quinto poder”, como forma de contraposição à crescente

transforma-www.bocc.ubi.pt/pag/moretzsohn-sylvia-jornalismo-pedofilia.pdf, p. 2.

135Fábio Henrique Pereira,Da responsabilidade social ao jornalismo de mercado:

o jornalismo como profissão, disponível em:

www.bocc.ubi.pt/pag/pereira-fabio-responsabilidade-jornalista.pdf, p. 3 e 4.

www.labcom.ubi.pt

ção do “quarto poder” - ou seja, os media - em instrumento de ac-ção dos demais poderes (sobretudo do poder económico), por efeito da crescente integração em redes mundiais integradas em grupos de comu-nicação dominados por poderosos grupos económicos, em prejuízo da sua função tradicional de controlo do poder”. Ramonet não se referia na altura em que proferiu estas ideias (Outubro de 2003) aosblogs, apesar de se tratar já de um fenómeno que adquiria cada vez mais importância.

“Acessíveis a um cada vez maior número de pessoas, à medida que se generalizam os computadores e a Internet, os blogspodem finalmente realizar, a uma escala nunca imaginada, a utopia democrática de per-mitir aos cidadãos em geral intervir directamente nas assuntos da polis.

Ao contrário dos media tradicionais, que são instituições ou empre-sas com a sua agenda própria, que condiciona necessariamente os seus jornalistas (desde logo no momento da sua escolha), osblogs, mesmo quanto colectivos, são exercícios puros de liberdade individual”136.

É cada vez mais fácil tornar pública uma opinião, um comentário, uma informação, uma crítica. “A blogosfera não parece ser uma moda, condenada a desaparecer como outras. A sua relevância é crescente, e estimável, particularmente na esfera política. Mas, por enquanto, dada a sua reduzida dimensão e influência, é pelo menos excessivo falar num

“novo poder”. Só o tempo pode dizer se algum dia o será”137.

De facto, perante o cenário actual não parece possível fazer esta afirmação utópica de quinto poder. Mas, existem de facto novas possi-bilidades de manifestar uma determinada posição, como seja uma de-núncia sobre uma determinada decisão política, sobre as práticas judi-ciais, sobre uma notícia de jornal, sobre o alinhamento do noticiário televisivo, sobre a amplitude desnecessária determinado tema, etc. É um novo poder adquirido pelos cidadãos que os aproxima da vida pú-blica.

136 Vital Moreira, O “quinto poder”?, disponível em: http://aba-da-causa.blogspot.com/2005/08/o-quinto-poder.html. Este texto também foi publicado no jornalPúblico, terça-feira, 23 de Agosto de 2005.

137Idem

Blogs e a fragmentação do espaço público 91

3.9 Jornalismo Cívico – aproximar o