• Nenhum resultado encontrado

Redefinição dos mediadores de conteúdos

Segundo Mar de Fontcuberta, normalmente são apontadas três fun-ções principais ao jornalismo: “informar (reflectir a realidade); formar (interpretá-la); e distrair (ocupar os tempos livres). Em qualquer caso, a função fundamental reside na mediação entre as várias instâncias de uma sociedade e os diversos públicos”22. O jornalismo caracteriza-se pelo papel mediador que exerce entre os acontecimentos e o público a quem se dirige. O que pode ou não ser publicado passa por todo um processo de selecção. O papel dos tradicionais mediadores de conteú-dos – os jornalistas – parece ser colocado em causa quando qualquer cidadão pode publicar e tornar público o que bem entender.

Com a Internet, surgiram mudanças vertiginosas nas formas de co-municar. José Luís Orihuela fala em sete características da comunica-ção impulsionados por este meio. Interactividade, personalizacomunica-ção, mul-timédia, hipertexto, actualização, abundância e mediação são as carac-terísticas referidas por este autor que depois as considera, por sua vez, como uma forma de desencadear novos paradigmas23. A Internet é um veículo multimédia por excelência que suporta combinações de texto, imagem e som. “O surgimento da Internet (e das tecnologias da infor-mação, de uma forma genérica) é seguramente o factor primordial da reconfiguração (simultaneamente inquietante e fértil) do espaço mediá-tico a que vimos assistindo nos anos mais recentes. Os modos de acesso à informação jornalística, assim como a organização estrutural e formal dessa informação, são inevitavelmente condicionados por esta nova re-alidade técnica e conceptual”24. A possibilidade de introduzir elemen-tos hipertextuais (estruturados em fragmenelemen-tos), internos ou externos a

22 Mar de Fontcuberta, A notícia. Pistas para compreender o mundo, Lisboa, Editorial Notícias, 2aedição, 2002, p. 28.

23José Luís Orihuela,Internet: nuevos paradigmas de la comunicación, disponível em: http://www.comunica.org/chasqui/77/orihuela77.htm

24 Luís Nogueira,Jornalismo na rede: arquivo, acesso, tempo, estatística e me-mória,inAntónio Fidalgo e Paulo Serra (orgs.)Informação e Comunicação Online, Volume I –Jornalismo Online, Covilhã, Universidade da Beira Interior, 2003, p. 159.

Blogs e a fragmentação do espaço público 55 um determinadosite, é umas das grandes vantagens do mundoonline.

Ao falar de um assunto, o responsável pelositedispõe da possibilidade de o relacionar a outros temas ou até ao próprio arquivo, aumentando assim a informação transmitida sobre um determinado tema. Nosblogs essa possibilidade é utilizada com grande facilidade. OPonto Media25 da autoria de António Granado, é um bom exemplo, sempre com vá-rias ligações a outros sítios danet, possibilitando ao leitor um aumento do conhecimento em relação a determinados temas relacionados com os media. O seu mentor defende o desenvolvimento deblogs temáti-cos e com mais ligações ao exterior considerando mesmo que “faltam em Portugal, weblogs temáticos, especializados, onde as pessoas vão aprender alguma coisa”26.

A interactividade é outra das marcas mais importantes da Internet que permite, não só a intervenção no debate, como também a possi-bilidade de obter um feedback. “A interactividade permite aos cida-dãos solicitar informação, expressar a sua opinião e pedir uma resposta personalizada aos seus representantes”27. Qualquer pessoa pode se-leccionar, organizar e transmitir informação que instantaneamente fica acessível a todos, numa escala global.

A elevada interactividade e a facilidade com que qualquer pessoa coloca conteúdos nanetestá a redefinir os papéis dos tradicionais me-diadores na produção de conteúdos. É o que acontece por exemplo com os jornalistas. Por isso mesmo Jorge Pedro Sousa lembra que “o jorna-lista está a ver-lhe fugir o papel privilegiado que detinha na gestão do espaço público informativo. Portanto, é o conceito de mediação jorna-lística que está a ser ameaçado”28. De facto, nunca como hoje foi tão fácil escrever, editar, publicar e obter retorno por parte dos leitores.

25Disponível em:http://www.ciberjornalismo.com/pontomedia/

26Vanda Ferreira,Internet – Blogs, logo existem in Revista Meios, Associação Por-tuguesa de Imprensa, Nov/ Dez 2004, p. 27.

27 Manuel Castells,A galáxia Internet, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 186.

28Jorge Pedro Sousa,Elementos de Teoria e Pesquisa da Comunicação e dos Me-dia, Porto, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2003, p. 53.

www.labcom.ubi.pt

Marcos Palácios considera que “da mesma forma que a “quebra dos limites físicos” na Webpossibilita a utilização de um espaço prati-camente ilimitado para disponibilização de material noticioso (sob os mais variados formatos mediáticos), abre-se a possibilidade de dispo-nibilizar onlinetoda a informação anteriormente produzida e armaze-nada, através da criação de arquivos digitais, com sistemas sofisticados de indexação e recuperação de informação”29. Sendo assim, um con-junto de características oferece possibilidades anteriormente desconhe-cidas. Nos blogs, a publicação é feita por ordem cronológica estando sempre em “primeiro plano” o post mais actual, com a vantagem de toda a informação ficar arquivada, de forma simples e eficaz. “Na Web, no entanto, a conjugação de Memória com Instantaneidade, Hipertex-tualidade e Interactividade, bem como a inexistência de limitações de armazenamento de informação, potenciam de tal forma a Memória que cremos ser legítimo afirmar-se que temos nessa combinação de carac-terísticas e circunstâncias uma ruptura com relação aos suportes me-diáticos anteriores”30.

Não foi por acaso que o mediático escândalo sexual protagonizado por Bill Clinton e Mónica Lewinski apareceu pela primeira vez naweb.

Matt Drudge, classificado por Dan Gillmor, como o “maior batoteiro da Internet”31 revelou na sua página pessoal que uma equipa de re-portagem daNewsweek possuía informações comprometedoras acerca de um caso sexual que envolvia o presidente dos Estados Unidos, mas questões editoriais da revista impediam a sua publicação. Alguns dias depois todos os meios de comunicação social falavam sobre o assunto que iria dar origem a notícias durante meses a fio. Mas, a verdade é que os jornalistas e o jornalismo, nomeadamente as publicações de

referên-29Marcos Palácios,Jornalismo online, informação e memória: apontamentos para debate inAntónio Fidalgo e Paulo Serra (orgs.),Informação e Comunicação Online, Volume I- Jornalismo Online, Covilhã, Universidade da Beira Interior, 2003, p. 82.

30Idem, p. 83.

31Dan Gillmor,Nós os media, p. 179. Gillmor utiliza esta expressão por achar que Matt Drudge não pratica um “jornalismo respeitável” apesar de tudo Gillmor salienta que Drudge “assina o seu nome em tudo aquilo que publica”.

Blogs e a fragmentação do espaço público 57 cia, tinham sido ultrapassados no seu papel mediador entre as fontes e o grande público. Tal viria a acontecer de novo quando um relatório sobre o caso foi disponibilizado na Internet, permitindo um acesso di-recto a milhões de pessoas. Importa no entanto referir que esse mesmo relatório tinha centenas de páginas e apesar de estar acessível a todos, parece continuar reservado aos jornalistas o papel de selecção e de aná-lise dos acontecimentos relevantes a ser divulgados. Este é apenas um pequeno exemplo da importância do trabalho destes profissionais. Mas independentemente das acções praticadas por Drudge e das questões éticas que elas possam levantar, o que este caso nos indicou, desde logo, foi o facto de estarmos perante algo novo. Será de facto possível que qualquer cidadão possa ser jornalista, mesmo que não tenha for-mação para tal? Poderemos falar num jornalismo sem jornalistas? Se-gundo Paulo Serra, “uma tal discussão compele-nos, desde logo, a uma reflexão sobre o conceito de jornalismo, tal com este é entendido, pelo menos desde os finais do século XIX, pela imprensamainstream: o jor-nalismo como uma “sociedade de discurso” centrada nas notícias”32. Parece de facto que o jornalismo está agora ao alcance de todos, mas será mesmo assim? “A liberdade e universalidade de publicação pro-piciadas pela Internet esbarram, desde logo, com uma dificuldade de monta: a de que, à medida que cresce a quantidade de editores e pu-blicações, decresce a possibilidade de que uns e outros sejam lidos.

A Internet não anula, assim o gatekeeping que Drudge vê como a ca-racterística e o poder essenciais do jornalismo “tradicional” – apenas o desloca do momento da produção para o momento da recepção. Apesar disso, temos de conceder a Drudge o mérito de ter mostrado, de forma efectiva, como a Internet conseguiu pôr em causa não só o exclusivo da imprensamainstreamem dar as notícias como também, nalguns casos, o seu exclusivo na determinação da agenda mediática”33.

32Joaquim Paulo Serra, O online nas fronteiras do jornalismo: uma reflexão a par-tir do tabloidismo.net de Matt Drudge in Informação e Comunicação Online,Volume I- Jornalismo Online, Covilhã, Universidade da Beira Interior, 2003, p. 91.

33Idem, p. 91 e 92.

www.labcom.ubi.pt

Osblogsfacilitaram ainda mais esta a publicação pessoal, retirando a exclusividade que meios de comunicação social tinham na publica-ção de notícias e colocando em causa o papel mediador dos jornalistas.

“Mas, afinal, um simples leitor pode intitular-se jornalista e utilizar a Net como um meio para tornar públicos os factos que apurou e investi-gou? Matt Drudge não duvida e costuma dizer que “cada cidadão pode ser um repórter e desafiar os poderes estabelecidos”. O problema é que muitos leitores não atendem aos códigos deontológicos em vigor. A co-meçar pelo próprio Drudge, que perante acusações do género, responde muito simplesmente: “eu sou a minha própria consciência””34.

Tal como refere José Pedro Castanheira, apesar dos muitos defeitos que podem justificadamente ser assinalados ao Drudge Report, ele pro-vou que não está reservado aos grandes meios de comunicação social o papel de transmitir notícias em primeira-mão35. A proliferação de blogse o desejo manifestado por milhares de utilizadores em dar a sua versão dos acontecimentos acentua de forma inequívoca esta tendência.

Acreditamos, no entanto, que o papel do jornalista enquanto me-diador é fundamental porque está em causa todo um trabalho de aná-lise, interpretação, composição e transmissão da informação, que em grande parte das vezes, no seu estado “bruto” é complexa. A tudo isto acrescenta-se um conjunto de normas e regras deontológicas que são seguidas por este profissional e que pelo contrário nenhum cidadão tem que cumprir. É ao jornalista que cabe o papel de mediar e transmitir o que, de facto, é relevante. Contudo, não pode ser ignorado o papel das novas vozes que acreditam ter algo a dizer e a acrescentar, utilizando para isso ferramentas como osblogs.

34 José Pedro Castanheira,No reino do anonimato. O estudo sobre o jornalismo online. Colecção Comunicação, Coimbra, MinervaCoimbra, 2004, p. 152.

35Idem, p. 179.

Blogs e a fragmentação do espaço público 59