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2.2. De “O país das quimeras” para “Uma excursão milagrosa”: inserções

3.1.1. O narrador e o leitor

Como se pode observar, esse “Prefácio” introduz a presença de um narrador que se apresenta como transcritor das cartas que compõem o conto, de forma que não se tem um narrador para a história, e sim para seu “Prefácio”. Mesmo evidenciando não ser o autor das cartas, esse narrador tem papel fundamental em sua publicação, já que elas são apresentadas da forma como ele estabeleceu.

A presença desse narrador é justificada em função dos leitores, que se fazem presentes desde a primeira linha do “Prefácio”, através do pronome “lhes”, e a quem é necessário explicar a origem das cartas. O narrador, que é, também, o meio pelo qual esses

leitores tiveram acesso às cartas, e cuja palavra é a única que têm para obter informações a respeito da origem daquelas, ao afiançar a autenticidade desse material, quer mostrar-se confiável; porém, ele mesmo fornece no “Prefácio” elementos que acabam por provocar nos leitores dúvidas a respeito de seu comportamento.

O narrador inicia o “Prefácio” já com um segredo: “não lhes posso dizer como vieram estas cartas para as minhas mãos” (p. 54). Tal afirmação sugere, de certa forma, um comportamento misterioso por parte desse narrador. Além disso, ele esclarece que transcrever as cartas não foi a primeira coisa em que pensou, mas sim uma idéia surgida num segundo momento, após desistir de usar tais cartas para fazer uma obra de sua autoria. Diante dessas revelações, a confiabilidade desse narrador pode ser posta em dúvida por um leitor perspicaz.

Na continuação do “Prefácio”, o narrador fornece mais dados que propiciam dúvidas a respeito de seu procedimento enquanto transcritor fiel das cartas: apesar de afirmar que reproduziu o conteúdo que tinha em mãos “sem lhes cortar uma vírgula”, esse narrador faz, de modo bastante natural, uma ressalva em relação ao final da carta “V”, na qual teria efetuado uma supressão. Conforme se pode constatar na transcrição do conto, oferecida no volume de anexos, e também na tabela de confronto, é indicada na carta “V” de “Quem desdenha...” uma nota de rodapé – eliminada em “Ponto de vista”, apesar de o conteúdo da carta “V” nos dois contos ser o mesmo –, em que o narrador informa: “(1) Suprime-se o resto da carta que trata só de modas” (p. 58). Assim sendo, é possível perceber nesse narrador editor uma atitude de exame e seleção do material que tinha em mãos, de modo que não se pode descartar a hipótese de que ele também tenha deixado de publicar outras cartas, ou parte delas, ou, enfim, efetuado qualquer outro tipo de alteração nesse material, sem mencionar tal atitude no “Prefácio”. Por tudo isso, pode-se dizer que, embora esse narrador não interfira diretamente na narração da história, o faz de forma indireta, por ser aquele quem organiza – e, talvez, até selecione – o material que compõe a narrativa. Dessa forma, é possível entrever no comportamento desse narrador a dissimulação.

Diante dessas considerações, conclui-se que a classificação mais adequada para esse narrador, a despeito de ele se autodenominar “transcritor”, seria a de “organizador” das cartas que compõem o conto, classificação que, mais do que sugerir a atitude de simples publicação, não descarta a interferência desse narrador no conteúdo do material publicado.

Um exemplo – para citar apenas um – dessa possibilidade de seleção de cartas por parte do narrador pode ser observado logo no início do conto. Raquel, personagem protagonista, é a autora da primeira carta, a qual envia à amiga Luiza. A moça pede à amiga

resposta pronta, e, na segunda carta, que também é escrita por Raquel, fica subentendido que Luiza respondeu à carta anterior; no entanto, essa resposta de Luiza não vem publicada. O início da segunda carta, em que fica subentendida a resposta de Luiza à primeira carta de Raquel, é o seguinte: “Gastou muitos dias, mas veio uma carta longa e apesar disso curta” (p. 55). Esse fato, de se subentender cartas que foram escritas, porém, não publicadas, acontece em vários outros momentos da narrativa, de forma a denotar a possibilidade da interferência do narrador na publicação das cartas.

Para que se chegue às premissas expostas, faz-se necessária a presença de um leitor perspicaz, que, ao contrário de ler o “Prefácio” como uma simples “nota inicial”, depreende dele elementos que culminam em importantes questionamentos a respeito da origem do conto apresentado, não no tocante ao enredo, mas ao exercício do conto enquanto forma. De tal modo, o interessante problema do leitor e da leitura são, no “Prefácio” de “Quem desdenha...”, ficcionalizados, e, além disso, o leitor implícito do texto machadiano, de quem se exige perspicácia e participação, marca, uma vez mais, sua presença.

3.1.2. As personagens

Conforme se esclareceu, o narrador do “Prefácio” de “Quem desdenha...” não possui a função de narrador da história, de forma que as personagens e fatos se dão a conhecer através do endereçamento e conteúdo das cartas. As principais personagens do conto, que escrevem e recebem cartas, são Raquel, Luiza e, em pequena parte, Alberto, de forma que é possível entrever na atuação desses três o acúmulo dos papéis de personagem, leitor e narrador. Assim sendo, tem-se no conto um narrador editor que se situa no nível extradiegético, e não apenas uma, mas três personagens no nível intradiegético, às quais cabe o papel da narração da história, além dos outros apontados.

Raquel é a personagem protagonista e também quem mais “conta a história”, uma vez que das vinte e nove cartas publicadas, dezenove são escritas por ela. Por isso, pode-se dizer que a protagonista também desempenha a função de narradora principal do conto. Essa “narradora”, assim como o narrador do “Prefácio”, também requer um leitor perspicaz que consiga perceber, através das palavras e ações impressas às cartas, a revelação de determinados aspectos de sua personalidade e caracterização como personagem protagonista.

A primeira carta do conto, que é enviada por Raquel a Luiza, já é reveladora de traços da personalidade da protagonista. Essa carta começa da seguinte maneira: “não me dirá a quem entregou você as encomendas que lhe pedi? Na sua carta vem mal escrito o nome do portador; e até hoje nem sombra dele, quem quer que seja” (p. 54). Como se pode notar, ao invés de haver inicialmente, como é comum a cartas, saudações e demonstração de interesse por notícias sobre o destinatário, Raquel principia com uma cobrança. No decorrer da carta, a moça fala algo sobre seus pais, faz uma série de questionamentos a Luiza, e também mais uma cobrança: “[...] além de ir ver a minha melhor amiga, iria ao mesmo tempo verificar se é verdade que ainda não tem esperanças de um nenê. Alguém me disse que sim. Por que nega você isso?” (p. 54). Assim sendo, por meio de suas próprias palavras, é possível deduzir que Raquel é uma moça geniosa, autoritária e mimada, que coloca seus interesses em primeiro plano e que não admite que nada dela se esconda.

Na segunda carta, que é uma das mais longas do conto e apresenta um conteúdo bastante revelador, Raquel, além de fazer à amiga algumas cobranças mais, mostra ter ciúmes do marido de Luiza: “[...] detesto os seus bilhetinhos, escritos às carreiras, com o pensamento... em quem? Nesse marido cruel que só cuida de eleições segundo li outro dia” (p. 55). Dessa forma, a moça se revela impulsiva e autoritária; porém, ao mesmo tempo, demonstra também ser uma boa moça, pois reconhece seus exageros, e, em seguida, se desculpa: “Creio que disse uma tolice; desculpa-me” (p. 55). Com isso, Raquel deixa transparecer, ainda, que não pretende esconder de ninguém o fato de ser mimada e controladora, uma vez que poderia ter passado a carta a limpo, suprimindo a parte pela qual se desculpa.

Ainda na segunda carta, há uma outra passagem que revela alguns traços mais de Raquel, e também de Luiza: “E que quer você que eu lhe mande? Tenho aqui uns figurinos recebidos ontem, mas não tenho portador. Se puder arranjar algum por estes dias irá também um romance que me trouxeram esta semana” (p. 55). As amigas, além de apreciadoras de modas, eram também leitoras de romances. Seriam, portanto, personagens com as quais se identificariam muitas das leitoras do Jornal das Famílias e de outros periódicos da época, que dedicavam especial atenção ao público feminino, e cujos conteúdos principais eram narrativas e modas.

Uma outra característica de Raquel é a de que a moça está sempre bem informada. Um exemplo disso, dentre vários existentes no conto, pode ser encontrado ainda na segunda

carta, no seguinte trecho, que, além da característica mencionada, permite algumas outras considerações:

A Mariquinhas Rocha vai casar. Que pena! tão bonitinha, tão boa, tão terna, vai casar com um sujeito velho! E não é só isto: casa-se por amor. Eu duvidei de semelhante coisa; [...].

A falar verdade, ele não está a cair de maduro; é velho, mas elegante, gamenho, robusto; alegre, diz muitas pilhérias, e parece que tem bom coração. Não era eu que caía apesar de tudo isto. Que consórcio pode haver entre uma rosa e uma carapuça? (p. 55).

Como a maioria das pessoas bem informadas, Raquel não só conhece os fatos, mas tem uma opinião crítica sobre eles: a moça critica o futuro marido de Mariquinhas e também põe em dúvida o fato de o casamento entre a colega e o “sujeito velho” acontecer por amor. No segundo parágrafo do trecho transcrito, Raquel reconhece as qualidades do noivo de Mariquinhas, mas, em seguida, subestima a escolha da colega, esboçando uma nova crítica ao futuro marido daquela, comparando-o a uma carapuça. É interessante notar que tal comportamento, por parte da protagonista, permite reconhecer nela um perfil que a distancia um pouco da concepção de garota romântica, que crê incondicionalmente no amor.

Tendo em vista a opinião crítica de Raquel em relação ao marido de Luiza e também ao futuro marido de Mariquinhas, pode-se vislumbrar outra peculiaridade da protagonista: a inveja. Luiza era casada, Mariquinhas ia se casar, e Raquel, apesar de ter a mesma idade das amigas, nem namorado tinha, conforme se pode constatar na continuação da segunda carta. Tal aspecto, na época, era considerado incomum, já que as moças se casavam bastante novas, e negativo, uma vez que o casamento era avaliado como a mais alta meta social da mulher. Assim sendo, pode-se pensar que Raquel tinha tempo suficiente para tomar conhecimento de fatos e criticá-los porque, por ser uma moça solteira, era ociosa, já que não tinha as ocupações de uma moça casada. Em relação à inveja, esta pode ser observada, por exemplo, na parte do trecho supracitado em que a protagonista se refere ao marido de Luiza, a quem antes criticara, como sendo uma escolha exemplar: “Eu, se tivesse de seguir algum exemplo, seguia o da minha Luiza; essa sim, é que teve dedo para escolher consorte... Não mostre esta carta a teu marido; é capaz de arrebentar de vaidade” (p. 55-6). De tal modo, são traços característicos de Raquel a indiscrição, o espírito crítico e a inveja.

Diante de tais aspectos, pode-se concluir que a inveja de Raquel faz com que ela desdenhe da escolha das colegas, mesmo que reconheça as qualidades dos maridos

escolhidos. Tal aspecto já é um indício de que o título do conto se aplica a Raquel, que, primeiro critica, de forma desdenhosa, mas depois reconhece as boas qualidades.

É também nessa segunda carta, na continuação do fragmento citado anteriormente, que Raquel fala, pela primeira vez, de Alberto, o filho do noivo de Mariquinhas:

Antes, mil vezes antes, casasse ela com o filho do noivo; esse sim, é um rapaz digno de merecer uma moça como ela. Dizem que é um bandoleiro dos quatro costados; mas você sabe que eu não creio em bandoleiros. Quando uma pessoa quer, vence o coração mais versátil deste mundo (p. 55).

Como se vê, a última frase de Raquel revela uma concepção marcadamente romântica. Além disso, quando começa a falar do rapaz, a moça destaca seus aspectos positivos. No entanto, logo em seguida, passa a criticá-lo, assim como fez em relação aos maridos das amigas. Dessa maneira, pode-se concluir que, além do romantismo, esse tipo de conduta, de criticar e, ao mesmo tempo, também reconhecer o lado positivo das pessoas, é comum a Raquel.

Na terceira carta, a qual classifica como “bilhetinho”, a protagonista torna a aludir a Alberto:

Escrevi-lhe anteontem uma carta, e acrescento hoje um bilhetinho (sem exemplo) para dizer que o velho noivo da Mariquinhas inspirou paixão a outra moça, que adoeceu de desespero. [...] Compreende isto? Se fosse o filho, vá; mas o pai! (p. 56).

Além de esse “bilhetinho” acrescentado ao conteúdo da carta tratar de um assunto que pode ser considerado uma fofoca, é mais um indício de que, de certa forma, a atenção de Raquel está voltada para Alberto. A partir de então, em quase todas as cartas a moça refere-se ao mencionado rapaz, ainda que, na maioria das vezes, seja para criticá-lo.

Luiza, a destinatária das cartas publicadas até então, passa a desconfiar que Raquel está apaixonada por Alberto, e pergunta isso a ela, numa carta que não é divulgada – não se sabe se porque o narrador não teve acesso a ela, ou se porque a omitiu –, mas que se sabe ter sido enviada, pelo tom da resposta de Raquel, na carta de número IV. No entanto, Raquel, como em todas as vezes que Luiza tentar sugerir algo em relação à amiga e Alberto, nega categoricamente ter qualquer interesse pelo rapaz, como se pode constatar por meio do seguinte fragmento da mencionada carta IV:

Muito velhaca é você!

Então por que lhe falei duas ou três vezes no tal rapaz, imagina logo que estou apaixonada por ele? Papai nestes casos costuma dizer que é falta de lógica. Eu digo que é falta de amizade.

E provo.

Pois se eu tivesse algum namoro, afeição ou coisa assim, a quem diria em primeiro lugar senão a você? Não fomos durante tanto tempo confidentes uma da outra? Supor-me tão reservada é não me ter amizade nenhuma [...].

Não, Luiza, eu nada sinto por esse moço, a quem conheço de poucos dias. Falei nele muitas vezes por comparação com o pai; se eu estivesse disposta a casar-me, certamente que antes o queria que ao velho. Mas é só isto e nada mais (p. 56-7).

Como se pode constatar, para defender-se da desconfiança da amiga, Raquel se expressa num tom de ralho carinhoso, que pessoas amigas às vezes adotam confiadas na compreensão mútua. Também no sentido de atestar sua falta de interesse em Alberto, Raquel, sempre que fala no rapaz, coloca em destaque aquilo que considera más qualidades dele, acreditando dessa forma não deixar à amiga dúvidas quanto à sua indiferença. Tem-se um exemplo disso no seguinte fragmento da carta IV, no qual Raquel revela à amiga o nome do tal rapaz: “nem imagine que o Dr. Alberto (é o nome dele) vale muito; é bonito e elegante, mas tem ar pretensioso e parece-me espírito curto” (p. 57).

Dessa forma, fica claro mais uma vez que, sempre que fala em Alberto, Raquel, mesmo reconhecendo boas qualidades no rapaz, demonstra desdém em relação a ele. Tal comportamento por parte da moça, aliado ao título do conto, permite ao leitor perspicaz a dedução de que Raquel, confirmando as suspeitas da amiga Luiza, está apaixonada por Alberto.

Na seqüência do último trecho citado, Raquel faz uma afirmação reveladora: “Você sabe como eu sou exigente nesses assuntos. Se eu não achar marido como imagino, fico solteira toda a minha vida. Antes isso, que ficar presa a um cepo, ainda que esbelto” (p. 57). Tal afirmação assinala uma importante característica de Raquel: a insegurança. No entanto, por meio de suas palavras, a protagonista quer fazer parecer exatamente o contrário. Através de todo esse negaceio, Raquel passa a imagem – que, ao final do conto, se constatará ser falsa – de uma moça mais prática do que emotiva, de forma a conferir para si um perfil anti-romântico. Ainda na carta IV, Raquel também revela ser rica, fato que ajuda a explicar a conduta da moça, quando se mostra autoritária e mimada.

Conforme se pode verificar até o momento, Raquel é uma personagem cujo comportamento é determinado pela dissimulação. A partir da carta IV essa característica da

protagonista vai ficando cada vez mais intensa, e, aos olhos do leitor perspicaz, mais evidente. Na longa carta de número VI – enviada por Raquel a Luiza –, por exemplo, há uma série de afirmações de Raquel, na intenção de dissuadir Luiza da desconfiança sobre a paixão da amiga em relação a Alberto. Com isso, o moço, ainda que seja desdenhado, passa a ser o principal assunto da carta:

Que história é essa, e quem lhe meteu na cabeça semelhante coisa? Eu, namorada do Alberto! Isso é caçoada de mau gosto, Luiza! [...] Se você o conhecesse, não era necessário este meu protesto. Já lhe disse as qualidades dele, mas os seus defeitos são para mim superiores às qualidades. Você bem sabe como eu sou; a menor mancha destrói no meu espírito a beleza de uma estátua (p. 58).

No decorrer da carta, Raquel se expressa cada vez com maior ênfase no sentido de comprovar à amiga sua falta de interesse por Alberto, e, ao mesmo tempo, afirma seu romantismo:

Ah! Luiza, o homem que o céu me destina ainda não veio. Sei que não veio porque ainda não senti dentro de mim aquele estremecimento simpático que indica a harmonia de duas almas. Quando ele vier, fique certa de que serás a primeira a quem eu confiarei (p. 58).

Raquel sempre se explica por seus exageros, de forma a denotar o fato de que sua dissimulação não é feita por mal, mas, conforme se pode inferir, devido à sua insegurança e orgulho. Na seguinte passagem da carta VI, a moça expõe um argumento que, pode-se dizer, justifica sua dissimulação – justificativa que, se não é percebida por Luiza, o é pelo menos aos olhos do leitor perspicaz:

A nossa divergência tem natural explicação. Eu sou uma rapariga solteira, cheia de caraminholas, sonhos, ambições e poesia; você é já uma dona de casa, esposa tranqüila e feliz, mãe de família dentro de pouco tempo; vês a coisa por outro prisma (p. 59).

Através dessa passagem é possível vislumbrar a insegurança de Raquel devido ao fato de ser solteira, insegurança que a protagonista, por ser orgulhosa, prefere dissimular a admitir à Luiza.

Na carta VII Raquel revela, além do ápice de sua demonstração de desdém em relação a Alberto, sua opinião sobre o casamento:

E todavia, quer saber uma coisa? Mudei de opinião a certo respeito. Hoje penso que antes o pai que o filho. Que espírito frívolo! que sujeito superficial e parvoalho é o tal Alberto! [...]

Mil vezes o velho... para ela.

Pergunta-me o que farei eu no caso de nunca encontrar o ideal que procuro?

Já lhe disse: nesse caso fico solteira.

O casamento é uma grande coisa, é a flor dos estados, concordo; mas é mister que não seja um cativeiro, e cativeiro é tudo o que não exprime as nossas aspirações íntimas.

Agradeço os seus conselhos, mas quer que lhe diga? Você fala como quem é feliz; parece-lhe que o casamento, quaisquer que sejam as condições é um antegosto do paraíso.

Creio que nem sempre há de ser assim (p. 59-60).

Diante dessas palavras de Raquel, percebe-se que a moça expressa uma imagem bastante racional a respeito do casamento, de forma a diferir da concepção da mulher romântica sobre o assunto. Porém, ao referir-se ao “ideal” que procura, a protagonista acaba revelando, como em outras vezes, seu romantismo. De tal modo, ao se pensar, de forma conjunta, sobre o comportamento da protagonista, é possível vislumbrar em suas concepções uma ponta de insegurança, que, como se afirmou, é uma de suas características definidoras. Assim sendo, a dissimulação pode ser encarada como uma espécie de autodefesa de Raquel em relação à sua própria insegurança. Esse aspecto poderá ser melhor evidenciado mais adiante no conto, quando da revelação de alguns outros fatos.

Na carta VIII Raquel relata a Luiza alguns fatos sobre o casamento de

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