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1.4. Em poucas palavras

2.1.2. As personagens

No terceiro parágrafo do conto, o narrador apresenta o protagonista e revela, de forma sucinta, algumas características dessa personagem: “absorto nestas e noutras reflexões estava o meu amigo Tito, poeta aos vinte anos, sem dinheiro e sem bigode, sentado à mesa carunchosa do trabalho, onde ardia silenciosamente uma vela” (p. 27). Na seqüência do conto,

o narrador anuncia, numa única linha: “devo proceder ao retrato físico e moral do meu amigo Tito” (p. 27). A partir de então, a imagem do protagonista passa a ser explorada de maneira a revelar sua duplicidade. Essa questão da duplicidade, como já se mencionou na introdução, pode ser observada nos três pares de contos selecionados, conforme se procurará destacar no decorrer das análises, e revela o recurso da paródia, empregado pelo escritor.

O narrador começa a traçar o perfil do protagonista Tito pela parte física, enumerando apenas aspectos positivos:

Tito não é nem alto, nem baixo, o que equivale a dizer que é de estatura mediana, a qual estatura é aquela que se pode chamar francamente elegante, na minha opinião. Possuindo um semblante angélico, uns olhos meigos e profundos, o nariz descendente legítimo e direto do de Alcibíades, a boca graciosa, a fronte larga [...], Tito pode servir de modelo à pintura e de objeto amado aos corações de quinze e mesmo de vinte anos (p. 27).

No entanto, ao continuar o retrato físico de Tito, o narrador completa:

Como as medalhas, e como todas as coisas deste mundo de compensações, Tito tem um reverso. [...] Podendo ser, do colo para cima, modelo à pintura, Tito é uma lastimosa pessoa no que toca ao resto. Pés prodigiosamente tortos, pernas zambras, tais são os contras que a pessoa do meu amigo oferece a quem se extasia diante dos magníficos prós da cara e da cabeça. Parece que a natureza se dividira para dar a Tito o que tinha de melhor e o que tinha de pior, e pô-lo na miserável e desconsoladora condição do pavão que se enfeita e contempla radioso; mas cujo orgulho se abate e desfalece quando olha para as pernas e para os pés (p. 27).

Assim, na descrição realizada pelo narrador fica bastante evidente a duplicidade da imagem física de Tito: primeiramente são listadas características positivas e, em seguida, o narrador realça aspectos negativos, que, por sua vez, acabam se sobrepondo aos positivos, já que, no final do trecho citado, é possível vislumbrar um tom de ridicularização na descrição do poeta, por meio da comparação que se faz entre ele e um pavão.

De forma semelhante, ou seja, expondo primeiramente os aspectos positivos, e, em seguida, os negativos, é feito o retrato moral, o qual o narrador introduz com uma referência clara à duplicidade inerente ao protagonista:

No moral Tito apresenta o mesmo aspecto duplo do físico. Não tem vícios, mas tem fraquezas de caráter que quebram, um tanto ou quanto, as virtudes

que o enobrecem. É bom e tem a virtude evangélica da caridade; sabe, como o divino Mestre, partir o pão da subsistência e dar de comer ao faminto [...]. Não consta, além disso, que jamais fizesse mal ao mais impertinente bicho, ou ao mais insolente homem [...]. Só há que censurar em Tito as fraquezas de caráter, e deve-se crer que elas são filhas mesmo das suas virtudes. Tito vendia outrora as produções da sua musa, não por meio de uma permuta legítima de livro e moeda, mas por um meio desonroso [...]. As vendas que fazia eram absolutas, isto é, trocando por dinheiro os seus versos, o poeta perdia o direito de paternidade sobre essas produções (p. 27-8).

Ao se considerar a feição ambígua revelada, é possível inferir que o autor empírico – nomenclatura utilizada por Umberto Eco em Seis passeios pelos bosques da ficção (1994, p. 17) –, por meio dessa duplicidade impressa ao poeta Tito, pratica uma espécie de distorção das convenções narrativas românticas. Isso ocorre porque se evidencia, além das características positivas, principalmente o que o protagonista tem de negativo, de forma a descortinar a ambigüidade inerente não só ao protagonista do conto, mas ao ser humano em geral, ao contrário do que se costumava praticar nas narrativas de caráter puramente romântico. Além disso, fica clara também a parodização do poeta romântico realizada no conto através da figura de Tito.

Um outro aspecto a ser observado com relação a Tito é o fato de ele vender suas produções, conforme se esclarece no final do último fragmento transcrito. Apesar de resistir inicialmente à proposta feita pelo homem que queria comprar seus versos, o poeta, por ser pobre e possuir a “virtude de ser pagador em dia” (p. 28, grifo do autor), acaba aceitando “mercar com os dons de Deus” (p. 28). Tal fato faz com que Tito possa ser visto como uma espécie de metáfora do escritor de meados do século XIX – inclusive de Machado de Assis –, não pela venda da autoria das obras, mas porque aqueles que queriam ser reconhecidos como escritores precisavam colaborar em vários periódicos, concomitantemente, e produzir de forma rápida e abundante, muitas vezes não só para adquirir seu sustento, mas também para tornar-se popular entre os leitores, e, assim, ser reconhecido como escritor.

Além disso, é possível conjeturar, a respeito dessa mesma passagem, uma crítica no que se refere à negociação da arte, que, tal como aparece no conto, é rebaixada à posição de simples mercadoria. Assim, quando Tito, a princípio, se nega a vender seus versos, é como se estivesse reivindicando respeito em relação não somente à sua produção particular, mas à arte, de um modo geral.

É interessante notar também que o fato de Tito ser poeta já denota certa ligação entre o protagonista e a literatura romântica. Em um dos diálogos do conto, o protagonista se

confessa um poeta sem inspiração: “coitado de mim [...], que tenho a poesia fria, e apagada a inspiração!” (p. 31). Acrescentando-se tal informação ao que foi observado até agora, e levando-se em conta o projeto literário do autor empírico, é possível vislumbrar no personagem Tito a representação de um Romantismo que, apesar de possuir um lado belo e aceitável, já está em decadência.

Além de Tito, poucos personagens fazem parte do conto, dentre os quais interessam, por possibilitarem algumas reflexões mais, a amada do poeta, o freguês de seus versos e a sílfide. Tanto a amada quanto o freguês dos versos aparecem somente no início do conto, de forma que, desses três personagens, a sílfide é a que recebe maior destaque.

O freguês dos versos de Tito aparece logo no início do conto, apresentado da seguinte maneira: “só tinha um freguês; era um sujeito rico, maníaco pela fama de poeta, e que sabendo da facilidade com que Tito rimava apresentou-se um dia no modesto albergue do poeta e entabulou a negociação [...]” (p. 28). A proposta é feita pelo homem ao poeta, nos seguintes termos:

Proponho-lhe o seguinte. Compro-lhe por bom preço todos os seus versos, não os feitos, mas os que fizer de hoje em diante, com a condição de que os hei de dar à estampa como obra da minha lavra. Não ponho outras condições ao negócio: advirto-lhe, porém, que prefiro as odes e as poesias de sentimento. Quer? (p. 28)

A advertência feita a Tito, ao final do trecho transcrito, revela mais uma característica do freguês: era um apreciador das obras de cunho romântico. A resposta de Tito à proposta, que, a princípio, fora negativa, acaba sendo aceita mais adiante, devido à carência financeira do poeta:

[...] os dias passaram-se e as necessidades urgentes apresentaram-se à porta com o olhar suplicante e as mãos ameaçadoras. Ele não tinha recursos; depois de uma noite atribulada lembrou-se do sujeito, e tratou de procurá-lo; disse-lhe quem era, e que estava disposto a aceitar o negócio; o sujeito, rindo-se com um riso diabólico, fez o primeiro adiantamento, sob a condição de que o poeta lhe levaria no dia seguinte uma ode aos Polacos (p. 28-9).

A atitude do freguês diante da sujeição de Tito deixa transparecer outra característica daquele personagem: a “sede de glória”. Em sua dissertação de mestrado,

intitulada “O papel do leitor no conto fantástico de Machado de Assis” (1998), Valdira Meira Cardoso de Souza destaca a “sede de glória”, revelada no freguês dos versos de Tito, como um dos embriões da obra de Machado de Assis. Esse embrião se manifestaria anos mais tarde, no personagem Brás Cubas, que buscou durante toda sua vida a “nomeada”, através de seu invento: o Emplastro Brás Cubas (Cf. Souza, 1998, p. 14), o que aponta para o fato de que em suas obras iniciais Machado usava temas aos quais voltaria mais tarde, aperfeiçoando-os.

Um outro detalhe a se notar a respeito do final do fragmento transcrito é sobre a ode aos Polacos, encomendada a Tito pelo freguês. Machado de Assis publicou n’O Futuro, em 15 de março de 1863, um poema intitulado “O despertar da Polônia”, e, como as datas de publicação do conto e do poema são próximas, além do veículo de publicação ser o mesmo, acredita-se que não seja impossível que o conto faça referência ao poema, ao menos no que toca ao tema. No entanto, não é possível estabelecer comparações entre os textos uma vez que a ode no poema é apenas referida. Pode-se pensar que Machado tenha aproveitado um ensejo do conto e feito menção ao poema, numa espécie de brincadeira com o leitor d’ O Futuro, e, de certa forma, tenha estabelecido um diálogo intertextual entre suas produções.

Na seqüência do trecho mencionado, o narrador informa: “Tito passou a noite a arregimentar palavras sem idéias, tal era seu estado, e no dia seguinte levou a obra ao freguês, que achou boa e dignou-se apertar-lhe a mão” (p. 29). Diante de tal afirmação, e do fato de o freguês, como se comentou há pouco, apreciar obras de caráter romântico, pode-se deduzir a presença neste trecho de uma crítica ao Romantismo, uma vez que, mesmo tendo “arregimentado palavras sem idéias”, Tito conseguiu agradar seu freguês, que era afeito a produções românticas.

Após a referência feita no fragmento transcrito anteriormente, o freguês dos versos é mencionado apenas mais uma vez no conto, quando o poeta, em meio a seus pensamentos, escuta baterem à porta de sua casa:

Estava o poeta nestas averiguações, quando ouviu que batiam à porta três pancadinhas. Quem seria? [...] Lembrou-se que tinha umas encomendas do homem das odes e foi abrir a porta disposto a ouvir resignado a muito plausível sarabanda que ele lhe vinha naturalmente pregar (p. 30).

No entanto, como se pode averiguar na seqüência do conto, quem bate à porta é a sílfide, e não o freguês, que, após esta menção, não aparece mais no conto.

Logo após o freguês, e antes da sílfide, é apresentada no conto a amada de Tito, que, apesar de aparecer somente no início do conto – assim como o freguês dos versos –, de certa forma marca sua importância para a história, uma vez que é quem ocasiona as reflexões que culminarão na viagem do poeta ao país das quimeras. É interessante ressaltar que no parágrafo que antecede a apresentação da amada de Tito, observa-se uma ambientação que remete ao fantástico, como se fosse uma espécie de preparação para sua instauração:

À hora em que Tito se engolfava em reflexões e fantasias era noite alta. A chuva caía com violência, e os relâmpagos que de instante a instante rompiam o céu deixavam ver o horizonte pejado de nuvens negras e túmidas. Tito nada via, porque estava com a cabeça encostada nos braços, e estes sobre a mesa; e é provável que nada ouvisse porque se entretinha em refletir nos perigos que oferecem os diferentes modos de viajar (p. 29).

Logo após o parágrafo citado, a amada é apresentada, em tom de clichê romântico, como o motivo dos pensamentos do poeta:

Mas qual o motivo destes pensamentos em que se engolfava o poeta? [...] Tito, como todos os homens de vinte anos, poetas e não poetas, sentia-se afetado da doença do amor. Uns olhos pretos, um porte senhoril, uma visão, uma criatura celestial, qualquer coisa por este teor, havia influído por tal modo no coração de Tito, que o pusera, pode-se dizer, à beira da sepultura (p. 29).

Como se pode notar, o narrador descreve a amada de acordo com a imagem que ela tem diante dos olhos de Tito, o que pode ser constatado pela utilização constante de artigos indefinidos. De tal modo, fica clara a postura irônica do narrador em relação à previsibilidade dos sentimentos do poeta. Na seqüência do conto, o narrador continua discorrendo sobre o amor do poeta, que é tratado, também ironicamente, não como um sentimento positivo, mas como uma doença:

O amor em Tito começou por uma febre; esteve três dias de cama, e foi curado (da febre e não do amor) por uma velha da vizinhança, que conhecia o segredo das plantas virtuosas, e que pôs o meu poeta de pé [...]. Passado o período agudo da doença ficou-lhe este resto de amor [...], que nada perde da sua intensidade (p. 29).

A paixão doentia levou Tito a cometer desatinos: “Tito estava ardentemente apaixonado, e desde então começou a defraudar o freguês das odes, subtraindo-lhe algumas

estrofes inflamadas, que dedicava ao objeto dos seus íntimos pensamentos [...]” (p. 29). No entanto, Tito não era correspondido:

Depois de haver gasto em vão o latim das musas; aventurou uma declaração oral à dama dos seus pensamentos. Esta ouviu-o com dureza d’alma, e quando ele acabou de falar disse-lhe que era melhor voltar à vida real, e deixar musas e amores, para cuidar do alinho da própria pessoa (p. 29-30).

Conforme se pode notar, o perfil da amada, por sua atitude de “dureza d’alma” diante da declaração de amor do poeta, destoa das mocinhas românticas, uma vez que não apenas não corresponde o amor de Tito, como também o aconselha a “voltar à vida real” e a “cuidar do alinho da própria pessoa”. Dessa maneira, mais uma vez se pode vislumbrar no conto uma distorção do Romantismo, no que toca ao comportamento da personagem, que demonstra ter “os pés no chão”. Na seqüência do trecho citado, o narrador retoma a caracterização da amada, atribuindo a ela mais traços românticos, que, assim como os listados há pouco, se contrapõem à atitude anti-romântica tomada por ela:

Não presuma o leitor que a dama de quem lhe falo tinha a vida tão desenvolta como a língua. Era, pelo contrário, um modelo da mais seráfica pureza e do mais perfeito recato de costumes: recebera a educação austera de seu pai, antigo capitão de milícias [...] (p. 29-30).

Conforme de mencionou antes, o fato de não ser correspondido pela amada leva Tito ao desespero, e, por conseguinte, à idéia da viagem:

Desenganado de uma vez nas suas pretensões, Tito não teve força de ânimo para varrer da memória a filha do militar; e a resposta crua e desapiedada da moça estava-lhe no coração como um punhal frio e penetrante. [...]

Quando, depois de voltar a si, Tito conseguiu encadear duas idéias e tirar delas uma conseqüência, dois projetos se lhe apresentaram [...]; um concluía pela tragédia, outro pela asneira [...]. O primeiro desses projetos era simplesmente deixar este mundo; o outro, limitava-se a uma viagem, que o poeta faria por mar ou por terra, a fim de deixar por algum tempo a capital. Já o poeta abandonava o primeiro por achá-lo sanguinolento e definitivo; o segundo parecia-lhe melhor, mais consentâneo com a sua dignidade e sobretudo com os seus instintos de conservação (p. 30).

A segunda parte do excerto transcrito é reveladora não só do projeto de viagem do poeta, mas também da crítica ao Romantismo, que permeia o conto. Ao anunciar os projetos de Tito, o narrador define o primeiro pela palavra “tragédia”, e o segundo, por “asneira”. Em

seguida, passa a especificar melhor o que seria cada um desses projetos: o primeiro, que é a “tragédia”, seria uma decisão típica de um personagem romântico, que é o de “simplesmente deixar este mundo”, por não ter seu amor correspondido; o segundo, ou seja, o da “asneira”, seria o da viagem, “a fim de deixar por algum tempo a capital”. O fato de não optar pelo primeiro projeto, que culminaria numa heróica morte por amor, denota mais um traço anti- romântico do protagonista Tito, que, apesar de amar muito, se acovarda diante de uma decisão categórica. Conseqüentemente, ao se decidir pela viagem Tito opta, por assim dizer, pelo “caminho mais fácil”, sugerindo certo tom de covardia, incompatível com um herói romântico.

Tendo em vista as considerações realizadas, reafirma-se o fato de que, apesar de aparecer somente no início do conto, a amada é uma personagem que possui certa relevância em relação à continuação da história, pois é justamente por uma atitude dela que Tito tem a idéia da “viagem” ao país das quimeras. Isso permite concluir que a atitude romântica de pensar insistentemente no amor não correspondido resulta na “asneira”, ou seja, na “viagem”, no devaneio, na quimera.

Se o sofrimento de Tito pela amada é o fator que desencadeia a idéia da viagem, a sílfide é quem o conduz a essa viagem. É justamente a aparição e presença dessa personagem que marca, de fato, a instauração da atmosfera fantástica no conto:

[...] mal o poeta abriu a porta, eis que uma sílfide, uma criatura celestial, vaporosa, fantástica, trajando vestes alvas, nem bem de pano, nem bem de névoas, uma coisa entre as duas espécies, pés alígeros, rosto sereno e insinuante, olhos negros e cintilantes, cachos louros do mais leve e delicado cabelo, a caírem-lhe graciosos pelas espáduas nuas, divinas [...]; eis que uma criatura assim invade o aposento do poeta e estendendo a mão ordena-lhe que feche a porta e tome assento à mesa (p. 30).

A própria caracterização que se oferece da sílfide permite a conclusão de que não se trata de um ser comum. O adjetivo “fantástica”, como um dos adjetivos atribuídos a ela, já estabelece certa ligação entre essa personagem e a atmosfera que dominará o conto a partir de sua aparição. Na já mencionada Introdução à literatura fantástica (1975, p. 30), Todorov faz menção direta à figura da sílfide:

Somos assim transportados ao âmago do fantástico. Num mundo que é exatamente o nosso, aquele que conhecemos, sem diabos, sílfides nem vampiros, produz-se um acontecimento que não pode ser explicado pelas leis deste mesmo mundo familiar.

Por meio de tais considerações de Todorov assinala-se a relação entre essa figura e o universo fantástico. Também concordando com os preceitos do teórico, no que toca à hesitação do personagem como uma ocorrência comum ao fantástico, percebe-se no conto em pauta a perplexidade do protagonista quando da aparição da sílfide: “Tito estava assombrado. Maquinalmente voltou ao seu lugar sem tirar os olhos da visão” (p. 31).

Após o surgimento da sílfide, ela e o poeta empreendem um longo diálogo, ao final do qual é mencionada a viagem em que o poeta pensava antes da aparição da personagem fantástica. A parte referida do diálogo é a seguinte:

— [...] Cismavas em deixar esta terra? — É verdade.

— Bem; venho a propósito. Queres ir comigo? — Para onde?

— Que importa? Queres vir?

— Quero. Assim me distrairei. Partiremos amanhã. É por mar, ou por terra? — Nem amanhã, nem por mar, nem por terra; mas hoje, e pelo ar.

Tito levantou-se e recuou. A visão levantou-se também. — Tens medo? perguntou ela.

— Medo, não, mas...

— Vamos. Faremos uma deliciosa viagem. — Vamos (p. 31-2).

Em termos de efeito, o uso do diálogo é um tanto significativo, pois, através desse tipo de recurso, praticamente sai de cena o narrador – que se presta, nesta parte, somente à mediação das falas –, e passam a ter voz própria as personagens, que demonstram aquilo que são através da expressão própria, sem que alguém as esteja expondo. Além disso, no caso do conto em questão, o diálogo entre a sílfide e o poeta pode ser visto como um artifício de verossimilhança, fator que, em se tratando de uma história fantástica, fornece elementos que suscitam a hesitação tanto da personagem quanto do leitor, em relação à história ter acontecido de fato ou tratar-se apenas de um sonho.

Como se pode verificar no fragmento transcrito, quando a sílfide revela a forma como será feita a viagem, qual seja, pelo ar, Tito demonstra certa hesitação; porém, acaba aceitando a proposta da personagem fantástica. Através dessa viagem pelo ar, mais uma vez o

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