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3 VOZES DOS COLABORADORES: UM OLHAR SOBRE SI, A

3.2 APRESENTAÇÃO DE JOHANNA NOORDHOEK

3.2.1 Narrativa de Johanna Noordhoek – Belo Horizonte/MG

Nasci numa pequena cidade na área rural, com o nome de Bodegraven, localizada no coração da Holanda, isto quer dizer entre as cidades de Amsterdã, a capital, e Rotterdã, um grande porto. Sou a segunda filha, tenho duas irmãs e três irmãos. Meu pai era exportador de queijo e minha mãe dona de casa. Tenho boas lembranças da minha mocidade. No inverno, brincava na neve e patinava e, no verão, andava de bicicleta e ia à praia para nadar e velejar. Frequentei a escola básica e depois uma extensão da escola básica, onde aprendi francês, alemão e inglês; gostei de aprender essas línguas, pois são muito úteis na vida. O segundo grau cursei em Utrecht, uma antiga cidade

universitária a cerca de 30 quilômetros de distância, meia hora de trem. Depois, me mudei para Amsterdã para estudar Terapia Ocupacional e para me preparar para a minha profissão. O decorrer da minha vida profissional foi muito interessante, com várias experiências positivas e, como é natural, vivenciei situação desagradáveis, mas que, sempre com luta e persistência, fui capaz de vencer19.

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Enfrentei muitos desafios, mas sempre disposta a mudar!

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A escolha pela Terapia Ocupacional começou quando me formei no segundo grau. Eu pensei: “E agora?” Diante de muitas opções, eu fiquei com muita dúvida, fiz um teste vocacional muito interessante com a psicóloga/pedagoga e, entre as profissões que foram apontadas, uma era Terapia Ocupacional (TO). Pensei: “E agora, o que é Terapia Ocupacional? Eu não sei o que é Terapia Ocupacional...”. Tinha uma ideia vaga. Fui visitar o curso de TO em Amsterdã, falei com o diretor e ele me explicou e me mostrou a escola. Adorei, e, nesse momento, decidi que ia estudar TO.

A definição de TO é muito ampla, mais ampla do que eu pensava. Hoje em dia tem outras áreas como: social, prevenção e gerontologia. O leque está aumentando, evolui bastante de acordo com a necessidade das mudanças no mundo. Minha área é prevenção e reabilitação.

Para iniciar o curso de TO, precisei sair da minha cidade, que era uma cidade pequena, chamada Bodegraven, e me mudei para Amsterdã. Fiz o curso na escola Nederlandse Opleiding voor Arbeidstherapie, com quatro anos de duração e que era filiada à Federação Mundial de Terapia Ocupacional. Para padronizar o nome do curso em toda Europa, o nome Arbeidstherapie foi mudado para Ergotherapie. O curso estava no início e eu me formei em 1964 na terceira turma da escola.

É interessante observar que, quando estudei TO em Amsterdã, o curso não tinha no início uma professora Terapeuta Ocupacional, então o diretor contratou/ “importou” uma Terapeuta Ocupacional da Inglaterra. Até hoje eu sei o nome dela: professora Rose ou, melhor, Miss Rose. As aulas da professora Rose foram dadas em inglês. Aqui em Belo Horizonte, na Faculdade de Ciências Médicas de Minas

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Gerais (FCMMG), aconteceu a mesma coisa. Não tinha uma Terapeuta Ocupacional, então uma Terapeuta Ocupacional da Holanda foi “importada”, eu.

Logo após concluir o curso, fui trabalhar numa escola Mytylvormings Centrum, para as crianças com deficiências físicas e mentais. Adorei, foi muito bom, aprendi muito na escola. Fazíamos festas, comemorações, aulas de natação, passeios, visitas com as crianças. Lembro-me que recebemos uma comitiva da família real do Nepal acompanhada da Rainha dos Países Baixos (Holanda).

Trabalhávamos em equipe, junto com a fisioterapeuta, o médico e a fonoaudióloga. Naquela época, toda a equipe fez o curso Bobath. O setor de Terapia Ocupacional tinha muita tecnologia e equipamentos. Tinha visto uma cozinha adaptada com uma pia que subia e descia de acordo com o tamanho da criança/paciente. Eu disse: “Eu quero isso!”.

O diretor pediu aos estudantes de uma escola técnica e fizeram a pia que podia subir e descer, inclusive o tubo de água e o dreno. Trabalhei cinco anos nessa escola, atendi vários tipos de deficiência, criei várias adaptações e adquiri muita experiência. Na época, recebi um convite de uma tia que morava nos Estados Unidos. Embarquei num navio e fui pra lá sozinha para passear. Visitei várias cidades e, claro, também um hospital. Falei com o diretor do hospital e ele me perguntou se eu queria ir trabalhar com ele e respondi: “Claro!” e ele me contratou. Voltei para a Holanda com o emprego garantido. Em 1969, imigrei oficialmente da Holanda para os Estados Unidos. Fui trabalhar no Magee Memorial Hospital, o primeiro hospital de reabilitação de adultos da Filadélfia. Foi fácil, não tive problemas nem com a língua nem coma a cultura, com nada. Atendi pacientes neurológicos e ortopédicos. No setor de TO tinha mais quatro Terapeutas Ocupacionais, gostei do serviço.

Tinha um conhecido que morava no Brasil que me chamou: “Vem para o Brasil, vem conhecer o Brasil”. Respondi: “Claro!”. Nessa época, estava de férias. Cheguei aqui e o meu conhecido me mostrou vários lugares turísticos e visitei o Hospital Arapiara. Falei com o diretor, um médico fisiatra e que tinha feito um curso/estágio nos Estados Unidos. Ele me perguntou: “Quer trabalhar aqui?” Respondi: “Claro!”. Em 1971, vim para o Brasil para trabalhar no Hospital Arapiara em Belo Horizonte, Minas Gerais. Enfrentei muitos desafios, sempre disposta a mudar. Comecei a trabalhar aqui sem conhecer a língua e a cultura. Sempre disposta para saber e descobrir algo novo. Com os médicos eu falava inglês, mas

com os pacientes não foi possível. Quando a gente tem que falar a gente aprende rapidinho. Quando cheguei aqui, vi outra realidade: a falta de material para fazer as adaptações para os pacientes. Foi necessário criar, fabricar coisas novas utilizando outros materiais. Criei adaptações para a alimentação e para a escrita. De certa forma foi fácil, tinha experiência e segurança e, além disso, gostava do que estava fazendo, tinha um bom relacionamento com os colegas no hospital.

O Hospital Arapiara, hospital de reabilitação, estava ligado à Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG). Comecei a trabalhar como Terapeuta Ocupacional no hospital e depois fui dar aula na faculdade. Tinha muitos livros de TO que eu trouxe dos EUA pra cá e preparava minhas aulas em inglês, porque naquela época não existiam livros de TO em português. Preparava as aulas em inglês, depois traduzia para língua holandesa, e um amigo traduzia do holandês para o português. Tinha um caderno que numa página estava traduzido em holandês e na outra em português. Foi lecionando que, aos poucos, comecei realmente a aprender o português.

Quando cheguei à faculdade, o curso de TO existia há cerca de dois anos. Uma Terapeuta Ocupacional, uma americana, com o nome Débora Wood trabalhava há pouco tempo no hospital Arapiara e também dava algumas aulas na FCMMG. Quando eu cheguei, ela estava de saída e fiquei no lugar dela, no hospital e na FCMMG. Os primeiros três meses morava numa suíte do hospital, pois não tinha onde morar.

Na época, os médicos do hospital davam na FCMMG as disciplinas médicas e quando fui contratada pela faculdade comecei com as disciplinas de Terapia Ocupacional. Dava aula para o segundo e terceiro ano. Naquela época, o primeiro ano do curso de TO era junto com o curso de Fisioterapia. Eu era responsável pelas disciplinas Terapia Ocupacional Geral e Terapia Ocupacional Aplicada à Reabilitação Física e supervisionava estágio na área de reabilitação física para os acadêmicos do último ano de TO. Com o apoio dos estagiários, foi possível atender mais pacientes.

Às vezes, sentia falta de material específico para dar aula. Eu escrevia para a Holanda pedindo material e quando o recebia eu o traduzia para o português. Naquela época, trabalhava de manhã no hospital e, várias vezes por semana, no

Comecei a trabalhar no Hospital Arapiara em 1971 e em 1981 recebi um convite da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para dar aula como professora convidada. Em 1982, prestei concurso público para a UFMG. Passei em primeiro lugar e fui contratada como professora efetiva. Depois de ser efetivada pedi

demissão do Hospital Arapiara e, mais tarde, da FCMMG, para me dedicar completamente à UFMG, onde trabalhei até 2007.

Após a minha saída do Hospital Arapiara, em 1982, a minha ex-aluna Valéria Pitangui e outras terapeutas foram contratadas.

Em 1979, na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG, foi criado o Departamento de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Em 1982, entrei nesse departamento e comecei a lecionar TO. Mais tarde, houve uma separação desse departamento em dois: o de Fisioterapia e o de TO.

Durante o meu trabalho na UFMG, lecionei na área de ortopedia, traumatologia e reumatologia. Participei da criação do espaço físico para estágio, no ambulatório Bias Fortes, anexo do Hospital das Clínicas, em Belo Horizonte. Os estagiários atendiam os pacientes ortopédicos, neurológicos e reumatológicos. Na ocasião, tive a percepção de que os pacientes reumatológicos precisavam de orientação e proteção articular. Coordenei assim um pequeno grupo para a orientação de proteção articular e a prevenção das deformidades. O grupo foi aumentando e tive a necessidade de coordenar uma equipe com a participação de outros profissionais como psicólogo, nutricionista, terapeuta holística e musicoterapeuta. Os médicos também participavam para a orientação específica sobre medicamentos.

A formação desse grupo se transformou em um projeto de extensão com o nome de “Orientação aos indivíduos acometidos por doenças reumáticas”. Mais tarde, o nome do projeto foi mudado para “Orientação aos indivíduos acometidos por doenças crônicas”.

A experiência do trabalho desse grupo resultou na publicação da “Cartilha de orientação aos indivíduos acometidos por doenças reumáticas”, além da publicação de vários artigos na Revista Brasileira de Reumatologia. Em 2013, foi publicado o livro “Viva bem com doenças reumáticas”, com a coautoria das colegas Luciana de Freitas Bechtlufft e Janine Gomes Cassiano.

Como professora universitária, procurei lecionar com qualidade, para isso, sempre me atualizei frequentando cursos, participando de congressos e seminários

ou publicando artigos. Por exemplo: a) Curso de aperfeiçoamento de facilitação neuromuscular proprioceptiva (Kabat - 180h). 1975; b) Congresso Internacional da Federação Mundial de Terapia Ocupacional em Hamburgo - Alemanha - 1982; c) Conferência da Associação Britânica de Terapeutas da Mão, organizada pela Universidade de Warwick - Inglaterra. 1986; d) Metodologia de Ensino Superior / Instituto de Educação de Minas Gerais. Belo Horizonte. 1989; e) Curso de Terapia da Mão - Universidade de São Paulo. 1994; f) Participação no 3º Congresso Internacional da Sociedade de Terapeutas da Mão - Helsinki, Finlândia. 1995.

No período, também realizei palestras, principalmente, sobre Terapia da Mão, apresentei trabalhos em eventos, publiquei artigos, orientei trabalhos científicos, fui tesoureira da Sociedade Brasileira de Terapeutas de Mão e membro da Associação de Terapeutas da Mão.

Foi um trabalho árduo, difícil, porém, muito gratificante. É um estímulo cotidiano trabalhar com jovens.

No percurso, recebi homenagens como Diploma de gratidão pela comemoração do Jubileu de prata do curso de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (1969 -1994); da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG, recebi uma placa de homenagem pelo pioneirismo na formação acadêmica dos profissionais de TO em Minas Gerais.

No momento, trabalho com Equoterapia atendendo crianças com paralisia cerebral, atraso no desenvolvimento e outras síndromes.

Encerrei minhas atividades de docente da UFMG, mas continuo trabalhando, o que me dá muita satisfação. Trabalhar é saudável.