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3 VOZES DOS COLABORADORES: UM OLHAR SOBRE SI, A

3.2 APRESENTAÇÃO DE JOHANNA NOORDHOEK

3.2.2 Narrativa de Lisete Vaz em homenagem à Johanna

Você conseguiu entrevistar a Johanna! A Johanna é tudo, a Johanna é tudo! Ela é um baluarte da Terapia Ocupacional lá em Minas. Ela chegou da Holanda... A gente nem sabia o que era Holanda. Ela falando tudo daquela forma atrapalhada e a gente também não conseguia falar holandês. E ela muito clarinha, pele clara, olhos claros, cabelo claro. Outra coisa! Como é que alguém sai da Holanda e vem para um país tropical? O que é isso?! Uma coisa muito diferente. A Johanna não é uma

pessoa expansiva, aberta, ela não era assim e não é assim, mas é provavelmente uma grande guerreira.

Porque, com todas as barreiras, a linguística, uma barreira duríssima da gente romper e ela ficou lá. E mesmo na Terapia Ocupacional houve barreiras... Se eu não me engano o curso dela era técnico lá, mas era um técnico muito potente também. Então provavelmente ela lutou muito até conseguir reconhecer o diploma dela aqui. Não foi uma coisa de um ano, cinco anos, foram muitos anos. Muitos anos. Mas você não a via dizer assim: “Ah, estou cansada disso. Acho que eu não dou conta”. Nem na expressão facial.

E assim... Não é que ela seja bruta, você vê que o corpo dela... Nunca foi. Mesmo quando mais jovem. Não é bruta assim de chegar e acontecer, não. Fala no mesmo tom, não é um tom monocórdio, mas também não é um tom de enfrentamento, afrontamento, mesmo quando chegou e ainda era muito jovem. Você vê que depois que ela chegou entrou na UFMG, quer dizer, não é pouca luta, a gente não faz ideia, eu também não faço ideia. E ela era muito diferente de nós, naquela época a gente não queria aquele modelo de ciência que contava, pesava e media. E a Johanna sempre foi muito precisa, uma precisão... Eu nem sei se a gente conhece a precisão da Johanna. E ela dava aula pra nós, era reabilitação física. Nós já tínhamos laboratório na Faculdade de Ciências Médicas, só existia a Faculdade de Ciências Médicas naquele tempo. Logo depois veio a federal, mas eu tive aula com ela nas Ciências Médicas, e foi a minha professora na reabilitação física, ela que coordenava o serviço no Hospital Arapiara durante muitos anos. E foi muito, muito especial o Hospital Arapiara. E era muito querida pelos médicos daquele hospital de Arapiara naquele tempo. E vou te contar, pra ela ter conseguido entrar naquela UFMG, ter se mantido ali no grupo, não é qualquer coisa não, não é qualquer coisa!

Então a Johanna é isso, uma pessoa, assim, muito diferente, é diferenciada, qualificada. Eu nunca soube porque ela veio pra cá, mas ela era tão diferente. Uma vez ela nos chamou na casa dela para um almoço, e eu falei assim: “Gente, mas nós não somos íntimas dela.” Éramos onze alunas desesperadas, pós-golpe de [19]64. Nós fomos à casa dela. A casa dela para mim desmentia a aparência dela super clean, porque era uma casa com muita planta, muita flor, era uma casa com jardim. Eu me espantei tanto com aquilo, ora, eu pensei que eu não conheço a Johanna, porque a gente pensa que ela é toda retilínea, mas é toda tropical, híbrida e

misturada. Olha como é! E foi a vez que eu achei que jamais conhecia a Johanna. Eu fiquei muito feliz de ouvir você falando da Johanna. Muito feliz, muito feliz! E pode ter sido muito bom pra ela ter vindo para o Brasil, né?! Você vê a delicadeza dela em lhe servir chá de rosas brancas. E deve também ser muito aventureira... cruzar aquele mundo, o mundo, era o mundo! E é uma língua estranha até hoje, porque o inglês já é muito diferente, mas todo mundo já convive com [o] inglês. Então a Johanna, a gente corre muito o risco de ter sido preconceituosa com ela, com a história de vida e de trabalho é que marcou a Johanna, como uma Terapeuta Ocupacional brasileira. Claro, como a gente estava querendo libertar tudo, e Joana era precisa! E nós querendo liberdade, pós-golpe de [19]64, entendeu? Depois dessa ditadura miserável e a Johanna tinha caminhos precisos, então a gente muito nova, e tem a burrice da juventude. E a gente queria outras coisas, contra a reforma... outras coisas... Ou contracultura mesmo. E ela vinha com a formação dela de lá. Já estava há anos luz. A gente não tinha na verdade é chegado lá. Então você vê que esforço! Ela também formou seguramente gerações e gerações de terapeutas ocupacionais.

O que deixo para a Johanna... eu acho que é isso que eu acabo de perceber aqui junto com você, Amara. A Johanna se apresentou no Brasil como uma trabalhadora em Terapia Ocupacional e ela nos presenteou com uma precisão que nós não temos e, no entanto, no trabalho dela ela, nos brindou com isso e cabe a nós, eu fico feliz de você estar fazendo essa pesquisa, porque cabe a nós traduzirmos e incorporarmos a Johanna. A primeira vez que eu ouço falar em Johanna Noordhoek. Isso é muito triste. Isso é muito triste! Isso agora já tem até o nome de xenofobia, entendeu?! Mas porque não tem gente conversando com ela noite e dia?! Tinha que ter gente conversando com ela noite e dia. Se fosse lá no Hospital Arapiara, era noite e dia, na UFMG, noite e dia, Faculdade de Ciências Médicas, noite e dia! Tem que ir lá conversar. Como você veio aqui... Há quanto tempo você está querendo conversar com Dr. Virgílio? Você desistiu dele? Não! Então, é triste que a gente não tenha buscado a Johanna e colocado no nosso colo. E se tivermos que ir lá não faremos mais do que a nossa obrigação. Não faremos mais do que nossa obrigação.

A gente não sabe o nome de nosso pai e nossa mãe? A Johanna é uma mãe longa, entendeu? Então eu acho que assim, é como uma entrevista denúcia, quando você entrevista a professora Johanna é uma denúncia contra nós mesmos

terapeutas ocupacionais que não fomos lá levar chá de rosas brancas para ela, não fomos lá abraçá-la. Sabe, acho que é uma denúncia você falar que entrevistou a Johanna e não tenha tido outros quinhentos ou mil entrevistadores terapeutas ocupacionais. Sabe... é uma denúncia, você está chamando de entrevista mais é uma denúncia. A Johanna não é qualquer pessoa, ela veio com essa língua estranha e veio aqui dentro de um hospital, dentro de uma faculdade, dentro de uma universidade. Não estamos vendo as coisas? O que é isso? Precisamos que ela fale as coisas? Chegar junto!

E diante da grandeza do que tem, né?! Não é?! A Johanna não é problema dela, é problema nosso! Problema da TO. Entendeu? Porque depois falam assim: “você não conheceu essa professora a Johanna, não?” Não... Fica o quê? É que precisa alguém para dar a voz, Amara, sabia? Quando a gente estuda história, dando voz a quem falou de outra maneira e a Johanna falou do trabalho dela como terapeuta ocupacional.

Sabe o que eu diria se eu visse a Johanna hoje? Eu diria que eu a amo! Eu amo a Johanna. A Johanna é admirável, corajosa, brava, sabe? Uma brava guerreira e deve ter uma alma muito delicada. Deve ser alma de rosas brancas. É isso.