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4 REPRESENTAÇÕES DAS MÃES

4.2 As experiências e os espaços percorridos

4.2.2 Nas casas visitadas

As visitas às casas das mães aconteceram sem intercorrências, ligadas, por exemplo, à violência que temíamos que pudesse ocorrer, pois alguns bairros onde elas moram são considerados de risco neste sentido. O IPREDE disponibilizou um carro para nos garantir transporte e segurança.

As mulheres mostraram-se solícitas quanto às visitas. Antes, porém, de conseguirmos marcar a primeira visita, Marília mostra receio em me receber dizendo: “O que eu vou te servir quando tu for lá, de merenda, eu não tenho nada!” Então, aos poucos, percebendo suas preocupações, fomos cuidando desses detalhes e levando, por exemplo, um lanche sempre que as visitava. Em suas casas demonstravam preocupação com nossa presença, que ficássemos confortável, limpavam toda a casa antes de chegarmos e falavam sem parar. Duas delas não arrumaram suas casas, mas nos receberam mostrando disponibilidade. Cinco delas nos ofereceram lanche ou almoço em suas residências, o que aceitamos, comendo junto com elas. Três delas nos ofereceram presentes simbólicos.

A ansiedade percebida no comportamento das mães durante os primeiros momentos das primeiras visitas foi diminuindo à medida que conversávamos. Aos poucos, mostravam-se mais à vontade e, no momento da despedida, convidavam-nos para voltar, como expressa Débora ao perceber que estava na nossa hora de ir embora: “Já? Passou tão rápido! Quando vier de novo vai ter novidade”. De fato, quando voltamos à sua casa novamente, havia um fogão novo que ela ganhou de uma amiga, a pia estava instalada e ela fez bolo para o lanche com café.

Todas as casas possuíam televisor, geladeira e fogão, embora geralmente em condições precárias; apenas uma das mulheres não tinha telefone celular. Elas demonstravam preocupação com a higiene, embora as condições não facilitassem quando não havia pia, o piso era de areia ou com buracos, muitos filhos, faltava material de limpeza, não havia filtro de água com vela adequada, nem instalação sanitária, entre outras dificuldades. Três mães afirmavam ter casa própria, entretanto não tinham qualquer documento. Os móveis e eletrodomésticos das suas casas são geralmente fruto de doações de patrões, vizinhos ou

instituições, como explica Cristina: “Quase tudo aqui foi ele (companheiro) que ganhou no condomínio, lá onde ele trabalha”.

Sobre a vizinhança de suas casas, elas afirmaram não ter amigos, só conhecidos. Quem tem família conta mesmo é com os parentes, como explica Gil: “Eu me sinto só aqui, agora eu não me sinto tanto porque meu irmão tá perto de mim, porque é o que eu mais queria, ter alguém da minha família perto de mim.” Próximo às casas sempre há escolas, supermercados, às vezes posto de saúde; nem sempre há creches. Elas relatam preferir lugares mais animados; é comum tocar música alta na vizinhança.

Seu tratamento com as crianças é de cuidado, embora percam a paciência em momentos de estresse. Marília, por exemplo, descontrola-se com a inquietação dos três filhos dentro da pequena casa e grita: “sua chata” “nojenta” “vou te meter a peia”. Gil se aborrece, briga, mostra a chinela, olha pra mim e reclama: “Tá vendo? Viu quantas vezes eu já varri?” Joelma repete irritada com Wendel: “seu chato” “cabeça de bagre” “vou te mandar pra casa do teu pai”.

Durante o envolvimento com as visitas às suas casas, surgiram algumas oportunidades de acompanhá-las além do contexto doméstico, como, por exemplo, ir buscar as crianças na escola com Joelma e Janaína. Os registros no diário de campo exprimem dessas experiências:

16:15 fomos buscar os filhos de Janaína na escola, é próximo, seis ou sete quarteirões que Janaína, grávida de oito meses, percorre para pegar seus meninos menores, entre eles Gláucia. As crianças se mostraram surpresas e inibidas com minha presença. Ao chegarem em casa elas vão logo pra rua brincar, alguns procuram o que comer. Joelma se arruma para ir buscar o neto. Ela havia colocado água no fogo para fazer o arroz mas desistiu, mostra-se aperreada. 10:50 saímos para pegar Wendel. Andamos mais de dez quarteirões no sol, Joelma leva um guarda-chuva para me proteger do sol, mas ela não liga para si. A escola parece organizada, o garoto espera sozinho, os outros já foram para casa. Ele me abraça ao me ver: “A tia!” A professora logo aparece e ajuda Wendel a pegar suas coisas. Voltamos para casa. No caminho Joelma compra biscoitos recheados a pedido do menino, ela abre o pacote e entrega a ele, ele diz que não quer agora; Joelma diz: “Olha, nem quer...se eu soubesse!” Chegando em casa ela liga a televisão, ajuda o garoto a se despir, a tomar banho (sempre calçado de chinela), arruma-o e dá a vitamina de melão, goiaba e leite, como almoço. Ele come vendo TV, ela não come. Prepara-se agora para ir ao IPREDE.

Cabe acrescentar que o acompanhamento de Joelma se estendeu até o IPREDE neste dia, percorrendo o trajeto, junto com ela e o garoto, de ônibus, como relatamos a seguir:

[...] ela se organiza para ir à instituição: separa o lanche (todinho e biscoito, nada de frutas embora tenha algumas na geladeira), coloca em uma bolsa fralda, chupeta e

roupa para o neto. Wendel come um doce. Há movimento em casa, pessoas sempre passam, entram, conversam um pouco, pedem alguma coisa; a nora que mora com ela acorda com os dois filhos. Saímos meio dia. Ela passa no mercantil para comprar fralda descartável que sua filha pediu. Depois esperamos 10 minutos pelo ônibus na parada, vem meio lotado. Ela entra pela frente e senta em cadeira reservada para quem está com criança de colo. Eu entro por trás, pago sua passagem e fico em pé ao lado deles, não há assento livre. No terminal esperamos mais cerca de 15 minutos por outro ônibus, entramos pela frente e vamos sentadas.Wendel quase sempre no colo, ela agarrada a ele cheirando e dizendo palavras carinhosas: “Coisa linda da avó!” O garoto corresponde aos carinhos. Ele demonstra cansaço, pede a chupeta, ela coloca no colo, deitado e dá a chupeta amarrada na fralda. Na viagem até o IPREDE, ele dorme em seu colo. Nós conversamos sobre seus filhos, netos, a luta de casa, sua saúde. O ônibus está lotado. Chegamos ao IPREDE 13 horas e 30 minutos. Caminhamos até a instituição três quarteirões, ela leva o garoto no colo, embora ele esteja acordado. Gil, mãe de Gabriel, convidou-nos para o aniversário dos trigêmeos, no dia 23 de julho, uma festa realizada com a participação dos vizinhos e a contribuição da família. Como sua casa é muito pequena, a festa foi na calçada larga em frente à casa. Em agosto, Gil ligou- nos convidando para acompanhá-la ao NUTEP para uma aplicação de “botox” em Gabriel. Chegamos à sua casa às seis e meia da manhã, pegamos três ônibus de ida e três de volta, além do percurso a pé; retornamos ao meio dia. Sintetizando as observações realizadas, registramos o seguinte sobre esta experiência:

Quando cheguei todos estavam acordando, mas Gil já havia feito o mingau dos garotos e se preparava para banhá-los e arrumá-los com a ajuda da filha; o companheiro não ajuda no cuidado com as crianças, mas foi comprar o pão e levará os dois gêmeos de Gabriel para a creche de bicicleta. Gabriel não foi aceito na creche porque não anda direito, talvez o botox possa ajudar. Os dois filhos mais velhos já haviam saído para a escola. A casa é muito abafada. Eu procuro participar arrumando os garotos e dando o mingau. A luz e a água foram cortadas por falta de pagamento. Pegamos o ônibus pouco mais de sete horas, vamos sentadas até o primeiro terminal, pegamos o segundo ônibus, Gabriel muito quieto no colo da mãe, Gil conversa o tempo todo. Pegamos o terceiro ônibus, dessa vez lotou, eu dei minha cadeira a uma senhora, Gil foi sentada com o filho. Descemos do ônibus e andamos 5 quateirões com Gabriel no colo. No NUTEP encontramos atendimento agilizado, pessoas solícitas, nada de fila, pouca espera, tudo muito limpo e organizado; Gil elogia os profissionais, já foi atendida aqui várias vezes: “Gosto muito daqui, só é longe.” Gabriel foi avaliado, os profissionais se mostram afetuosos, surpreendem-se com as habilidades do garoto apesar da paralisia, a mãe sempre perto. Depois esperamos, sentados no corredor, pela aplicação do botox. Gil mostra-se sensibilizada com o filho, sempre atenciosa, preocupa-se porque ele vai sentir dor. Chamam para a aplicação do medicamento. É tudo muito rápido, Gabriel chora muito. Agora arrumamos o pequeno e aguardamos ele ficar mais tranqüilo para realizarmos nossa jornada de volta.

Com as observações apresentadas, pretendemos situar o leitor quanto aos contextos de vida das mulheres e de suas famílias, vindo a complementar as informações evidenciadas nos seus perfis. Aqui não apresentamos reflexões ou interpretações, mas uma descrição da jornada

observatória participante, com o intuito de, desde esse “mergulho”, desenvolver as categorias de análise, ampliando a compreensão sobre as percepções das mulheres acompanhadas.