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3 AS FERRAMENTAS DO NOSSO TRABALHO: UM CAMINHO ETNOGRÁFICO

3.2 Percurso etnográfico

A finali dade real da pesquisa qua lita ti va nã o é c ontar opiniõe s ou pess oas, mas a o c ontrário, explorar o espectr o de opiniõe s, as dif erentes represe ntaçõe s s obre o a ss unto em questão ( GA SKE L, 2002 , p. 68).

O contato inicial com o IPREDE foi realizado por meio da apresentação dos objetivos do projeto de pesquisa ao diretor da instituição, com a solicitação do termo de anuência para nossa entrada no campo (APENDICE A). Em seguida, contatamos a coordenação responsável, a fim de esclarecer o detalhamento técnico e metodológico da pesquisa. Desde então, adentraremos o campo de estudo.

A coleta de dados foi realizada de acordo com os seguintes passos:

1. Consulta a documentos (prontuários das crianças desnutridas cadastradas no IPREDE) - as mães das crianças foram identificadas em conversas com profissionais da instituição, como também de pesquisa nos prontuários, buscando identificar aquelas que atendiam às especificações da pesquisa. Na primeira triagem, verificamos as marcações de retorno das mulheres escolhidas, com suas crianças à instituição, com o intuito de abordá-las no momento propício para conversar sobre a pesquisa. A consulta aos prontuários também foi realizada para conhecer a história da díade na instituição, como também com a finalidade de obter dados considerados relevantes para a montagem e análise dos resultados.

As mulheres selecionadas foram convidadas a participar voluntariamente e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APENDICE B), o qual foi lido junto com elas. Seguindo a Resolução do Conselho Nacional de Saúde, que rege a ética de pesquisas realizadas in anima nobili (Resolução 196/96), todas as mães participantes da pesquisa foram informadas em detalhes sobre seus objetivos, acerca da gravação das entrevistas, proteção de anonimato, resguardo do sigilo, assim como foram cientificadas que poderiam participar ou não do estudo, tendo o direito de desistir caso quisessem, sem sofrer qualquer prejuízo.

2. Observação descritiva do itinerário percorrido pelas mães ao chegar à Instituição e sua participação em atividades rotineiras adotadas no seu seguimento, junto ao filho desnutrido. A observação descritiva, de acordo com Minayo (2010, p.

194), é aquela que se realiza de “forma totalmente livre”, embora com o foco no que constitui o objeto de estudo. Esta técnica é também denominada observação assistemática, em que o pesquisador procura recolher e registrar os fatos da realidade sem a utilização de meios técnicos especiais, ou seja, sem planejamento ou controle (BONI; QUARESMA, 2005).

As participantes foram acompanhadas em seu trajeto durante horas, dentro da Instituição: na recepção (momento da chegada à Instituição), no acolhimento (espaço onde esperam ser atendidas e onde são acolhidas com palestras, lanche e atividades lúdicas), durante os atendimentos (seus e de seu filho), no SAME (momento da marcação das próximas consultas e recebimento do dinheiro da passagem de volta para casa), no recebimento do leite ou doações outra que levam para seus lares, no refeitório (onde é servida a sopa ao meio-dia e às 4 e meia da tarde, ao final de cada turno de atendimento), no momento da triagem e até mesmo nos corredores; sempre exercendo uma observação participativa, permeada por conversas informais, pelo cuidado e interesse em relação ao tratamento da criança, assim como por seus sentimentos e bem-estar.

A observação descritiva foi realizada com foco nas seguintes questões: quais os atendimentos frequentados, procedimentos e objetivos destes; sobre o comportamento das mães nos vários espaços; relação da mãe com a criança dentro da instituição e o convívio dos profissionais de saúde com as mães e as crianças, nos vários setores.

3. Observação livre e participante fora da instituição acompanhando as mulheres, buscando compreender como vivenciam o dia a dia em seu habitat natural: solicitamos às mulheres uma visita mais aproximada, indo no seu domicílio, onde observamos como é o ambiente domiciliar e o lugar social onde vivem: como convivem no dia a dia com o filho desnutrido, em busca, por exemplo, do alimento e de melhores condições de vida; que outras instituições elas frequentam, que apoio recebem; como é sua vizinhança, qual o contexto socioeconômico e cultural de sua comunidade. Na observação participante (APENDICE C), compartilhamos a intimidade dessas mulheres que foram consideradas não mais como informantes a serem questionadas, e sim como hóspedes que nos recebem e mestras que nos ensinam (LAPLANTINE, 2001). A observação participante, técnica de origem etnográfica, surge para dirimir a tensão entre a análise científica e a experiência da vida cotidiana, quando se torna

dialética entre a experiência e a interpretação (CAPRARA; LANDIM, 2008). Trata-se de uma atividade de pesquisa no terreno por prolongados períodos, em contato direto com o objeto de estudo. Para registrar todos os passos adotados na pesquisa de campo, utilizamos como instrumento de apoio o diário de campo, que é um documento pessoal onde escrevemos as observações, experiências, sentimentos, sensações, até ‘percepções de pele’ (CAPRARA; LANDIM, 2008), durante a permanência no campo.

4. Realização de duas entrevistas individuais semiestruturadas com cada participante: uma na instituição e outra na residência, as quais seguiram um roteiro que foi sendo modificado, flexibilizando-se diante das necessidades de adaptação, segundo a compreensão e o interesse das informantes e nosso, sem sair do foco maior dos objetivos do trabalho.

Por entrevista semiestruturada entendemos aquela que combina perguntas fechadas e abertas em que o entrevistado tem a oportunidade de discorrer sobre o tema em foco sem se prender à indagação formulada (MINAYO, 2010). As entrevistas ofereceram suporte para aproximação e diálogo com as anotações do diário de campo e com as observações realizadas nos vários contextos. Para aprofundamento do fenômeno estudado, utilizamos o critério de saturação das informações - fenômeno ocorrente quando, após um certo número de entrevistas, o entrevistador começa a ouvir, de novos entrevistados, relatos muito semelhantes àqueles que já ouviu, havendo uma rarefação de informações novas (COSTA, 2007).

Ante a solicitude das depoentes, assim como em razão das visitas das mães com suas crianças à Instituição, acontecerem apenas quinzenalmente, a primeira entrevista (APENDICE D) foi logo realizada durante o primeiro contato no IPREDE, momento em que as mulheres foram abordadas e em que foi explicada a pesquisa. A segunda entrevista (APENDICE E) aconteceu durante as visitas realizadas posteriormente em seu domicílio em dia e horário escolhidos por elas; em alguns casos, a entrevista foi feita na primeira visita, noutros em visita posterior, sempre respeitando o momento mais tranquilo e oportuno para abordá-las em conversa tão pessoal. As entrevistas tiveram duração de 30 a 60 minutos.

Ao realizar uma pesquisa, qualitativa algumas questões são expressas de modo mais imediato, enquanto outras vão aparecendo no decorrer do trabalho de campo. Consideramos também importante salientar que, em ambiente doméstico, privado, parece haver mais

liberdade para expressão das idéias e menos preocupação com o tempo, durante as entrevistas. Por essa razão, algumas dessas entrevistas foram mais longas, mais densas e produtivas na residência das participantes (DUARTE, 2002). Todas as entrevistas foram registradas por meio de gravações (todas as entrevistadas permitiram, sem restrições), para que pudéssemos captar o conteúdo integral do que foi dito. Após as gravações, as entrevistas foram transcritas por nós para fins de análise.

Numa metodologia de base qualitativa, o número de entrevistas dificilmente pode ser determinado a priori – tudo depende da qualidade das informações obtidas em cada depoimento, assim como da profundidade e do grau de recorrência e divergência destas informações. Enquanto estavam aparecendo "dados" originais ou pistas que pudessem indicar novas perspectivas à investigação em curso, as entrevistas continuaram sendo feitas (DUARTE, 2002). Além das duas entrevistas formalmente realizadas e gravadas, conforme descrito há pouco, conversas mais informais e corriqueiras aconteciam espontaneamente durante as observações participantes nos diversos momentos de contato com as mulheres. Tais conversas muitas vezes se faziam esclarecedoras e complementavam informações anteriores, tendo sido, portanto, criteriosamente registradas e contextualizadas no diário de campo.

À medida que colhemos os depoimentos, foram sendo levantadas e organizadas as informações relativas ao objeto da investigação e, em razão do volume e da qualidade dessas informações, o material de análise se tornou cada vez mais consistente e denso.

Quando foi possível identificar padrões simbólicos, práticas, sistemas classificatórios, categorias de análise da realidade e visões de mundo do universo em questão, e as recorrências atingiram o ponto de saturação, demos por finalizado o trabalho de campo, sabendo que poderíamos voltar para esclarecimentos, como de fato aconteceu, por exemplo, no momento de confirmação dos dados obtidos junto às mulheres, por meio da leitura dos textos produzidos com base na interpretação de suas falas, da observação realizada e da consulta aos prontuários. Vale ressaltar que esta combinação de múltiplas técnicas de abordagem na coleta dos dados configura a triangulação, nas palavras de Minayo (2010), considerada um recurso fundamental para garantir maior fidedignidade aos resultados.

As situações de contato entre pesquisador e sujeitos da pesquisa também figuraram como parte integrante do material de análise. Procuramos registrar o modo como foram estabelecidos esses contatos, a forma como a entrevistadora foi recebida pelas entrevistadas, o grau de disponibilidade para a concessão do depoimento, o local onde foi concedida a entrevista (todas permitiram as visitas às suas casas), a atitude adotada durante a coleta do depoimento, gestos, sinais corporais e/ou mudanças de tom de voz, entre outras - tudo isto

forneceu elementos significativos para a leitura/interpretação posterior dos depoimentos, bem como para a compreensão do universo investigado (DUARTE, 2002).