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3 ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: ENTRE A

3.2 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTES: O DESPERTAR DA

3.2.1 A Natureza das Medidas Socioeducativas

Quando trata das medidas socioeducativas, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que estas sejam pautadas em princípios educativos pedagógicos. A defesa desses princípios reforça o argumento de quem afirma que as medidas socioeducativas, inclusive no regime de internação, não constituem sanção. Conforme esclarece Elizeu (2010), a medida representa a estipulação de uma relação conceitual normativa, estimativa e limitada, a ser aplicada a situações que permitem, ou mesmo exigem, a intervenção do Estado. Isso confere às medidas um caráter educativo, pedagógico e também jurídico.

Ao longo do artigo 112 distingue-se as medidas que a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente quando constatado que este cometeu ato infracional, sempre considerando sua capacidade de cumpri-la, as

circunstâncias e a gravidade da infração. O adolescente com doença ou deficiência mental deve receber tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. São elas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade (não sendo admitida a prestação de trabalho forçado), liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade, internação em estabelecimento educacional.

A execução de cada uma das medidas socioeducativas possui características diferenciadas e atende a requisitos específicos, mas todas elas demandam acompanhamento de uma “equipe psicossocial, e preveem ações de integração entre as políticas sociais (saúde, educação, assistência social, lazer, trabalho, etc.), com o objetivo de restaurar direitos violados” (PERNAMBUCO, 2013, p. 40).

Assim, o cumprimento das medidas socioeducativas destinadas aos adolescentes que praticam ato infracional – conforme dispõe o ECA – deve atender objetivos socioeducacionais, que deverão atuar em prol da garantia do acesso às oportunidades, de forma que possam contribuir para que esses sujeitos exercitem a participação autônoma na vida social. Desta forma, é fundamental desenvolver uma política pública que tenha o objetivo de garantir esse atendimento. Está na garantia de um atendimento digno e humanizado ao adolescente autor de ato infracional a condição indispensável para que esse objetivo seja alcançado. Este tipo de atendimento é indispensável desde o primeiro contato com o adolescente.

As especificidades sobre as decisões da aplicação das medidas socioeducativas, bem como os procedimentos a serem adotados na sua execução, são apontadas entre o artigo 115 até o artigo 125 do ECA. Estão regulamentadas da seguinte forma:

A Advertência, prevista no artigo 115, consiste em uma “admoestação verbal, que deve ser reduzida a termo e assinada”.

Sobre a Obrigação de Reparar o Dano, o artigo 116 discorre que deverá ser aplicada quando o ato infracional implica em “reflexos patrimoniais”. Deste modo, a autoridade competente pode exigir que o adolescente “restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima”, podendo ser substituída por outra mais adequada havendo impossibilidade de cumpri-la. (Art. 116, BRASIL, 1990).

Já a Prestação de Serviços à Comunidade corresponde a prestação de atividades não remuneradas, pelo período máximo de seis meses, atuando em áreas de interesse coletivo, podendo ser executadas em entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos, seja em programas comunitários ou governamentais, conforme a aptidão do adolescente. A Medida está condicionada a uma “jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho” (BRASIL, 1990, art. 117).

Os artigos 118 e 119 versam sobre a medida Liberdade Assistida, que consiste no acompanhamento, auxílio, orientação do adolescente, podendo ocorrer por meio da sua inserção em programas oficiais de assistência social, realização da matrícula e supervisão da frequência e do aproveitamento escolar, colocação no mercado de trabalho. A medida deve ser fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo ser prorrogada, revogada ou substituída.

Vale ressaltar, que as medidas de Advertência, Obrigação de Reparar o Dano, Prestação de Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida devem ser cumpridas em meio aberto e os adolescentes submetidos a essas modalidades utilizam as redes de saúde pública e rede escolar existentes na sua comunidade. As medidas de Semiliberdade e Internação funcionam em meio fechado e representam medidas de restrição e privação de liberdade, respectivamente. Os adolescentes submetidos a essas medidas fazem uso dos serviços de saúde e escolar da unidade de atendimento socioeducativo.

A Medida de Semiliberdade é executada por meio de certa restrição à liberdade do adolescente. Essa medida “pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto”. Durante a semana, o socioeducando fica na unidade de atendimento e é afastado do convívio familiar e comunitário. Havendo possibilidade, também pode utilizar os serviços de saúde e educação da comunidade. A realização de atividades externas não está sujeita à autorização judicial (BRASIL, 1990, Art. 120).

Já a Medida de Internação – que interessa a esta análise - está regulamentada pelo artigo 121 do ECA. É a única privativa de liberdade. É também a única medida em que a escolarização ocorre exclusivamente na própria unidade. Nessa modalidade, o adolescente é recolhido em uma unidade de internação. A internação está sujeita aos princípios de brevidade,

excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. A realização de atividades externas poderá ser permitida, por decisão da equipe técnica da entidade, exceto mediante impedimento expresso por determinação judicial. Por não comportar prazo determinado, a manutenção ou revogação da medida deverá ser reavaliada a cada período (máximo) de seis meses. O limite de tempo da internação é de três anos e, em nenhuma hipótese, esse prazo será excedido. Caso o adolescente cumpra a medida de internação adentrando a idade adulta, ao completar 21 anos, o regime de internação será encerrado e este obrigatoriamente liberado.

No que se refere às responsabilidades pelo planejamento e pela aplicação das medidas socioeducativas de internação, compete aos estados a criação e manutenção dos programas de execução de tais medidas socioeducativas, que implicam privação de liberdade. Sobre esse aspecto, o artigo 123 do ECA determina que:

A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.

Parágrafo único: Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas (BRASIL, 1990a).

Nesses termos, são estabelecidos pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) alguns requisitos específicos para a inscrição de programas para atendimento nos regimes de semiliberdade ou internação, entre eles podemos destacar a comprovação da existência de estabelecimento educacional com instalações adequadas e em conformidade com as normas de referência; também tem por responsabilidade estabelecer a previsão do processo e dos requisitos para a escolha do dirigente, o planejamento e apresentação das atividades de natureza coletiva e também a definição das estratégias para a gestão de conflitos (BRASIL, 2006).

O SINASE se apresenta como um subsistema que integra o Sistema de Garantia de Direitos (SGD)3. Tem por responsabilidade atuar no atendimento ao

3Ao enumerar direitos, estabelecer princípios e diretrizes da política de atendimento, definir competências e atribuições gerais e dispor sobre os procedimentos judiciais que envolvem crianças e adolescentes, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente instalaram um sistema de “proteção geral de direitos” de crianças e adolescentes cujo intuito é a

adolescente em conflito com a lei, devendo acompanhar desde o processo de apuração, aplicação e execução de medida socioeducativa. Nesse contexto, o SINASE representa “um conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medida socioeducativa”. O SINASE também se constitui como uma política pública que tem por objetivo promover a inclusão do adolescente em conflito com a lei, que no seu exercício se correlaciona e demanda iniciativas dos diferentes campos das políticas públicas e sociais (BRASIL, 2006, p. 22-23).

A instituição do SINASE tem por finalidade atender a necessidade de se constituir parâmetros mais objetivos e procedimentos mais justos que evitem ou limitem a discricionariedade desse processo. Este sistema reafirma a natureza pedagógica da medida socioeducativa prevista pelo ECA. Desta forma, defende a prioridade da aplicação das medidas socioeducativas de meio aberto em detrimento daquelas que restringem a liberdade. O sistema representa uma estratégia, cuja finalidade busca a reversão da tendência de internação dos adolescentes em conflito com a lei. Desta forma, procura desenvolver e vivenciar novas estratégias que atuem em prol da superação de práticas nocivas, persistentes no atendimento socioeducativo, que acabam resumindo o adolescente ao ato a ele atribuído. Nesse contexto, sua atuação, além de garantir acesso aos direitos e às condições dignas de vida, deve-se reconhecê- lo como sujeito pertencente a uma coletividade que também deve compartilhar tais valores (op. cit, p. 25).

Segundo apresenta o texto do SINASE, esse sistema atua de forma integrada e articulada aos três níveis de governo no desenvolvimento dos programas de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei. O sistema ainda estabelece competências e responsabilidades destinadas aos conselhos de direitos da criança e do adolescente. Estes, por sua vez, deverão tomar decisões fundamentadas em diagnósticos e em diálogo direto com aqueles que integram o Sistema de Garantia de Direitos a exemplo do Poder Judiciário e o

efetiva implementação da Doutrina da Proteção Integral, denominado Sistema de Garantia de Direitos (SGD). Nele incluem-se princípios e normas que regem a política de atenção a crianças e adolescentes, atuando sob três eixos: Promoção, Defesa e Controle Social (BRASIL, 2006).

Ministério Público. Deste modo, a formulação das diretrizes do sistema socioeducativo unida ao compromisso partilhado intersetorialmente, é compreendida como uma possibilidade para se avançar na garantia do princípio constitucional da absoluta prioridade da criança e do adolescente, além de criar condições que possibilitem que adolescentes em conflito com a lei deixem de ser encarados como um problema social a ser compreendido e superado e passem a ser vistos também como uma prioridade social em nosso país.

Para tanto é necessário um alinhamento nas práticas de aplicação e execução das diferentes medidas socioeducativas entre as unidades da federação em seus três poderes. Para Peixoto (2014), a ausência desse alinhamento é um grande desafio ao seu desenvolvimento. É necessário discutir sobre esse tema, tendo em vista que esse debate contribuirá com o fortalecimento da rede de atendimento do sistema de garantia dos direitos, pois funciona como estratégia que poderá promover uma maior eficácia e resposta social das medidas socioeducativas. A exemplo dos desafios recorrentes na execução das medidas socioeducativas, sejam de liberdade assistida, prestação de serviços à comunidade, semiliberdade, ou internação, demonstram a necessidade de se construir práticas institucionais que superem a cultura punitiva. Para que isso ocorra, é necessário se constituir uma responsabilidade compartilhada, além de uma aprendizagem coletiva. Pensar as políticas públicas para crianças e jovens, a partir da ideia de uma corresponsabilidade, possibilitará processo socioeducativo com resultados mais efetivos.

Segundo o autor, para que esse pressuposto se efetive é necessário que haja um “real intercâmbio de informações e experiências socioeducativas entre diferentes realidades vivenciadas na prática do atendimento socioeducativo, juntamente com estudos e ações de pesquisa que possam teorizar e embasar cientificamente as discussões” (PEIXOTO, 2014, p. 172).

Nessa mesma perspectiva o SINASE foi instituído. O objetivo do nosso trabalho também está representado no argumento do autor. Ao desenvolvermos esta análise, buscamos contribuir com esse debate e, através dele, com o fortalecimento do sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente, que abriga o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, que de forma ampla ou específica, atua para garantir cidadania plena a crianças e adolescentes, independente da sua condição social e jurídica. As mudanças

ocorridas nas últimas duas décadas vêm buscando alinhar o que está disposto no ordenamento jurídico às políticas públicas e práticas institucionais.

O envolvimento de adolescentes com a criminalidade tem causado grande preocupação e promovido um caloroso debate sobre a eficácia das medidas socioeducativas. Esse debate divide a sociedade quando se refere ao asseveramento das medidas aplicadas, mas a unifica, quando de forma uníssona exige a urgente superação desse problema social.

Especialistas têm defendido o caráter educativo das medidas aplicadas a adolescentes infratores, o que nos remete a pensar sobre a própria garantia de um direito básico universal: o direito à educação. Deste modo, discutimos ao longo do próximo capítulo, como, historicamente, tem sido pensando e executado o direito à educação, com um olhar especial aos adolescentes em conflito com a lei.