• Nenhum resultado encontrado

7 A ECOLARIZAÇÃO NA SOCIOEDUCAÇÃO: DA

7.1 PROFISSIONAIS, HISTÓRIAS E TRAJETÓRIAS

7.2.1 Perspectivas Estudantis e Materialização do Direito à Educação

Conhecer como os estudantes compreendem o direito à educação é essencial para sabermos sobre com que parâmetros eles avaliam a materialização desse direito. Também perceber quais expectativas possuem sobre os impactos da educação escolar nas suas vidas. Objetivamente, se a educação escolar que esperam receber corresponde a que lhe tem sido ofertada e, ainda, de que modo ela tem contribuído com a construção e consolidação dos seus projetos de vida.

Quando questionado sobre o que considera ter direito à educação, o E1 afirmou que consiste em adquirir saberes que possibilitem o exercício da leitura e escrita, entre outros. Para ele, ter direito à educação é ter direito a “saber ler e saber escrever várias coisas”.

O E3 associou a garantia do direito à educação às estratégias metodológicas desenvolvidas pela escola ou, ainda, às atividades extracurriculares. “É pra pessoa refletir mais, né? Pra não ficar aqui dentro só pensando em coisa ruim, uma atividade boa. Ir ali jogar uma bola, voltar. É atividade, pra o cara não ficar aqui refletindo coisa ruim”.

De acordo com o E4, o direito à educação representa o direito à aprendizagem. Aprender, inclusive, a conviver, a partir da aquisição de valores

como o respeito ao próximo: “É ter direito de aprender, de respeitar o próximo, essas coisas”.

Eles foram unânimes ao afirmar que o direito à educação tem sido garantido naquela unidade de internação. Declararam que estão satisfeitos com a escola. A definem como um espaço bom, que os ajuda a ocupar a mente para não ficar pensando “bobagem”. Também como um espaço de aprendizagem da leitura e escrita. Todos afirmaram que tiveram avanços na aprendizagem, que não conseguiam na escola regular. A maior parte não vê diferença entre a escola da unidade e a que frequentavam fora dela, mas se queixam do tempo que passam na escola da unidade ser muito curto. Enfatizam que se tivessem mais tempo de aula, aprenderiam mais.

Comparando a escola anterior com a da unidade socioeducativa, o E3 afirmou: “Porque lá é mais tempo. Porque a pessoa estudando dá mais pra pessoa aprender. E também eu levava o caderno pra casa, estudava; aqui não” (sic). Apesar dessa afirmação, o mesmo reconheceu que passou a ter mais interesse pelos estudos na atual escola e que passou a planejar seu futuro profissional, na área de Engenharia Mecânica, estimulado pelas experiências vividas naquele local.

Todas as atividades escolares devem ser realizadas na unidade escolar, tendo em vista que os socioeducandos não estão autorizados a levar materiais escolares para a casa onde ficam internos. A justificativa apresentada pelos gestores da unidade para esse impedimento é que se trata de uma prevenção, considerando que alguns materiais possam vir a ser utilizados como armas pelos socioeducandos. Os estudantes reclamaram dessa regra, mas a queixa sobre o pouco tempo que têm passado na sala de aula foi a mais recorrente. O E1 chegou a afirmar que considera que a escola que frequentava na comunidade é melhor que a da CASE, pois fora da unidade socioeducativa tinha mais tempo e oportunidade para aprender: “É que lá você estuda mais horas e aqui menos. Deveria ter três tipos de aula, três tipos de matéria, aqui não tem isso. Quero é aprender mais! Lá fora é melhor do que aqui”. O estudante ainda declara que, apesar de não atender devidamente suas expectativas, a escola acaba sendo um espaço produtivo para estar durante o cumprimento da medida socioeducativa. “Porque tem o tempo que eu vou passar aqui, e eu sei que vou passar de todo jeito, aí eu vou pra escola, pra não perder o que eu tive lá fora.

Estudando aqui dentro pra quando eu sair lá pra fora continuar meus estudos” (sic).

O E2 afirma não ver diferença entre a escola anterior e a da unidade socioeducativa. Não conseguiu responder se a educação que recebia naquela escola poderia ajudá-lo a concretizar seu projeto de vida, que é tornar-se engenheiro civil, mas reconheceu que estudar seria o caminho para chegar onde deseja.

Para o E3, a escola tem contribuído para a concretização do seu objetivo de tornar-se engenheiro mecânico. Ressalta que está satisfeito com o ensino que é ofertado naquela instituição, que ali aprendeu a importância de estudar. Entretanto, reafirma que a reduzida oportunidade de estar em sala de aula pode prejudicar o desenvolvimento da sua aprendizagem, interferindo negativamente na reconstrução de sua vida e alcance dos objetivos fora da unidade socioeducativa. “Porque lá na frente a gente vai precisar do que a gente vai estudar aqui. E sem o estudo, você não é nada”.

O considera a escola um refúgio, é o seu momento de liberdade, um lugar para ocupar seu tempo e sua mente. Estar na escola representa não estar preso e submetido ao ócio. Já E1 esclarece que:

É bom que é uma escola boa, né? Aqui a pessoa não fica só lá dentro, tem uma escola aqui pra estudar, tem uma atividade ali pra fazer. Fazer uma plantação, jogar uma bola, pintar uns negócio. Aqui é bom que a pessoa passa de ano também. Se eu não tivesse aqui nessa escola, só estava lá dentro preso, essa hora (sic).

Ao chegar na unidade de ensino, o estudante E1 precisou ser alfabetizado. Segundo relatou, aprendeu “muita coisa” na nova escola, passou a compreender a importância dos estudos e a ter maior interesse pela aprendizagem. Conforme explicitou: “Aprendi mais a ler, que eu tenho dificuldade, aprendi a ler e a escrever, umas letras bonitas, agora eu tou aprendendo muitas coisas”. Acrescentou que a escola da unidade socioeducativa se destaca em relação a que frequentava na sua comunidade, pois, além dos conteúdos comuns a ambas, ali participam de debates e recebem orientações sobre diversos temas que considera relevantes à sua formação:

Educação é muito bom, né, pra qualquer um, né? O cara fazer alguma coisa boa ali, saber refletir a mente mais. Chega aqui dentro, lá no mundão a gente não fazia nada, essas atividades, aqui aprende mais coisa boa. Aqui aprende o que é estudar, lá no mundo a pessoa nem se interessa de estudar nem nada. Aqui a pessoa já tem um negócio pra refletir a mente, pra não ficar lá dentro (E1).

O sujeito avalia que a experiência escolar vivenciada na unidade socioeducativa tem sido muito positiva. Considera que esta tem contribuído para sua ressocialização, e reconhece que estudar é o caminho para conseguir ingressar na universidade e realizar seus objetivos profissionais. Alega que sua meta é continuar os estudos quando cumprir a medida socioeducativa que lhe foi imposta. Tem como plano montar seu próprio negócio: uma serralheria e ainda trabalhar com vendas de artigos do ramo.

A partir das impressões e experiências relatadas pudemos concluir que as perspectivas estudantis sobre o direito à educação foram expressas em três pontos comuns: 1) acesso às aulas e outras atividades escolares; 2) acesso ao conhecimento por meio da oferta de saberes relacionados a cada etapa do ensino; 3) garantia da aprendizagem.

Embora todos afirmem considerar que tenham o direito à educação garantido naquela instituição, quando comparamos suas perspectivas em relação a este direito com a rotina e queixas relatadas pelos estudantes, concluímos que apenas a garantia da aprendizagem tem sido atendida. A proposta pedagógica destinada a este público não condiz com a perspectiva conteudista aclamada pelos estudantes. A concepção de saberes a serem desenvolvidos em cada etapa do ensino, não atende aos parâmetros da escola regular, a qual estavam habituados e têm como referência. No entanto, o desempenho desses estudantes no que se refere à aprendizagem tem sido positivo, embora, possa ser comprometido pela escassez de oportunidades de ensino. O fator que fere a primeira perspectiva apontada pelos estudantes é a ausência de acesso às aulas e outras atividades escolares, o que nos permite concluir que, apesar das afirmações expressas pelos estudantes, o direito à educação não tem sido efetivamente garantido naquela instituição.

Vale ressaltar que as condições em que esses estudantes se encontram, somadas à estrutura e metodologia ofertadas pela unidade escolar anexada à CASE Jaboatão, têm ajudado a resgatar o interesse desses sujeitos pela escola

e a (re)construir seus projetos de vida. No entanto, apesar de todas as qualificações apontadas nas entrevistas e observadas durante a nossa visita, a referida escola não tem conseguido garantir a esses estudantes o acesso às suas aulas. Os avanços alçados foram resultantes do bom aproveitamento das poucas oportunidades que tiveram com os estudantes.

As relações ali estabelecidas e a metodologia utilizada pelos professores têm produzido resultados satisfatórios. Devemos também levar em consideração que as condições desfavoráveis, cheias de privações em que esses estudantes se encontram, tornam a escola um lugar mais atrativo. Um espaço onde eles têm uma certa liberdade, portanto, um lugar onde desejam estar. Embora haja uma conquista do interesse desses estudantes pela escola e pela aprendizagem, o vínculo com a escola não é completamente estabelecido, pois não têm garantida a sua frequência. Esses, entre outros fatores, contribuem para que esses estudantes afirmem preferir a escola regular.

A condução e acompanhamento dos socioeducandos às salas de aula é atribuição dos agentes socioeducativos e isso não tem ocorrido cotidianamente. Esse tem sido o grande entrave para que o direito à educação seja devidamente garantido. Os fatores que tem afastado os estudantes da escola serão discutidos nos próximos tópicos. Antes, estaremos discutindo como o direito à educação tem sido compreendido pelos profissionais da educação, que atuam naquela escola, e os demais sujeitos entrevistados.