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Natureza dos preços nos contratos da agroindústria de tomate em Goiás

CAPÍTULO 3. PRODUTORES DE TOMAT E AS RELAÇÕES

3.3 Novas Relações Contratuais

3.3.4 Natureza dos preços nos contratos da agroindústria de tomate em Goiás

Atualmente, o processamento do tomate é dominado por um número reduzido de grandes corporações. No caso do estado de Goiás a partir, da amostra de produtores entrevistados, são cinco as empresas que negociam diretamente com os produtores a safra de tomate: Arisco, Quero, Círio, Olé e BRASFRIGO. Conforme a tabela 10, as empresas não praticam preços semelhantes na compra da tonelada. A diferença entre o valor pago pela tonelada do produto pela Quero em relação ao valor pago pela Arisco/CICA, por exemplo, chega a quase 20%.

Tabela – 10. Preço, por tonelada, pago aos produtores de tomate rasteiro na safra de 2001, por tipo de empresa

Empresa Preço (R$) Arisco 85,00 Quero 105,00 Círio 81,00 Olé 90,00 BRASFRIGO 97,00

Os preços do tomate são negociados de antemão com os produtores e se constituem num dos principais itens dos contratos. Outro item importante na negociação dos termos contratuais é a área de cultivo. Estima-se o volume do produto por hectare, levando-se em conta tanto a média da produtividade da lavoura na região quanto o histórico de produção do agricultor. Com isso, as empresas asseguram um suprimento contínuo de matérias- primas, de acordo com sua capacidade instalada, a preços conhecidos. Os produtores, por sua vez, estimam o valor obtido com a cultura do tomateiro, ou seja, a renda derivada da atividade. Para estes, a relação contratual é uma forma de redução dos riscos e da volatibilidade dos preços característicos dos mercados agrícolas.

Na agroindústria de tomate em Goiás, apenas os produtores contratados pela Arisco/CICA são remunerados em função da produtividade agrícola. Com base no preço padrão para uma produtividade média esperada, sua remuneração é proporcionalmente maior para níveis acima dessa produtividade. No entanto, a empresa eleva o padrão de referência de produtividade na concessão de incentivos, pois o preço padrão acompanha os aumentos da produtividade média da região. Observando os contratos da empresa nas safras de 1999 e 2001, nota-se que, no primeiro caso, a empresa remunerava mais o produtor que atingisse uma produtividade média de 70 ton./ha, e, no segundo, aqueles produtores que atingissem 87 ton./ha. Trata-se de um instrumento para reduzir a dependência de produtores cujo risco de não entregar a produção é maior, ou seja, um mecanismo de restrição aos comportamentos oportunistas dos produtores ao desvio da produção. Para a empresa, o risco de desvio é grande, na medida em que tanto as lavouras de tomate quanto as empresas agroprocessadoras localizam-se bastante próximas umas das outras, o que favorece comportamentos oportunistas.

O diferencial de preços praticados pelas empresas agroprocessadoras é um mecanismo de incentivo à adesão dos produtores a relações contratuais. Os fatores considerados de maior importância são os preços, a tecnologia empregada e a segurança da renda garantida (compromisso de compra da produção), conforme apresentado na tabela 11.

Tabela – 11. Fatores que levam a aderir à relação contratual

Fatores Muito Importante Pouco Sem

Importante Importante Importância

Preços 70% 30%

Tecnologia 70% 23,3% 6,7%

Segurança (renda/venda garantida) 70% 26,7% 3,3%

Faltam opções de renda 16,7% 33,3% 33,3% 16,7%

Financiamento 13,3% 30% 30% 26,7%

Outros:

Contratos mais negociados 3,3%

Contrato Individual 3,3%

Assistência técnica 3,3%

Remuneração 3,3%

Rotatividade 3,3%

Fonte: Pesquisa de campo. Elaboração própria.

Os preços são, de fato, os maiores atrativos à realização dos contratos com as agroprocessadoras. A lavoura de tomate é uma das culturas mais rentáveis dentro da agricultura. Segundo os entrevistados, o custo médio de uma lavoura de tomate varia entre 50-55 toneladas/ha de tomate. Se o preço médio pago por tonelada de tomate rasteiro na safra de 2001 foi de R$ 91,004, então o custo total foi de R$ 4.550, 00a R$ 5.000,00 por hectare. A produtividade média da região está em torno de 80 toneladas por hectare. Sendo assim, os produtores possuem um rendimento de 25-30 toneladas per hectare.5 Segundo um dos entrevistados, quando a produtividade atinge um patamar superior a 100 t/ha, produz um rendimento líquido em torno de R$ 3.000,00 por hectare. Já são bastante comuns propriedades que alcançam produtividade acima de 100 toneladas por hectare.

Preços atrativos associados à garantia na venda do produto e, portanto, na renda, é uma combinação que influencia as decisões dos produtores ao estabelecimento das relações contratuais. Isso explica, em parte, por que muitos dos produtores, mesmo tendo conflitos com as agroprocessadoras, continuam nas relações contratuais.

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Média dos preços pagos pelas empresas para as quais os produtores entrevistados fornecem a matéria- prima.

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Preços elevados são também uma forma de distribuição de riscos entre produtores e empresas, pois neles está embutida uma certa margem que cobre eventuais quebras de safra (Watts, 1994; Glover & Kusterer, 1990). Como sustentam tais autores, a distribuição de riscos depende fortemente do poder de barganha, de alternativas disponíveis e do acesso às informações.

Quanto às alternativas disponíveis, verifica-se, pelas respostas da tabela 11 no quesito faltam opções de renda, que apenas metade dos produtores de tomate entrevistados dedica-se a outras culturas, como soja, feijão, milho-doce, milho-semente. Verifica-se que apenas este último possui uma lucratividade próxima à do tomate, e, dada a sua demanda por parte da indústria de sementes, pode se constituir numa alternativa viável ao produtor. Até mesmo a soja, uma commodity que possui um mercado maior, e nos dois anos anteriores a pesquisa vinha se valorizando, fica atrás do tomate em termos de rentabilidade.

Outra metade dos produtores entrevistados praticamente não possui renda proveniente de outras atividades agrícolas, como atesta a pesquisa. Para esses produtores, isto se deve, em parte, à pouca disponibilidade de recursos financeiros para a condução de outras atividades agrícolas, à ausência de tecnologias e ao tamanho da propriedade. Como observamos no tópico anterior, a renda proveniente da cultura do tomate perfaz quase 40% da renda total das propriedades, um peso bastante significativo. Ao cruzar esses dados com os da tabela 3, tamanho da propriedade, nota-se que os oito agricultores que consideraram esta questão importante são pequenos e médios proprietários que possuem áreas de até 200ha. Dois (2) deles estão no município de Itapaci, três (3) em Piracanjuba, um (1) em Trindade e dois (2) no município de Paraúna. Os demais são médios e grandes produtores e estão localizados em Itapaci (3 produtores), Trindade (1 produtor), Paraúna (1 produtor) e Pontalina (1 produtor). No município de Itapaci, tanto os pequenos quanto os médios e grandes produtores não possuem muitas alternativas de cultivo agrícola e, portanto, são restritas suas fontes de renda. Nesse caso, o tamanho da propriedade não explica integralmente a falta de opções de renda. Inferimos, pois, que as condições topográficas e climáticas da região e o nível tecnológico das propriedades restringem o acesso a novos cultivos.

No que tange ao crédito, Glover & Kusterer (1990) demonstram que o acesso a ele se constitui em um motivo de adesão dos produtores aos contratos com as agroprocessadoras. Em alguns casos, o próprio contrato assegura a provisão de créditos pela empresa, com os pagamentos sendo deduzidos do preço do produto. Em outros, os contratos facilitam o acesso ao crédito privado e servem como garantia aos bancos em caso de inadimplência do produtor. Na pesquisa de campo, constata-se que não se constitui prática das agroprocessadoras conceder crédito diretamente aos produtores. No entanto, a segunda modalidade de crédito faz parte dos contratos entre produtores e a empresa Olé. Em caso de inadimplência junto aos bancos, os produtores afirmaram que são excluídos dos contratos.

Uma vez que as agroprocessadoras não costumam fornecer recursos financeiros diretamente aos produtores, o financiamento da produção não constitui um atrativo aos produtores para estabelecer relações contratuais, como podemos atestar na tabela 11.

Por outro lado, as agroprocessadoras empregam um sistema de adiantamento de insumos de produção ao produtor, o que também se encontra expresso nos contratos. Em caso de perda da produção, os prejuízos são arcados pelos produtores, que devem ressarcir o montante de recursos adiantados sob a forma de insumos de produção.

Na amostra da pesquisa, todos os produtores têm os insumos de produção adiantados pelas empresas. Esses insumos geralmente chegam ao produtor por um preço inferior àqueles praticados no varejo, ou seja, em lojas especializadas. Isso corresponde à maioria dos casos observados, conforme a tabela 12. Quando não são repassados abaixo do preço de varejo, os produtos fornecidos pelas agroprocessadoras acompanham seu preço. Respondem por apenas 6,25% os casos em que os preços praticados pela empresa são maiores que aqueles praticados no varejo.

Tabela – 12. Preços dos insumos repassados e cobrados pelas empresas

PREÇOS DOS INSUMOS %

Maiores do que se comprados diretamente no varejo em lojas especializadas

6,2

Iguais aos praticados no varejo 31,2

Menores que os praticados no varejo 43,7

Não sabe 9,4

Outros 9,4

Fonte: Pesquisa de campo. Elaboração própria.

Os produtores, entretanto, não consideram os adiantamentos de insumos de produção feitos pelas agroprocessadoras como incentivos ao engajamento nas relações contratuais. Talvez seja porque tal modalidade de financiamento pode ser conseguida com alguma facilidade junto aos distribuidores de insumos produtivos. Alguns produtores, quando indagados sobre a possibilidade de obterem os insumos no varejo, disseram não ter dificuldades. Só não o fazem por ser esta uma prática das agroprocessadoras. Por sua vez, as agroprocessadoras precisam se certificar do correto emprego do pacote tecnológico e garantir tanto a oferta quanto a qualidade, para o que o fornecimento de insumos funcionaria como salva-guarda.

Outra modalidade de auxílio aos produtores foi adotada por uma das empresas agroprocessadoras. Na safra de 2001/2002, a referida empresa deixou de adiantar diretamente os insumos de produção. Através de um acordo com um grande fabricante de insumos, este último se comprometeria a fornecer o volume de insumos necessários à produção. Em troca, ele receberia parte do valor do preço pago pelo produto, valor correspondente ao custo dos insumos por hectare.

Nesse arranjo, o fabricante de insumos tem dupla vantagem. A primeira é que, quando a produtividade atingir um patamar bastante superior àquele que cobre os custos de produção, ele passa a ter um ganho considerável. Ao contrário, se a produção obtida não cobrir os custos de produção, o fabricante perde conjuntamente com os produtores. Na

verdade, esse seria um sistema de parceria com o fabricante de insumos, não com as empresas agroprocessadoras. A segunda vantagem que observamos refere-se aos custos dos insumos considerados. O fabricante não os fornece segundo os seus preços de custo. Os preços, segundo os produtores entrevistados que se relacionam com a referida empresa, são os preços médios praticados no varejo. O fabricante consegue, com isso, garantir um mercado cativo para os seus produtos.

Os produtores que realizam contratos com essa agroprocessadora disseram estar satisfeitos com essa sistemática. Um dos produtores tinha, inclusive, abandonado a empresa com a qual negociara a produção da safra anterior, para aderir aos contratos dessa empresa. Quando indagado sobre a razão da mudança, a resposta foi que, ao fazer o cálculo econômico, era mais viável receber R$ 63,006 por tonelada de produto, sem arcar com quaisquer custos com insumos, do que receber R$ 85,00 e arcar com os custos dos insumos. Nesse caso, o produtor inicia a produção com uma dívida que corresponde ao custo de insumos por hectare.

Além dessas formas de adiantamento de insumos pelas agroprocessadoras, os produtores utilizam seus próprios recursos financeiros para o financiamento de custeio da lavoura. As estatísticas da tabela abaixo mostram as formas de obtenção de recursos financeiros mais freqüentes. Os adiantamentos de insumos pelas agroprocessadoras são a segunda forma mais freqüente de captação de recursos, seguida pelos empréstimos obtidos junto a bancos públicos. Vale observar a pequena participação dos empréstimos junto a bancos privados (apenas um dos entrevistados apontou a utilização desse dispositivo) e a participação nula das empresas agroprocessadoras em empréstimos diretos ao produtor. Dos recursos financeiros obtidos junto a bancos públicos (cinco, no total), dois foram obtidos através do programa de custeio agrícola, outros dois por financiamentos comuns e um através da CPR (Cédula de Produtor Rural) Financeira.

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Tabela-13. Fonte dos recursos financeiros.

RECURSOS FINANCEIROS %

Empréstimos fornecidos pelas empresas agroprocessadoras 0

Recursos financeiros próprios 86,2

Empréstimos captados junto a bancos públicos 17,2 Empréstimos captados junto a bancos privados 3,5 Adiantamentos de insumos pelas agroprocessadoras 31,0

Outros

Empréstimos de fornecedores 3,5

Fonte: Pesquisa de campo. Elaboração própria.

De fato, os dados do IBGE quanto ao custeio agrícola comprovam a pouca utilização dessa modalidade de crédito na lavoura de tomate. Como podemos observar na tabela 14, o número de contratos realizados não é tão significativo e teve um decréscimo acentuado, em torno de 50%. O total da área financiada foi de 1.182 ha no ano de 1999; de 1028 ha no ano de 2000 e de 648 ha no ano de 2001. Isso representa uma área média por contrato de 32,8 há, 35,5 ha e 43,2 ha, respectivamente.

Tabela-14. Goiás: Crédito de custeio concedido a produtores e cooperativas para a lavoura de tomate.

(em nº de contratos)

1999 2000 2001

Tomate Rasteiro 36 29 15

Fonte: IBGE

A alta rentabilidade da lavoura de tomate garante uma certa capitalização ao produtor, o que o leva a prescindir dos empréstimos bancários, privados ou públicos. Devemos, no entanto, tomar um certo cuidado quanto à relativa autonomia apresentada pelo produtor quanto aos recursos de custeio da safra de tomate. Alguns produtores chegaram a afirmar que grande parte dos produtores (embora não se incluíssem nessa situação) aderia a relações contratuais porque não tinha acesso ao crédito público, dado que estavam inadimplentes. De fato, com exceção dos produtores de tomate contratados pela empresa Olé, de um contratado pela BRASFRIGO e um de propriedade jurídica, os demais

produtores não utilizam recursos financeiros das instituições de crédito. Alguns, ao responderem a esse item, declararam não existirem créditos disponíveis, quando, na verdade, o agente financeiro do Estado, o Banco do Brasil, possui uma linha de crédito para o custeio de safra. Existem, ainda, outras modalidades de financiamento alternativas, por exemplo, a CPR (Cédula do Produto Rural), utilizada pelo contratado da BRASFRIGO. A produção de tomate seria então uma alternativa viável de obtenção de renda e uma oportunidade de capitalização. Isso acontece não apenas na cultura de tomate, mas também em outras culturas realizadas por contratos, tais como a de milho doce, além de outras em ascensão, como as culturas de campo-semente (milho ou soja).