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Natureza jurídica da legitimidade ativa

CAPÍTULO VI LEGITIMAÇÃO PARA AGIR

4. Natureza jurídica da legitimidade ativa

À época da edição da Lei da Ação Civil Pública havia duas teorias sobre a natureza jurídica da legitimação ativa.

A primeira, defendida por BARBOSA MOREIRA268 admitia a possibilidade de tutela jurisdicional dos direitos metaindividuais, independentemente de expressa autorização da lei processual.

A outra teoria, preconizada por KAZUO WATANABE269, admitia “uma legitimação ordinária por parte das entidades criadas no seio da sociedade (corpos intermediários) com a finalidade de defesa de direitos superindividuais”.

Uma terceira teoria, introduzida por

NELSON NERY JÚNIOR270, com supedâneo na doutrina alemã,

268José Carlos BARBOSA MOREIRA solidificou sua teoria na lição de Arruda Alvim, segundo a

qual: “a possibilidade de legitimidade extraordinária não se sujeita a uma permissão expressa da lei, mas pode ser inferida do ordenamento jurídico enquanto sistema” (“A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela dos chamados “interesses difusos”, cit., p. 111).

269“Tutela jurisdicional dos interesses difusos: a legitimação para agir” in A tutela dos interesses

difusos, São Paulo, Max Limonad, 1984, pp. 85-97.

270“A doutrina alemã vem distinguindo os casos de substituição processual determinados pela lei

das hipóteses de ações de classe. Na substituição processual, o substituto busca defender direito alheio de titular determinado, enquanto que nas ações coletivas o objetivo dessa legitimação extraordinária é outro, razão pela qual essas ações têm de ter estrutura diversa do regime da substituição processual” (Nelson NERY JÚNIOR, Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 628; idem, “Aspectos do processo civil no Código de Defesa do Consumidor” in Revista de Direito do Consumidor volume 1, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 209; idem, Princípios do processo civil na Constituição Federal, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 108).

admite haver uma legitimação autônoma para a condução do processo271, de modo que não se há falar na clássica divisão da legitimação em ordinária e extraordinária.

A expressão “autonomia”, ao que nos parece, objetiva distinguir a legitimidade processual da titularidade do direito material contido no processo. Essa questão foi claramente

abordada por TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER272, RODOLFO

DE CAMARGO MANCUSO273. RICARDO DE BARROS LEONEL274

e VINCENZO VIGORITTI275.

Por fim, uma quarta teoria, que considero a mais adequada, foi inaugurada por THEREZA ALVIM276, a qual

271Ensina Sérgio SHIMURA que “ partindo do esquema processual tradicional, pode-se afirmar

que, nas ações coletivas que tenham por objeto a proteção de direitos difusos e coletivos, a legitimação de tais entes é ordinária, que agem com legitimidade para condução autônoma do processo” (Tutela coletiva e sua efetividade, cit., p. 53).

272“Alterou-se, assim, o conceito clássico de legitimidade, que pressupunha haver uma

coincidência entre a titularidade da relação jurídica de direito material posta sob a análise do Judiciário e a titularidade da relação jurídica de direito processual, ou seja, aquele que, no plano do direito material, tivesse contratado seria quem teria, agora, legitimidade para figurar num dos pólos da relação jurídica de direito processual em que se discutisse a validade daquele mesmo contrato. Esse mecanismo de estabelecimento do fenômeno legitimidade, ad causam e ad processum, só poderia ser quebrado em face de disposição legal expressa de caráter absolutamente excepcional (art. 6º do CPC). Todavia, a regra, quando se fala em interesses supra individuais é a de que haja justamente certa dissociação entre os antigos conceitos de legitimidade ad causam e ad processum. Assim, se de acordo com o sistema individualista do CPC, tenha legitimidade para figurar no processo (legitimatio ad processum) exata e precisamente aquele de quem era a legitimidade ad causam justamente por isso, agora, no sistema das ações supra- individuais não ocorre isto” (“Apontamentos sobre as Ações Coletivas”, cit., p. 279).

273

Interesses difusos: conceito e legitimação para agir, cit., pp. 129, 130, 133 e 134.

274

Manual do processo coletivo, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 159.

275

“A exigência de garantia que, nas situações individuais, vem satisfeita pela rigorosa correlação entre a titularidade da situação de vantagem e a legitimação para deduzi-la em juízo assume um conteúdo diverso nas situações coletivas, nas quais tal correlação não somente é desnecessária como pode até mesmo ser contraproducente” (Interessi collettivi e processo - la legittimazione ad agire, Milano, Giuffrè, 1979, p. 100-6).

276O direito processual de estar em juízo, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 118

observa que “a lei da ação civil pública, seguida pelo Código de Defesa do Consumidor, são exemplos de legislação com a finalidade precípua de propiciar a efetividade do processo e a facilitação do acesso à justiça, daí por que esses novos institutos jurídicos nem sempre apresentam as mesmas características daqueles previstos pelo direito processual civil. Assim, a legitimação prevista no art. 5º, LACP, não se enquadra na legitimação ordinária. Cuida-se de legitimação própria (ou

legitimação coletiva), ou, sendo o Ministério Público, legitimação

coletiva institucional”277.

É importante frisar que “os legitimados pelo artigo 82 agem ex lege, independentemente de autorização daqueles em cujo benefício agem, mas o fazendo no interesse destes (ou seja, no interesse alheio); ou, agem em seu próprio nome, mas em função de um interesse que não lhes é pessoal ou patrimonial, direta ou indiretamente”278.

Conclui-se, portanto, que somente os entes elencados pelos artigos 82 do Código de Defesa do Consumidor e 5º da

277“Assim, não há falar em legitimidade ordinária ou extraordinária, eis que a noção de

titularidade da relação jurídica material vem à reboque. Antes, parece-nos especialmente profícua a utilização da teoria das partes em razão do cargo (Parteien kraft Amtes) para um adequado enquadramento dogmático da legitimidade para agir do Ministério Público no âmbito de direitos metaindividuais” (Luciano Velasque ROCHA, Ações coletivas – O problema da legitimidade para agir, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2007, p. 151).

278ARRUDA ALVIM, Thereza ALVIM, Eduardo Arruda ALVIM e James MARINS, Código do

Lei da Ação Civil Pública, no plano da ação coletiva, possuem legitimidade ativa279.

Quanto às ações coletivas em defesa de direitos individuais homogêneos, a maioria dos doutrinadores considera hipótese clássica de legitimação extraordinária, ainda mesmo aqueles autores que admitem ser a legitimidade ordinária, nos casos de ação coletiva em defesa de direitos metaindividuais (difusos e coletivos)280.

Em que pese a posição sustentada pelos doutos autores, não percebemos qualquer diferença entre as ações coletivas que defendem direitos metaindividuais e aquelas propostas à título de defesa dos direitos individuais homogêneos. Em todas as hipóteses, há, de um lado, um titular (comunidade, coletividade ou conjunto de vítimas, que se afigure o direito difuso, coletivo ou individual homogêneo) e, de outro lado, um legitimado (quer os elencados no artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública, quer aqueles indicados no artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor)281.

279“De um lado a lei somente a estes conferiu legitimidade, e de outra parte, inibiu que um

indivíduo pudesse ter legitimidade para a ação coletiva, que se restringe àqueles nominados taxativamente, ou seja, às hipóteses do artigo 82, tendo em vista as ações a que se alude no art. 81 (Ibidem, p. 361).

280Considerando haver legitimidade ordinária nas ações coletivas em defesa de direitos difusos e

coletivos e legitimidade extraordinária clássica nas ações coletivas em defesa de direitos individuais homogêneos: Ada Pellegrini GRINOVER e Kazuo WATANABE, Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 2ª edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1992, pp. 553 e 541, Rodolfo de Camargo MANCUSO, Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, cit., p. 313 e Sérgio SHIMURA, Tutela coletiva e sua efetividade, cit., p. 53.

281“A divergência deriva do fato de que aqueles que consideram a ação coletiva em defesa de

direitos individuais homogêneos como exemplo de legitimidade extraordinária não vêem como titular desse direito o conjunto de vítimas indivisivelmente considerado, mas cada um das vítimas como titular do seu direito individual. Ainda assim, ad argumentandum, ação coletiva em defesa

Ainda, no que se refere às ações que tutelam direitos individuais homogêneos, consoante o Código de Defesa do Consumidor, “os particulares podem, por assim dizer, “aderir”, e o CDC chama esta figura de litisconsórcio. No nosso entender, todavia, apesar da dificuldade antes ventilada, relativa ao “transplantar” instituto do sistema do CPC para as ações coletivas, parece que se trataria de uma figura quiçá mais próxima à do assistente litisconsorcial, uma vez que é seu o direito sobre o qual se discute, mas ele, enquanto particular, não pode formular pretensão (como um litisconsorte poderia)”282-283.

O artigo 91 do Código de Defesa do Consumidor, para muitos autores, constitui uma hipótese de legitimação extraordinária, na medida em que preceitua que “os legitimados de que trata o art. 81 (na verdade, artigo 82) poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com

de direitos individuais homogêneos não poderia ser considerada como exemplo de legitimidade extraordinária. Isso porque é regra da substituição processual, e mesmo sua própria razão de ser, suprimir a possibilidade de o substituído ir novamente a juízo, dado que já foi atingido pela autoridade da coisa julgada material. E isso, manifestamente, não ocorre no caso da ação coletiva em defesa de direito individual homogêneo, pois as vítimas poderão propor a sua ação individual, independentemente da improcedência da ação coletiva” (Antônio GIDI, Coisa Julgada e Litispendência em Ações Coletivas, cit., pp. 43/44).

282Teresa Arruda Alvim WAMBIER, “Apontamentos sobre as Ações Coletivas”, cit., p. 279

.

283“É apenas possível, na hipótese do art. 94, que a vítima ou sucessor atue como “litisconsorte”,

mas, em verdade, essa atuação mais se aproxima da figura do assistente litisconsorcial e, particularmente, tendo em vista o direito material, pois que os benefícios neste existentes podem ser alcançados pela procedência, quer no plano da ação coletiva, como, igualmente, no da ação individual” (ARRUDA ALVIM, Thereza ALVIM, Eduardo Arruda ALVIM e James MARINS, Código do Consumidor Comentado, cit., nota 32, p. 358).

o disposto nos artigos seguintes”284. Contudo, ao que nos parece, a legitimação aqui, também, não pode ser analisada com base nas categorias tradicionais do processo civil.

A legitimação deste dispositivo refere-se à ação coletiva de responsabilidade civil, por danos individualmente sofridos, mas tão somente nas hipóteses de danos individuais considerados homogeneamente (art. 81, parágrafo único, inciso III do Código de Defesa do Consumidor). Assim, a legitimação, in casu, também é própria (legitimação coletiva).