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NATUREZA JURÍDICA DA ISENÇÃO

Edvaldo Brito leciona que o Código Tributário Nacional (art. 175, I) conceitua a isenção como exclusão de crédito tributário (art. 175, I), pressupondo, portanto, o nascimento da obrigação tributária e a prerrogativa do titular do direito ao crédito respectivo de liberar o devedor de seu pagamento. Segundo assevera, essa definição dogmática é confirmada pela Constituição, que defere apenas ao titular do crédito tributário a faculdade de liberação do sujeito passivo (art. 151, III).312 A doutrina, entretanto, não é uníssona quanto natureza jurídica da isenção.

312 BRITO, Edvaldo. Direito tributário: imposto, tributos sinalagmáticos, contribuições, preços e tarifas,

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Rubens Gomes de Sousa313 entende, filiado à teoria tradicional, que esse poder se restringe à dispensa do pagamento do tributo devido, após o surgimento da obrigação tributária. Esse também é o posicionamento de Bernardo Ribeiro de Moraes314, para quem a isenção pressupõe o nascimento da obrigação tributária. O instituto seria, assim, uma espécie de favor legalmente autorizado. Essa posição é seguida por Amílcar de Araújo Falcão315, quem afirma que por motivos relacionados à capacidade contributiva do contribuinte ou às questões extrafiscais, o débito tributário torna-se inexigível.

Alfredo Augusto Becker316 defende, questionando a posição clássica, que a isenção não se trata de uma simples dispensa de pagamento do tributo, após a formação da relação jurídico- tributária, pela incidência do fato à hipótese de incidência. Para o autor, quando há isenção não é possível se falar em obrigação tributária, uma vez que para que essa nasça faz-se necessário que estejam presentes todos os elementos que compõem a hipótese de incidência.317 Conclui, portanto, que a “[...] regra jurídica que prescreve a isenção, em última análise, consiste na formulação negativa da regra jurídica que estabelece a tributação.”

José Souto Maior Borges, defensor da isenção como uma hipótese de não incidência tributária, foi quem melhor aprofundou os estudos sobre a matéria.318 Ao traçar um paralelo com a imunidade tributária, que conforme leciona trata-se de hipótese de não-incidência constitucionalmente qualificada. Maior Borges rechaçou a distinção entre não incidência e isenção e consolidou o entendimento de que a isenção se configura como hipótese de não incidência legalmente qualificada.319

Malgrado reconheça a importância da obra de Souto Maior Borges, Fábio Fanucchi discorda da conclusão do jurista acerca da natureza jurídica da isenção. Conforme destaca, à luz do art. 175 do Código Tributário Nacional que estabelece a isenção como causa de exclusão

313 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. 4. ed. póstuma. São Paulo, SP: Resenha

Tributária, 1982. p. 77.

314 MOARES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e prática do imposto sobre serviços. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1975, p. 565-566.

315 FALCÃO, Amílcar de Araújo. O Fato gerador da obrigação tributária. p. 118

316BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 6ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 326-327. 317 Alfredo Augusto Becker afirma que a hipótese de incidência é composta de um núcleo, que corresponde à base

de cálculo do tributo, elementos adjetivos do núcleo, de diversas naturezas e coordenadas de tempo e lugar. In: BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 6ª ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 350-351.

318 Nesse sentido vide Aliomar Baleeiro. In: BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. atl. Misabel

Derzi, 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 1341.

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do crédito tributário, torna-se difícil sustentar que se trate de hipótese de não incidência da norma, portanto, impeditivo ao surgimento da obrigação tributária.320

Filiados à tese de Souto Maior Borges, Misabel Derzi321 e Luís Eduardo Shoueri322 explicitam, inclusive, que a interpretação do art. 114 do Código Tributário Nacional conduz à conclusão de que ocorrido o fato jurídico tributário, nasce a obrigação; sendo incoerente se pretender que ocorrido o fato seja necessário se obter outra fundamentação para a tributalidade.

Seguindo essa mesma direção, mas fazendo uma distinção entre regras de comportamento e regras de estrutura, Paulo de Barros Carvalho323 afirma que a regra de isenção é uma regra de estrutura que “mutila” a regra-matriz de incidência, regra de conduta, de modo a inibir a sua funcionalidade.324

Luís Eduardo Shoueri325 destaca que as discussões doutrinárias acerca da natureza da isenção possuem relevância prática na medida em que, a depender a da teoria sustentada, aplica- se ou não o princípio da anterioridade em caso de revogação da isenção.

De acordo com o seu entendimento, para aqueles que se filiam à tese de que a isenção se trata de mera dispensa de pagamento do tributo, não há que se aplicar o princípio da anterioridade em caso de sua revogação, exceto na situação de isenção onerosa. Isso porque, sendo apenas uma dispensa de pagamento, se compreende que houve a incidência da hipótese tributária sobre o fato e, portanto, já existia a obrigação de pagar tributo anteriormente à revogação da isenção.326

Se por outro lado, compreende-se a revogação da isenção como nova incidência, por outro, Schoueri afirma ser imperativa a aplicação do princípio da anterioridade independentemente do tipo de isenção.

320 FANUCCHI, Fábio. Curso de direito tributário brasileiro. 3. ed. V. I. São Paulo: Resenha Tributária. 1975,

p. 371.

321 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. atl. Misabel Derzi, 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013,

p. 1344.

322 SHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 703.

323 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 301-305 e 328-

329.

324 Conforme Paulo de Barros Carvalho, as regras de comportamento se referem às espécies tributárias de

incidência. As regras de estrutura prescrevem o relacionamento que as normas de conduta devem manter entre si. In: CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 301.

325 SHOUERI, 2016, p. 706. 326 SHOUERI, 2016, p. 707.

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O Supremo Tribunal Federal ao longo de sua história adotou a tese doutrinária na qual a isenção representa uma dispensa legal de tributo e, portanto, desde que não seja onerosa, pode ser livremente revogada com efeitos imediatos.327 Em 2014, a sua 1ª Turma concluiu, entretanto, sob a Relatoria do Ministro Marco Aurélio, sem se desvincular por completo da teoria clássica da isenção, que a revogação da isenção, por se tratar de aumento indireto de tributo, impõe o cumprimento à anterioridade, para se evitar que o contribuinte seja surpreendido com o aumento repentino de uma exação.328

A posição adota pela 1ª Turma do STF no caso acima citado possui bastante relevância na medida em que salvaguarda princípios fundamentais do contribuinte, ainda que se adote a tese de que previamente à concessão da isenção há o surgimento da obrigação tributária, sendo essa, portanto, uma dispensa legal ao pagamento do tributo.

327 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 615 do STF. O princípio constitucional da anualidade (§ 29 do

art. 153 da Constituição Federal) não se aplica à revogação de isenção do ICM. In: ____ Súmulas Resumidas. Brasília, 2017, p. 94.

Isenção e não- incidência de impostos. A revogação do favor legal restaura para o Fisco a faculdade de exigir tributo preexistente, não se deparando assim a hipótese do art. 141 § 34 da Constituição. - Desprovimento do apêlo extremo.

(RMS 13947, Relator(a): Min. PRADO KELLY, Terceira Turma, julgado em 17/05/1966, DJ 16-11-1966 PP- 03996 EMENT VOL-00674-01 PP-00199)

EMENTA: Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 3º da Lei nº 15.747, de 24 de dezembro de 2007, do Estado do Paraná, que estabelece como data inicial de vigência da lei a data de sua publicação. 3. Alteração de dispositivos da Lei nº 14.260/2003, do Estado do Paraná, a qual dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA. 4. Alegada violação ao art. 150, III, alínea "c", da Constituição Federal. 5. A redução ou a extinção de desconto para pagamento de tributo sob determinadas condições previstas em lei, como o pagamento antecipado em parcela única, não pode ser equiparada à majoração do tributo em questão, no caso, o IPVA. Não-incidência do princípio da anterioridade tributária. 6. Vencida a tese de que a redução ou supressão de desconto previsto em lei implica, automática e aritmeticamente, aumento do valor do tributo devido. 7. Medida cautelar indeferida. (ADI 4016 MC, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2008, DJe-075 DIVULG 23-04-2009 PUBLIC 24-04-2009 EMENT VOL-02357-01 PP- 00047 RDDT n. 165, 2009, p. 187-193)

328 IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – DECRETOS Nº 39.596 E Nº

39.697, DE 1999, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL – PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE – DEVER DE OBSERVÂNCIA – PRECEDENTES. Promovido aumento indireto do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150, da Carta. Precedente – Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.325/DF, de minha relatoria, julgada em 23 de setembro de 2004. MULTA – AGRAVO – ARTIGO 557, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Surgindo do exame do agravo o caráter manifestamente infundado, impõe- se a aplicação da multa prevista no § 2º do artigo 557 do Código de Processo Civil. (RE 564225 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-226 DIVULG 17-11-2014 PUBLIC 18-11-2014)

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