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CAPÍTULO 1 – Pedagogia para a autonomia, leitura extensiva e tecnologia ao

1.2.1. Natureza, propósitos e processos de leitura

“O verbo ler não suporta o imperativo. É uma aversão que compartilha com outros: o verbo “amar”… o verbo “sonhar” … É evidente que se pode sempre tentar. Vejamos: “Ama-me!” “Sonha!” “Lê!” “Lê, já te disse, ordeno-te que leias!”

- Vai para o teu quarto e lê! Resultado?

Nada.” (Pennac: 1992:11)

A forma como se processa o período de iniciação à leitura é extraordinariamente relevante na vida da criança, com repercussões na vida adulta. Para que este processo dê frutos e para que o aluno embarque numa jornada de leitura, agradável e proveitosa, ao longo da sua vida, é necessário criar uma atmosfera motivacional de envolvimento afectivo que sirva de pano de fundo ao seu contacto com a leitura.

A definição de leitura é frequentemente problemática, nomeadamente porque a leitura não é um processo simples e linear de fácil definição. Grabe e Stoller (2002: 9), numa possível definição de leitura, afirmam: “Reading is the ability to draw meaning from the printed page and interpret this information appropriately”. No entanto, esta definição pode estar incompleta, quando se reconhece a leitura como um processo cognitivo, que acontece em função de factores situacionais diversos e em que a capacidade de extrair e de interpretar significados de um texto depende, desde logo, da proficiência linguística do leitor.

Quando se fala de leitura, é necessário distinguir alguns conceitos importantes como capacidade de leitura, objectivos de leitura, actividades de leitura e desempenho de leitura. O grau de sucesso da actividade de leitura traduz-se no desempenho. A actividade consiste no conjunto de acontecimentos que se passam no cérebro e no sistema cognitivo que o cérebro suporta, bem como nos órgãos sensoriais e motores. A capacidade surge como o conjunto de recursos mentais que mobilizamos ao ler. São objectivos a compreensão do texto escrito e/ou a fruição de uma impressão estética. Parece então poder afirmar-se que “a leitura não atinge o seu objectivo sem compreensão, no entanto, os processos específicos da leitura não são os processos de compreensão, mas aqueles que levam à compreensão” (Morais, 1997: 112). Por outro lado, são diversificados os modos como cada leitor se envolve no acto de ler e os ganhos que daí pode retirar:

“The reading process can involve a learner in quietly and thoughtfully activating a whole understanding of vocabulary, syntax and grammar as well as world knowledge, and utilising more general metacognitive skills. It may be seen as a solitary activity, (although this is not at all necessarily always the case), and therefore might be more acceptable as a pathway towards greater self-direction. If a range both of texts and tasks is made available in a differentiated programme, a learner can make an individualised choice of content and have active control over the scale of progression in linguistic difficulty. The learner might also find in reading a convenient vehicle to practise self-evaluation.” (Hood, 2000: 40)

Tendo em consideração que cada leitor é único e que transporta consigo um conjunto de experiências e conhecimentos prévios ao acto de ler, abordando a actividade de leitura com as suas estruturas afectivas e cognitivas, a natureza da leitura prende-se com a interacção que existe entre leitor e texto num processo de leitura que se torna especialmente importante.

No entender de Dochy (cit. por Brink e Moreira, 2004: 84), o conhecimento prévio caracteriza-se por:

“The whole of a person’s actual knowledge: that is available before a certain learning task; that is structured in schemata; that is declarative and procedural; that is partly explicit and partly tacit; which contains content knowledge and metacognitive knowledge; which is dynamic in nature and part of the prior knowledge base, being the total collection of his prior knowledge.”

A investigação nesta área reconhece o facto de o conhecimento do leitor influenciar tanto o processo de leitura como o seu produto, sendo tarefa do leitor a atribuição de sentidos ao texto, baseando-se nos seus próprios conhecimentos. A leitura afigura-se assim como um processo de construção de sentidos, onde se reconhece o papel desempenhado pelas estruturas dos conhecimentos anteriores do sujeito no processamento da nova informação.

Segundo Vieira e Moreira (1994: 117) a autenticidade do acto de ler é resultante de “um maior envolvimento pessoal do aluno-leitor no acto interpretativo (…) [e] um posicionamento crítico do aluno-leitor face à tarefa de ler cria condições para a descoberta e monitoração das suas estratégias de leitura e do modo como evoluem”. Assim, estas autoras salientam que a avaliação da dimensão estratégica da leitura permite a identificação e resolução de problemas de compreensão, assumindo-se a leitura “como actividade com objectos, objectivos e processos próprios” (ibidem). No processo de leitura, os objectivos afectivos prendem-se com a auto-confiança e a motivação no desenvolvimento do interesse pela leitura, e os objectivos metacognitivos relacionam-se com o auto-conhecimento e a consciencialização da tarefa e das estratégias de leitura, tudo isto contribuindo para o desenvolvimento de uma função auto-reguladora nos alunos. Defendem ainda que deve ser dado aos alunos um papel de

maior intervenção, em que se posicionem como participantes activos e não meramente como objectos, através do desenvolvimento de estratégias pessoais de resolução de eventuais problemas de leitura, contribuindo para que a tarefa de auto-regulação seja o resultado de um “processo interactivo de negociação, facilitador da explicitação e compreensão de intenções”, onde “o professor assume uma função reguladora interpessoal, com o fim último de desenvolver uma função auto-reguladora nos seus alunos” (ibidem). Nesta linha de pensamento, são sugeridas actividades que possibilitem o desenvolvimento de planos estratégicos de leitura, a auto-gestão da selecção textual e, ainda, a organização de tarefas e regulação da compreensão.

Se, por um lado, se constata que a competência de leitura tem um carácter dinâmico e evolutivo, também se verifica que a capacidade interpretativa do leitor sofre variações em função dos contextos situacionais, sob a influência de factores como o conhecimento prévio e a motivação. Tendo em mente a noção de “bom leitor”, as referidas autoras transcrevem uma definição de leitura que, segundo as mesmas, “se enquadra numa perspectiva interactiva da leitura como prática comunicativa resultante da interacção leitor-texto-contexto” e que denota a natureza colaborativa do processo de ensinar e aprender a leitura:

“Compreensão da leitura – processo interactivo e pessoal de construção do significado do texto que se desenvolve através da formação e da testagem de hipóteses de interpretação do mesmo, e no qual estão implicados o leitor, o texto e o contexto. Assim, a compreensão surge como um resultado de uma interacção (1) das características cognitivas do leitor, nomeadamente, as suas ideias e experiências anteriores, o domínio que possui da língua, o seu conhecimento prévio do assunto do texto, assim como o seu objectivo e o repertório de estratégias de aprendizagem, incluindo estratégias metacognitivas, que conhece e sabe como, quando e onde utilizar; (2) das características do texto, isto é, o seu conteúdo, os conceitos que introduz, o seu formato gráfico, a organização das ideias e o objectivo do autor; (3) do contexto em que o texto é dado, o qual inclui não apenas as características socioculturais do leitor, mas também a tarefa específica de leitura.” (Gaspar, cit. por Vieira e Moreira, 1994: 110)

Relativamente às finalidades da leitura, as autoras supra citadas referem que é necessário, ao “didactizar a leitura”, ter em consideração “as consequências naturais da sua recontextualização com fins instrucionais”, já que “a avaliação da leitura nos moldes tradicionais tende a reflectir uma visão estática, limitada e até errónea, do acto de ler”, radicada em rotinas escolares onde os tipos de texto e de tarefas avaliativas propostas pelos professores podem transmitir aos alunos uma imagem distorcida do processo de leitura. Neste sentido, defendem uma mudança que implica “um alargamento do objecto da avaliação” que traduza “a natureza complexa e multifacetada do processo de leitura, nas dimensões cognitiva, metacognitiva e afectiva”, articulando

os princípios da autenticidade e da negociação e levando à promoção de aprendizagens significativas (ibidem).

Foi nesta perspectiva que ao longo da experiência pedagógica desenvolvida foi utilizado um instrumento de auto-regulação processual com o propósito de favorecer uma consciencialização crescente das várias componentes - cognitiva, metacognitiva e afectiva – do processo de leitura. Pretende-se que o aluno obtenha uma imagem dinâmica do seu processo individual de leitura, através da confrontação sistemática entre o que faz e o que pode ou deve fazer. O instrumento destina-se a ser usado pelos alunos para monitorar o seu desempenho na leitura e para desenvolver competências de auto-regulação da aprendizagem, no âmbito do aprender a aprender, funcionando como guia de aprendizagem e de desempenho pessoal, com fins de avaliação formativa. Na opinião de Vieira e Moreira (1994: 125), a sistematicidade do uso deste tipo de instrumentos “optimiza as vantagens que apresentam: na consciencialização crescente do aluno face ao seu processo de leitura, na negociação da avaliação do desempenho com o professor e na verificação das dificuldades e do progresso obtido”. Segundo as referidas autoras, esta metodologia “facilita o desenvolvimento progressivo de capacidades de descrição e interpretação do (s) modo(s) de (aprender a) ler, facilitando a planificação, regulação e avaliação desse processo, num sentido formativo autonomizante” (op. cit.: 122).

“Aprender a aprender” a ler passa pelo desenvolvimento de competências como questionar, pesquisar, seleccionar criticamente e organizar a informação, auto-regular estratégias de leitura. O papel do professor será gerir a diversidade de competências da turma e apoiar o desenvolvimento individualizado de competências. No âmbito da diferenciação pedagógica, Perrenoud (1997: cit. por Peixoto, 2008: 16) afirma que diferenciar é “romper com a pedagogia magistral – a mesma lição para todos ao mesmo tempo – mas é sobretudo uma maneira de pôr em funcionamento uma organização de trabalho que integre dispositivos didácticos, de forma a colocar cada aluno perante a situação mais favorável.” Cremos que a promoção da auto-regulação da leitura favorece este propósito, possibilitando a cada aluno aprender em função das suas potencialidades.