• Nenhum resultado encontrado

Necessidade de representação e a possibilidade de renúncia

2. BREVE HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

4.3 Necessidade de representação e a possibilidade de renúncia

A Lei nº 11.340/2006, responsável por introduzir um sucedâneo robusto de alterações, trouxe à baila a admissão da “renúncia à representação” até que haja recebimento da denúncia. Contudo, ao examinar tal fato, imprescindível se faz pontuar que surgem questionamentos e dúvidas sobre o significado exato da expressão ora aludida. A celeuma se estrutura na premissa que o texto legal

64 BRASIL. Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Brasília, 2007, p. 3

65

Legislação criminal especial,- São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2009 – Coleção ciências criminais; 6 coordenação Luiz Flávio Gomes, . p.1065.

66

DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na Justiça. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.p. 202.

consagra em sua redação o vocábulo, quando, na verdade, deveria empregar o termo retratação à representação67, já que uma renúncia poderia ocorrer antes de que haja o exercício do direito à representação.

Existem autores que apontam tal fato como uma falha na lei, já que renunciar tem sentido de não exercer o pleno direito da representação e, sem representação, não existe inquérito policial e nem a oportunidade de o Ministério Público oferecer denúncia.68 Nesse sentido, a Lei estabelece que a renúncia à representação só poderá se dar perante o juiz, consoante o artigo 16 da referida Lei.69 As retratações ocorridas em delegacia não terão êxito se não forem feitas em juízo.

Poderá o Ministério Público prosseguir com o devido processo penal, se a vítima não comparecer em juízo. É de grande relevância essa alteração, pois tanto o juiz como o Órgão Ministerial têm capacidade para conscientizar a vítima acerca da proteção albergada no bojo da Lei Maria da Penha, bem como aclarar dúvidas que possibilitem o prosseguimento do processo.

Ademais, há que se frisar que a continuidade da ação penal, por parte da representação da vítima, permite ao autor do fato um acompanhamento multidisciplinar, com psicólogos e terapeutas, a fim de prevenir futuras agressões e conscientizá-lo das consequências advindas de seus atos70. Maria Berenice Dias, ao abordar a retratação, na seara da Lei Maria da Penha, destaca, com ênfase, que:

A importância da retratação em juízo se dá com o intuito de verificar se a ofendida está sofrendo algum tipo de pressão, tendo em vista que sua decisão deve ser voluntária e espontânea. Em muitas situações, após sofrer inúmeros atos de violência, a vítima se retrata da representação e foge para

67 BASTOS, Marcelo Lessa. Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – “Lei Maria da Penha” - Alguns Comentários. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br>. Acesso em: 14 nov. 2011, p. 21.

68 DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na Justiça. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 146

69

BRASIL. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência

doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 03 nov. 2011. 70 DIAS, 2010, p. 178.

local incerto; nesta situação, se a vítima não comparecer em juízo para confirmar a retratação á representação e houver prova suficiente da prática do delito será possível o ajuizamento da ação penal.71

Insta salientar que as vítimas de violência doméstica retiram, comumente, não dão prosseguimento ao processo criminal, em razão do temor das consequências que podem se seguir. Ao lado disso, faz-se mister destacar que o sentimento de vergonha, dependência econômica, descrédito com a justiça e a falta de apoio atuam como instrumentos capazes de minar, ainda que paulatinamente, a vontade da vítima em prosseguir com o processo em face de seu algoz. Muitas das vítimas sentem-se culpadas, porque verificam que a situação a que são submetidas é, cada vez mais, banalizada, passando a figurar, perante a sociedade, não mais como a vítima que merece o amparo e a proteção das condutas a que são condicionadas, mas sim rés. Havendo a reconciliação do casal e informando a vítima o interesse de se retratar, o juiz deve designar audiência para ouvi-la na presença do representante do Ministério Público72.. Mesmo que seja feito acordo referente às questões geradoras do conflito como guarda de filhos, alimentos, visitação e partilha de bens, para desistir da representação é indispensável que a mulher seja ouvida pelo juiz e pelo Ministério Público e sem a presença do agressor73.

Trata-se de mecanismo importante para que a vítima manifeste seus reais interesses, de forma que a presença do agente perpetrador não venha causar temor

71 ALMEIDA, Luciana Costa dos Santos, Retratação na Lei Maria da Penha: A busca pela

preservação da harmonia familiar, Disponível em: http://www.ambito-

juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7241, Acesso em: 13 nov.2011

72 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Processo Penal. Lei Maria da Penha. Crime de Lesão Corporal Leve. Ação Penal Pública Condicionada à Representação da Vítima. Audiência Especial. Retratação. Agravo Desprovido. 1. A ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública condicionada à representação da vítima.2. Nos termos do art. 16 da Lei Maria da Penha, a retratação da ofendida somente poderá ser realizada perante o magistrado, o qual terá condições de aferir a real espontaneidade da manifestação apresentada. 3. Na espécie, tendo sido regularmente realizada a audiência especial em que a ofendida, espontaneamente, retratou-se, inviável o início da ação penal, haja vista a inexistência de condição necessária de procedibilidade. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. Acórdão em Agravo Regimental no Recurso Especial Nº. 1050353. Órgão Julgador: Quinta Turma. Relator: Ministro Jorge Mussi. Julgado em 14.09.2010. Publicado no DJe em 04.10.2010. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/>. Acesso em: 25 set. 2011.

ou mesmo embarace a vítima em dar prosseguimento ao processo A mens legis da referida norma visa dificultar a retratação (renúncia) da representação, com o escopo de assegurar a completa e plena independência da decisão da vítima. Isto é, a retratação da representação foi emoldurada com a máxima formalidade, podendo ser realizada apenas na presença do juiz, em audiência designada especialmente para esse escopo, após a oitiva do representante do Ministério Público.

Apesar de que, seja uma possibilidade da vítima voltar atrás na sua representação, a Lei impede a retratação após o oferecimento da denúncia. Tem como finalidade este limite fiscalizar a vontade da ofendida, evitando que a retratação aconteça por interferência e força do agressor74. Aludido ato tem por objetivo primordial preservar a veracidade e a espontaneidade da manifestação da vontade da vítima, impedindo que esta exerça a retratação em virtude de coação do ofensor.

Documentos relacionados