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4 PROBLEMATIZAÇÕES E ASPECTOS TEÓRICOS DO INSTITUTO DA

4.6 Necessidade de lei autorizadora

Para Oliveira (2015, p. 252), afirmando pela compatibilidade da transação com o princípio da legalidade, apesar da maior liberdade que terá a Administração em comparação aos atos unilaterais que profere, assevera, entretanto, que “essa liberdade estará sempre pautada por parâmetros estabelecidos em lei.”

Entretanto, se “[...] a lei fosse a fonte imediata de todas as obrigações, todas as demais normas jurídicas perderiam razão de ser” (MACHADO; MACHADO SEGUNDO, 2010, p. 14). Estes autores com essa constatação afirmam que as obrigações tributárias encontram-se dentro das obrigações legais, e não contratuais, ou seja, que a obrigação tributária nasce da lei. Dispõe depois que:

A vontade do sujeito passivo da obrigação tributária na verdade é inteiramente irrelevante em sua formação. Ocorrido o fato que a lei define como gerador da obrigação tributária essa obrigação surgirá. Mesmo quando o seu sujeito passivo nem tivesse conhecimento de que o fato ao qual se ligou faria nascer tal obrigação. Assim, por exemplo, se compro um automóvel sem sequer saber que existe o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, nasce a obrigação tributária do qual sou o sujeito passivo e, em razão dela, sou obrigado a pagar o referido imposto. (MACHADO; MACHADO SEGUNDO, 2010, p. 15)

Segundo o professor Juraci Mourão Lopes Filho (2011, p. 142), ao dispor sobre o princípio da legalidade, estabelece o seguinte:

Deve ser advertido, porém, que aqueles Āprincípios constitucionais tributáriosā(no sentido de normas nucleares do Sistema Tributário Nacional) que têm estrutura de regras não podem entrar nessa ponderação legislativa ou judicial pelas razões já expostas. Legalidade, vedação do confisco, anterioridade, competência, entre outros, não podem ser ponderados, embora a definição de seus alcances demande a categorização (definitional balacing). A legalidade desempenha papel fundamental no sistema tributário, especialmente porque veiculada por regra. Uma ponderação substitutiva feita pelo intérprete/aplicador jamais poderá ensejar aumento e instituição de tributo, sendo tal proibição inviável de ser ponderada. Assim, embora seja válida uma ponderação ad hoc direta dos princípios constitucionais para controle da legalidade da regra legislativa, ela jamais poderá substituir o papel do legislador reservado pela legalidade.

Logo, pelo que estabelece o autor acima, o princípio da legalidade não poderia ser ponderado pelo intérprete ou aplicador da norma. De igual modo, não poderia, por esse entendimento, o aplicador de um dispositivo de uma lei transativa aplicar o seu juízo de valor para ir além do que fora estabelecido por essa lei para atender a outros princípios que, para ele, seria pertinente no caso concreto, seja para arrecadar mais do que o dispositivo permite seja para reduzir o montante aquém do permitido por lei.

Humberto Ávila afirma o seguinte:

Examine-se o dispositivo constitucional segundo o qual é exigida lei em sentido formal para a instituição ou aumento de tributos. É plausível examiná-lo como regra, como princípio e como postulado. Como regra, porque condiciona a validade da criação ou aumento de tributos à observância de um procedimento determinado que culmine com a aprovação de uma fonte normativa específica – a lei. Como

princípio, porque estabelece como devida a realização dos valores de liberdade e de

segurança jurídica. E como postulado, porque vincula a interpretação e a aplicação à lei e ao Direito, preexcluindo a utilização de parâmetros alheios ao ordenamento jurídico.

[...]

Nessa hipótese, a própria previsão do comportamento termina por via oblíqua, preservando um valor que se torna autônomo, e passa a exigir a adoção de outros comportamentos de forma independente. Pode-se afirmar que, ao condicionar a instituição de tributos à publicação de uma lei (art. 150, I), a Constituição Federal estabeleceu um âmbito de livre iniciativa que deve ser promovido pelo legislador pela permissão de comportamentos que sejam necessários à sua promoção, como, por exemplo, a permissão de planejamento tributário.(2004, p. 60-62)

Assim, por esse ponto de vista, a legalidade seria considerada também um princípio, podendo ser ponderado no caso concreto e possibilitando dar ao valor liberdade âmbito de validade no Direito Tributário, não só ao permitir comportamentos que permitam o planejamento tributário, mas também à transação.

O STF, no dia 19 de outubro de 2016, fixou a seguinte tese no RE 838284-SC de relatoria do Ministro Dias Toffoli:

O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, fixou tese nos seguintes termos: “Não viola a legalidade tributária a lei que, prescrevendo o teto, possibilita o ato normativo infralegal fixar o valor de taxa em proporção razoável com os custos da atuação estatal, valor esse que não pode ser atualizado por ato do próprio conselho de fiscalização em percentual superior aos índices de correção monetária legalmente previstos”.

Assim, o STF acabou criando mais uma exceção ao princípio da legalidade, além daqueles previstos na Constituição no art. 153, §1º, possibilitando que a lei fixe o valor máximo da taxa, e a Administração Pública, no caso concreto, possa averiguar qual o valor que entenda devido. Isso mostra que o Supremo não mais compactua com a legalidade ortodoxa, absoluta, permitindo que sejam aplicados critérios de proporcionalidade e razoabilidade para definir o quantum debeatur deve ser pago pelo contribuinte. Logo, a transação administrativa concretamente especificada em lei, por essa lógica, poderia ser viável. Entretanto, segue-se nesse trabalho o referencial teórico de que é importante que a lei tenha um caráter vinculante para a autoridade administrativa, trazendo parâmetros seguros para não ferir o princípio da isonomia tributária.

A necessidade de que seja por meio de lei que a transação em direito tributário aconteça, Oliveira (2015, p. 136), por exemplo, expõe esse entendimento da seguinte forma: “E a razão é simples: se o tributo foi criado por lei, como expressão do consentimento popular, parece lógico que somente outra manifestação desse gênero possa permitir que sejam efetuadas concessões a seu respeito.”

Já Heleno Taveira Torres (2002, p. 56), afirmando pela possibilidade da atividade discricionária da autoridade administrativa, esclarece:

No campo da aplicação, nada impede que a lei possa qualificar, dentro de limites e no atendimento do interesse coletivo, os melhores critérios para constituição, modificação ou extinção do crédito tributário, inclusive os meios de resolução de conflitos, vinculativamente e com espaço para discricionariedade, no que couber, visando a atender à praticabilidade, economicidade, celeridade e eficiência da Administração Tributária.

Questão que se coloca na doutrina é se a lei autorizadora, pressuposto da transação segundo o art. 171 do CTN, seria lei genérica ou específica. Para Luís Eduardo Schoueri:

[...] muito se tem discutido, recentemente, acerca da possibilidade de o legislador admitir, de forma geral, a transação em matéria tributária. [...] A transação em matéria tributária deve ser autorizada por lei. Esta deve especificar qual a matéria litigiosa a qual se aplicará a transação e suas condições. (2013, p. 565)

Em sentido inverso, Oliveira afirma que:

“A despeito dos posicionamentos de escol em sentido contrário, parece que a lei a que se referiu o legislador ao tratar da transação tributária é genérica. Primeiro, porque realmente exigir uma lei para cada caso concreto de transação significaria dificultar (senão inviabilizar) a transação em matéria tributária, tornando letra morta o disposto no art. 171 do CTN. Segundo, em razão de uma interpretação histórica e teleológica do referido dispositivo: o art. 210 do anteprojeto do CTN elaborado por Rubens Gomes de Sousa previa que a lei tributária poderia autorizar a transação; posteriormente, quando da elaboração do Projeto do CTN, suprimiu-se o adjetivo “tributária” do dispositivo; a justificativa apresentada para tanto foi de que outras leis, inclusive a lei orgânica do Ministério Público, poderiam autorizar a transação. Frise-se que, à época, era o Ministério Público quem defendia a União em matéria tributária e o art. 23, da Lei nº 1341/51, permitia aos órgãos (membros) do Ministério Público transigirem desde que houvesse autorização de seu Procurador Geral. Ora, evidencia-se, pois, que a intenção da comissão era permitir que mesmo uma lei genérica, que não especificasse caso a caso as particularidades do conflito e as condições para sua celebração, pudesse autorizar a transação em matéria tributária entre a Fazenda e os contribuintes.” (2015, p. 138)

Neste trabalho, contudo, entende-se que caso um dia venha a ser instituída a transação, no âmbito federal, poderá resolver muitos problemas do cotidiano dos contribuintes. Inicialmente, portanto, é recomendável que a transação tenha todos os requisitos estipulados em lei, ou esta preveja o caso concreto, por trazer maior segurança jurídica, sendo aplicado, inclusive, para discussões a respeito do crédito tributário, mas também poderá tratar outros objetos de concessões pelas partes. Já a transação contratual, se um dia vier a ser implementada, pelo fato de nem todos os requisitos estarem na lei, só poderá ser utilizada se forem casos em que não se discuta diretamente o crédito tributário, mas outros bens da vida que indiretamente impliquem o que prescreve o art. 171: “importe em determinação do litígio e consequente extinção do crédito tributário”.