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DAS SENTENÇAS DE NEGAÇÃO EM PORTUGUÊS

1.3. TIPOS DE SENTENÇAS DE NEGAÇÃO EM PORTUGUÊS

1.3.3. NEGAÇÃO METALINGUÍSTICA SNM

Sentença de Negação Metalinguística (de agora em diante, SNM) é uma sentença que, também dependente da efetivação fonética de uma pressuposição, tem um conteúdo proposicional que não estabelece relação do tipo valor falso/valor verdadeiro com o conteúdo proposicional da pressuposição, porque não o anula, como as SNP e SNR. As SNM se relacionam com essa pressuposição explícita de modo a retificar alguma variável sua. Ou seja, como toda sentença de negação tem, obrigatoriamente, uma contraparte afirmativa pressuposta, as SNM, ao se relacionarem com essa contraparte afirmativa, não o anulam, mas se opõem a alguma variável nela inserida.

Como as SNR, a SNM é uma asserção de negação que só pode acontecer se submetida a um contexto prévio, lançado no cg, que não pode estar no campo da inferência. Ausente desse contexto previamente ativado, a SNM compromete o entendimento dos participantes da mesa discursiva.

Segundo Pereira (2010),

[...] ao contrário da negação regular, a negação metalinguística não implica, necessariamente, a falsidade da proposição sobre a qual estabelece um comentário. Mesmo assumindo-se que essa situação pode acontecer, a negação metalinguística registra, sobretudo, uma objecção relativamente à assertibilidade de uma asserção (PEREIRA, 2010, p. 7).

Como SNM e SNR são sentenças que devem ser estabelecidas numa mesa discursiva em que a pressuposição tenha sido ativada no cg, elas se distinguem, entre si, quanto ao tipo de negação que realizam sobre o valor de verdade dessa pressuposição. Considerando que todas as sentenças de negação se relacionam com uma contraparte afirmativa qualquer, enquanto a SNR substitui o valor de verdade da pressuposição por seu valor oposto, implicando em valor falso/valor verdadeiro, a SNM retifica uma variável desse valor de verdade, vindo a estabelecer, portanto, relação do tipo valor correto/valor incorreto.

Diante do exposto, observemos a mesa em (21), abaixo, para distinguirmos as SNR das SNM:

40 (21) Ana comprou um celular novo.

a. Ela não comprou nenhum celular. Eu falei com ela ontem. b. Ela não comprou um celular novo. Sua mãe deu um de presente.

O valor de verdade da pressuposição do cg da mesa em (21) é o de que alguém comprou um novo aparelho celular. A sentença de negação em (21a) traz o valor de verdade ninguém comprou nenhum celular, oposto ao valor da pressuposição. Por sua vez, o valor de verdade da sentença de negação em (21b) é alguém recebeu um novo aparelho celular, que se opõe à pressuposição, mas não a descarta, já que houve, apenas, a substituição da variável comprar pela variável receber. Desse modo, a sentença de negação em (21a) corresponde a uma SNR, porque anula a pressuposição, enquanto a sentença de negação em (21b) se comporta como uma SNM, porque, não anulando uma pressuposição, a retifica.

Em Pinto (2010, p. 5-6) vemos que “a negação metalinguística é entendida como um tipo particular de negação que, ao contrário da negação regular, não se relaciona com os conceitos de verdade e falsidade das proposições negadas”. Conforme a autora, portanto, as SNM são tipos especiais de negação que submetem determinadas proposições às convicções particulares dos participantes de uma mesa, pois atribuem à sentença prévia um julgamento corretivo, não anulatório. Como, portanto, a relação entre a pressuposição e a SNM não é do tipo falso/verdadeiro, mas correto/incorreto, a SNM é uma sentença de negação corretiva.

Pereira (2010), por seu turno, diz que

[...] a negação metalinguística representa um uso especial de negação, que reflecte, invariavelmente, uma objecção relativamente a determinado aspecto de uma asserção anterior (sem implicar, obrigatoriamente, a sua falsidade) (PEREIRA, 2010, p. 7).

Consoante Pereira (2010), as SNM representam objeção não a toda uma asserção prévia, mas a uma parte dela. Ou seja, é uma sentença que expressa a não aceitação de uma pressuposição como verdadeira. Pinto (2010) diz que a SNM permite contestar uma afirmação pressuposta, o que não equivale a dizer que ela seja falsa. A contestação a parte da pressuposição fica clara na mesa em (21), quando a sentença em (21b), opondo-se à ideia da compra de um novo aparelho celular, afirma que esse aparelho foi recebido.

Como vimos, a relação da sentença de negação com o contexto prévio é um dos fatores responsáveis pela classificação das sentenças de negação em tipos distintos, o que pode, do mesmo modo, assemelhar essas sentenças ou separá-las: 1) embora SNP e SNR anularem o conteúdo proposicional de uma pressuposição, elas não são equivalentes, porque

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apenas as SNR exigem a efetivação de uma pressuposição; 2) enquanto SNR e SNM dependem da efetivação de uma pressuposição, as SNM não estão associadas à veracidade ou à falsidade dessa pressuposição, enquanto as SNR implicam em valores falso ou verdadeiro.

A propriedade mais relevante das SNM, mas não a única, é que elas só podem ser realizadas sob o domínio de um contexto prévio que as licencie, uma vez que são sentenças que corrigem uma proposição, expressando objeção ao seu conteúdo proposicional. Levando em conta o contexto em que são realizadas, Pereira (2010, p. 36) afirma que “a negação metalinguística é sempre a contestação de uma asserção precedente”. Portanto, a asserção contestada precisa ter sido efetivada no cg, não podendo estar implícita. Referente a essa asserção prévia, foneticamente realizada, Pereira (2010, p. 39) diz que “[...] tem de ser [...] uma asserção proferida por outro falante [...]”. Ou seja, a pressuposição sobre a qual a SNM se impõe é sempre estabelecida por outro participante do discurso, uma vez que o enunciador da SNM não contesta uma afirmação que ele mesmo proferiu.

Pelo fato de negarem apenas alguma variável da proposição, o escopo das SNM é estreito, recaindo sobre o constituinte o qual retifica. Esse caráter estreito do escopo pode ser confirmado quando, comumente, logo após a realização de uma SNM, o interlocutor introduz uma asserção de afirmação, que estabelece qual parte da sentença foi retificada. Essa relação de escopo estreito do marcador de negação da SNM com uma variável da pressuposição pode ser confirmada em (21b), quando a SNM corrigiu uma parte da pressuposição, substituindo o valor de verdade, alguém comprou um novo aparelho celular, por alguém recebeu um novo aparelho celular.

Além da relação com o contexto prévio e do escopo estreito da negação, as SNM utilizam marcadores diferentes do não, como o nada, o de jeito nenhum ou o uma ova13, para estabelecer rejeição à proposição. Como fazem uso de constituintes de negação enfática, são sentenças que expressam, também, negação “forte”, conforme Cavalcante (2012), característica que também as tornam dependentes da realização de um contexto prévio. Por estabelecerem também negação enfática, os marcadores da SNM têm destaque entonacional, o que ratifica a ênfase da oposição à afirmação proposta previamente.

Cavalcante (2012, p. 136) fala da negação enfática e diz que se trata de uma “rejeição ‘mais forte’ a uma proposição”, da qual falaremos abaixo.

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