• Nenhum resultado encontrado

8– Neoplatonismo em Plotino e influências na vida do homem

Capítulo I – Homem, humanismo e humanização, veredas: do mítico ao filosófico e à

I. 8– Neoplatonismo em Plotino e influências na vida do homem

Entre os séculos II e III d.C. em Alexandria, surge o movimento neoplatônico através da escola de Amônio Sacas, educado como cristão e que se dedicou à filosofia, retomando o paganismo, e se tornou o mestre de Plotino. Sua dedicação à filosofia se sobressaiu pelo exercício e cultivo da inteligência, da vida e da espiritualidade.

Plotino viveu de 204 a 270 d. C., duzentos anos depois de Filo e quase seiscentos anos depois de Platão, a quem Plotino considerava seu mestre.66

Plotino nasceu em 205 d.C. em Licópolis e entra para o círculo de Amônio em 232 d.C., permanecendo até 243 d.C. e sai de Alexandria e segue para o oriente e ter contato com a sabedoria persa e hindu. Depois, seguindo rumo a Roma no ano de 245 d.C., lá se estabelecendo. Em Roma, Plotino abre uma escola e ministra lições, mas nada escreve por conta de um pacto feito de não divulgar, inicialmente, as doutrinas de Amônio.67

No ano de 254 d.C., Plotino se dedica a escrever tratados, totalizado cinqüenta e quatro que foram divididos em seis grupos de nove, de onde surge o título de Enéadas. O título faz alusão ao significado metafísico do número 9 (em grego, ennea). 68

Os escritos de Plotino se encontram por inteiro até os dias atuais, que, juntamente com os diálogos de Platão e os esotéricos de Aristóteles, trazem das mais elevadas mensagens da antiguidade e do ocidente.

66 EDINGER, Edward F., A psique na antiguidade, p. 153.

67 PLOTINO, Vida e obra, Tratado das ENÉADAS, Introdução de Américo Sommerman, , São Paulo: Polar

Editorial & Comercial, 2002, pp. 09 – 10.

41 O objetivo dos ensinamentos de Plotino era oferecer ao homem um modo de vida que liberta das coisas daqui de baixo, para reunir-se ao divino e contemplá-lo até sua transcendência em uma “união extática”.69

Como uma espécie de “testamento espiritual”, em suas últimas palavras, Plotino nos deixa o seguinte legado: “procurai conjugar o divino que há em vós com o divino que há no universo”.

Em nosso objeto de pesquisa, ao tratar do encontro do humano com o divino, torna-se importante essas palavras de Plotino, como um resgate em nossa época atual da redescoberta do sentido do divino em nós mesmos – na integração da espiritualidade como nível de consciência elevado e transcendente na sua integração com o universo – na reconstrução humana em seu processo de humanização. Mas vejamos as bases metafísicas que permitiram a Plotino chegar a essa conclusão.

O principio primeiro e absoluto, produtor de si mesmo e não gerado é o “Uno” - principio supremo de unidade, verdade e beleza. Todo ente contém sua unidade, em diversos níveis, mas o “Uno” é concebido como a perfeita unidade.

Plotino coloca o Uno acima do ser e da inteligência. A sua infinitude é inefável.

Outro termo usado por Plotino é “Bem” – o “Uno-Bem” – que significa o bem em si – o Bem para todas as outras coisas que dele necessitam – o Bem transcendental. O Uno é atividade autoprodutora, ou seja, é o Bem que se cria a si mesmo (o que de mais elevado se possa imaginar). É liberdade criadora, causa de si mesmo, o que existe em si e para si – é o transcendente em si mesmo.

Procurando uma melhor compreensão ao pensamento de Plotino acerca do significado do principio primeiro, o Uno, podemos dizer que a atividade do Uno é a de autopor-se. Ele é liberdade criadora, e, por excelência, livre. A atividade que procede do Uno, no entanto, é diferenciada, pois se trata de uma necessidade que depende de um ato de liberdade (como uma necessidade desejada). Senão vejamos, “Deus não cria livremente o outro de si, mas se autocria livremente a si mesmo, e que se trata de um ‘si’ que se autocria livremente como potencia infinita, que se expande, produzindo “o outro de si”. “O Uno, portanto, é inefável (...), transcendente a si mesmo”, como o que de mais elevado se possa imaginar.70

69 Ibid, p. 339.

42 Desse principio supremo, deriva, por emanação, o segundo principio chamado de “Nous” – considerada a inteligência suprema que contém todo o mundo platônico das Idéias – a inteligência que produz a totalidade do inteligível. O Nous é o Espírito – a união do pensamento com o supremo pensado. O Espírito, quando se olha, fecundado pelo Uno vê em si a totalidade das coisas. Portanto o Espírito para Plotino torna-se o Ser por excelência – o Pensamento por excelência, a Vida por excelência, o Bem e a beleza em sua forma essencial.

A Alma deriva do Espírito, que deriva do Uno. A interação da Alma com o Nous constitui, basicamente, na doutrina de Plotino, possibilidade de um retorno ao Uno.

A natureza da Alma consiste em dar vida a todas as coisas que existem no mundo sensível, e não apenas no puro pensar. A Alma, portanto, é a geradora e organizadora das coisas sensíveis, fazendo-as viver, no nível corpóreo, ao mesmo tempo sendo e permanecendo uma realidade incorpórea – interagindo nesses dois níveis.

Ao trazer essas concepções de Plotino para definir o que é o homem, percebemos que o homem não nasce quando surge no mundo físico, mas pré-existe no estado de pura alma – habitando um mundo transcendente. Quando a alma desce aos corpos, traz como finalidade uma necessidade ontológica, no sentido de procurar concretizar em si as potencialidades existentes no universo, e, reconduzir tudo ao Uno. Todas as atividades que o homem desenvolve na vida dependem da própria alma. Ela é capaz de “julgar” as sensações humanas, e delas se afastar, quando são obstáculos à união com o Espírito e o Uno. O sensível e o material (corpóreo) parecem funcionar, como uma espécie de “veículo” que faz a ligação com a Alma – que organiza – e, desta, com o Espírito, e daí, para chegar ao Uno.

A estrutura desenvolvida por Plotino se assemelha muito à estrutura da psique, dentro da psicologia profunda e junguiana. Na teoria psicológica, a psique é descoberta ascendendo de baixo para cima com vistas a se chegar ao Self, ao contrário de Plotino que desce do alto (a partir do Uno).71

O sensível e o material (o corpóreo) são importantes níveis para Plotino, pois são aqueles que procuram organizar o conteúdo interno do homem até abarcar a Alma, que também realiza sua própria organização para a recepção do Espírito, que,

43 por sua vez, pode tecer sua compreensão ao significado do Uno na vida humana, como um sentido elevado da própria condição humana (ênfase minha).

Podemos observar em nossa própria experiência, como se tivesse dentro de nós um tipo de “ponteiro” indicativo de nossas sensações que, de uma maneira muito simples, diante de alguma situação, pode nos indicar se essa sensação é boa ou ruim. Nesse momento, a alma já se encontra em estado de prontidão para elaborar seu juízo em torno dessa sensação provocada, como se “escolhesse” qual ação (ou reação) será gerada pelo sensível, através de alguma forma a ser utilizada – uma atitude, um gesto, uma palavra ou ações seqüenciais. (ênfase minha).

A atividade mais elevada da alma corresponde à liberdade, ligada à imaterialidade, pois a liberdade é a volição do Bem. Os destinos da alma estão relacionados à reintegração com o divino. Torna-se importante destacar que a felicidade pode vir a ser desfrutada nessa terra, mesmo em meio a tormentos físicos, porque existe em nós o poder de transcendência que nos permite ligar-nos ao divino, mesmo enquanto ocorra um sofrimento corpóreo.

A matéria é representada, na psicologia profunda e junguiana, como o pensamento de Deus se concretizando.72 A psicologia transpessoal considera o desenvolvimento da consciência desde o nível da matéria até o nível espiritual, que estabelece a transcendência humana em sua compreensão com o sentido do Uno (da Unidade).

É possível, em tempos de dor e sofrimento, uma disposição do ser humano em compreender e agregar à sua consciência, a espiritualidade da mística plotiniana, a busca do bem e do sentido da unicidade. Afastados, perdidos, fragmentados em um mundo sensível e tão insensível ao conhecimento, ao valor e à dignidade, os humanos tem, na mística e na doutrina de Plotino, um convite a um retorno ao Uno, espelho da transcendência.73

A contribuição de Plotino é muito importante para a psicologia transpessoal, pois seu sistema básico encontra-se nas concepções filosóficas, e sua magnitude, sobre a estrutura do universo. É como se ele percebesse a estrutura da psique interpretada através do universo.74

72 EDINGER, Edward F., A psique na antiguidade, p. 155.

73 As pesquisas para esse texto foram realizadas nas obras: PLOTINO, Tratado das Enéadas, São Paulo: Polar,

2002 e REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario, História da filosofia vol. 1, pp. 338 – 349.

44 A psicologia transpessoal considera a autotranscendência como uma elevação e evolução da consciência do indivíduo em direção ao sentido da Unidade do Universo.

A questão da realidade, dominada pela filosofia grega, “envolve o problema do relacionamento do homem com ela, o que de imediato nos leva além da ciência pura”. A filosofia grega “se fundamenta na fé de que a realidade é divina e de que a única coisa necessária é que a alma, aparentada ao divino, entre em comunhão com ele”.75