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Neste cenário, outras variáveis passam a ser levadas em consideração pelos consumido-

ALGUNS CONCEITOS

22 Neste cenário, outras variáveis passam a ser levadas em consideração pelos consumido-

res, tais como a qualidade do produto/serviço e até mesmo o nível de proteção à privaci- dade que as plataformas oferecem.

23 “The SSNDQ test faces criticism that in practice it is unworkable, however, given the

internet difficulties of measuring quality alongside the existing complications of the applying the SSNIP test itself within real market situations” (OECD. The role and

measurement of quality in competition analysis. 2013. p. 9. Disponível em: http://

www.oecd.org/competition/Quality-in-competition-analysis-2013.pdf. Acesso em: 2 maio 2020).

identificar se os consumidores migrariam para serviços alternativos se hou- vesse um decréscimo em qualidade.24

A discussão sobre ferramentas alternativas como o SSNDQ test se mostra extremamente relevante, na medida em que, mesmo em mercados de preço zero, podem existir preocupações concorrenciais e potenciais danos ao consumidor (se não por meio de maiores valores monetários, por meio de impactos na atenção, informação e qualidade). Nesses casos, cumpre ao direito da concorrência garantir as condições de competição para que os consumidores recebam os melhores produtos de preço zero em troca, por exemplo, de um menor volume de atenção e informação.25

Para isso, a análise de modelos de negócio de preço zero, seja por meio da oferta conjunta de serviços complementares, da oferta de produtos free-

mium ou em mercados de diversos lados, deve levar em consideração to-

das as variáveis envolvidas (inclusive aquelas não relacionadas a preços).26

Diante desses desafios, entender o funcionamento de mercados de preço zero e seus impactos na teoria tradicional do direito da concorrência tor- na-se indispensável para a compreensão sobre a dinâmica competitiva em plataformas digitais.

24 “Hartmann, Teece, Mitchell and Jorde have argued that a SSNDQ test is not only feasi-

ble, but necessary, for defining markets and assessing market power in sectors subject to rapid technological change. [...] Firms do not only compete on price, they emphasize, but on innovation and quality. That is especially true in markets featuring swift technological progress. Customers in such markets may care far more about product features than about price. To assume that two products in those markets can be in competition with each other only if customers are so price-sensitive that a hypothetical five percent increase in the price of one induces a switch to the other leads to overly narrow market definition, the authors argue. Therefore, some markets should not be defined with a method that relies on price alone” (OECD. The role and measurement of quality in competition analysis. 2013. p. 14. Disponível em: http://www.oecd.org/competition/Quality-in-competition- analysis-2013.pdf. Acesso em: 2 maio 2020).

25 NEWMAN, John M. Antitrust in zero-price markets: foundations. University of Pennsyl- vania Law Review, v. 164, 2015.

26 NEWMAN, John M. Antitrust in zero-price markets: foundations. University of Pennsyl- vania Law Review, v. 164, 2015.

1.1.4 |

Dados como um ativo

A capacidade de usar dados para desenvolver novos produtos e serviços ou aprimorar produtos e serviços já existentes vem se tornando um dife- rencial competitivo relevante em diversos mercados.27 No contexto de

mercados digitais, a evolução tecnológica potencializa essa tendência, na medida em que possibilita a coleta, o armazenamento e o processamento de um volume crescente de dados.28 Em determinados casos, especial-

mente naqueles envolvendo dados de difícil obtenção, processamento de dados ou o uso de mecanismos de inteligência artificial, alguns autores argumentam que dados podem ser vistos como uma vantagem competiti- va e até mesmo como uma possível barreira à entrada.29 O fato de ser

possível obter certos dados a um baixo custo, a ideia de que dados são bens não rivais e a experiência de empresas que prosperaram sem iniciar com uma grande base de dados, por sua vez, relativizam a percepção de que dados seriam uma barreira à entrada. Dessa forma, em mercados di- gitais, dados podem ser uma vantagem competitiva, que, a depender do caso, será plenamente legítima ou poderá levantar certas preocupações concorrenciais.

Nesse contexto, quando identificado um potencial problema relacionado à detenção de dados, têm surgido discussões sobre estratégias que poderiam contribuir para reduzir barreiras à entrada e custos de transação: a

27 CRÉMER, Jacques; MONTJOYE, Yves-Alexandre de; SCHWEITZER, Heike. Competition policy for the digital era. European Union, April 2019. Disponível em:

http://ec.europa.eu/competition/publications/reports/kd0419345enn.pdf. Acesso em: 2 maio 2020.

28 CRÉMER, Jacques; MONTJOYE, Yves-Alexandre de; SCHWEITZER, Heike. Competition policy for the digital era. European Union, April 2019. Disponível em:

http://ec.europa.eu/competition/publications/reports/kd0419345enn.pdf. Acesso em: 2 maio 2020.

29 MCSWEENY, Terrell; O’DEA, Brian. Data, innovation, and potential competition in dig-

ital markets – looking beyond short-term prices effects in merger analysis. CPI Antitrust

Chronicle, February 2018. Disponível em: https://www.ftc.gov/system/files/documents/

portabilidade (permite que os usuários controlem seus dados e os transfiram de uma plataforma para outra), a interoperabilidade (permite que os usuá- rios utilizem duas ou mais plataformas complementares de forma conectada)30

e a possibilidade de aquisição de bases de dados. De outro lado, o estímulo a tais mecanismos pode ser visto como um desincentivo à inovação ou como uma solução de difícil implementação. Assim, a decisão por adotar ou não medidas para facilitar o acesso a dados não é trivial e vem sendo amplamen- te discutida ao redor do mundo.

Da mesma forma, por envolver interesses sensíveis, a discussão sobre dados é complexa e muitas vezes se apresentará na interface com discus- sões de privacidade e modelos de negócios (como incentivos a investimen- tos e proteção de segredos de negócio).31 Definir os limites dessas interfaces

e desenhar as políticas públicas apropriadas e eficientes estão entre os mais complexos desafios trazidos pelos mercados digitais, e vários deles tendem a extrapolar a atuação de autoridades antitruste.

1.1.5 |

Single-homing ou multihoming

Mercados digitais também podem se desenvolver com características de

single-homing ou multihoming. Em síntese, essa característica está ligada

ao momento em que ocorre a competição entre plataformas (i.e., o momen- to da adesão ou o momento do uso).

Em mercados de single-homing, a competição entre as diversas platafor- mas costuma ocorrer no momento da adesão. Assim, a competição pela adesão do consumidor nesses mercados tende a ser mais intensa. Mercados de multihoming, por sua vez, usualmente permitem a adesão do consumidor

30 CRÉMER, Jacques; MONTJOYE, Yves-Alexandre de; SCHWEITZER, Heike. Competition policy for the digital era. European Union, April 2019. Disponível em:

http://ec.europa.eu/competition/publications/reports/kd0419345enn.pdf. Acesso em: 2 maio 2020.

31 CRÉMER, Jacques; MONTJOYE, Yves-Alexandre de; SCHWEITZER, Heike. Competition policy for the digital era. European Union, April 2019. Disponível em:

http://ec.europa.eu/competition/publications/reports/kd0419345enn.pdf. Acesso em: 2 maio 2020.

a múltiplas plataformas digitais simultaneamente, transferindo a competi- ção para o momento do uso das plataformas. Nesse contexto, considerando que o consumidor toma uma nova decisão a cada interação, a intensidade da competição entre plataformas costuma estar ligada à conquista do usuário no momento do uso.

Dessa forma, a tendência de um determinado mercado ao single-homing ou ao multihoming é, sem dúvida, uma variável importante na compreensão da dinâmica competitiva de mercados digitais. Não obstante, considerando que o multihoming pode ter efeitos distintos em cada mercado digital, é im- portante que esse elemento seja analisado caso a caso e com cautela pelas autoridades antitruste ao redor do mundo.

No âmbito da Comissão Europeia, o estudo Competition policy for the

digital era destaca os efeitos da possibilidade de multihoming em relação a

plataformas entrantes. De acordo com o estudo, considerando que os usuá- rios tendem a ser relutantes na troca de prestador de serviço em razão da incerteza sobre sua qualidade e capacidade de atender às expectativas, a possibilidade de usar mais de uma plataforma simultaneamente poderia mi- tigar essa postura relutante, ampliando as chances de sucesso de platafor- mas entrantes.32

Na análise de atos de concentração, a existência de multihoming é vis- ta como uma característica importante a ser considerada na análise de efeitos de uma determinada fusão. Nesse sentido, Ocello e Sjödin citam alguns precedentes analisados pela Comissão Europeia que trouxeram essa discussão: (i) Facebook/WhatsApp – no qual o extensivo multihom-

ing no mercado de plataformas de comunicação foi um dos fatores consi-

derados para afastar as preocupações da Comissão; (ii) Microsoft/ LinkedIn, no qual se considerou que o multihoming no mercado de redes profissionais não seria suficiente; e (iii) Travelport/Worldspan, no qual se analisou a insuficiência do multihoming, quando verificado em um único

32 CRÉMER, Jacques; MONTJOYE, Yves-Alexandre de; SCHWEITZER, Heike. Competi- tion policy for the digital era. European Union, April 2019. Disponível em: http://ec.europa.

lado de um mercado de dois lados com efeitos de rede indiretos.33 Esses

precedentes ilustram os efeitos distintos do multihoming, a depender do mercado digital envolvido, corroborando o fato de que a análise sobre essa característica merece cuidado.

1.1.6 |

Dinamicidade

Todos os elementos descritos supra podem ser considerados características relevantes identificadas em diversos mercados digitais. Em alguma medida, cada uma delas contribui para a dinamicidade desses mercados.

A velocidade e a continuidade do avanço tecnológico desempenham um papel importante no contexto dos mercados digitais. Por consequên- cia, processos de inovação ganham espaço tanto na criação de novos pro- dutos e serviços (podendo resultar inclusive na criação de novos mercados) quanto no acréscimo de novos recursos e funções em produtos e serviços já existentes.34

Como descrito nos tópicos anteriores, plataformas digitais alcançam efeitos de rede e economias de escala significativas. Em razão disso, mer- cados digitais, muitas vezes, possuem estruturas que propiciam o estabele- cimento de agentes econômicos no modelo winner-takes-all (ou winner-

-takes-most) e o fenômeno de market tipping.

Mercados com essas características ensejam algumas questões: Como garantir a competição pelo e nos mercados? Como um entrante pode desa- fiar a posição dominante do incumbente? Para respondê-las, dois novos conceitos têm ganhado espaço nas discussões sobre mercados digitais: (i) a competição pelo mercado e (ii) a competição no mercado (interplataforma e intraplataforma).

33 OCELLO, Eleonora; SJÖDIN, Cristina. Digital markets in EU: merger control: key fea-

tures and implications. CPI Chronicle, April 2018.

34 Para maiores detalhes sobre a diferença entre inovação disruptiva e inovação incremental, vide: CHRISTENSEN, Clayton M.; RAYNOR, Michael E.; MCDONALD, Rory. What

is disruptive innovation? Harvard Business Review, 2015. Disponível em: https://hbr. org/2015/12/what-is-disruptive-innovation. Acesso em: 26 mar. 2019.

Em mercados de winner-takes-all, faz sentido entender que a competi- ção ocorre pelo mercado, i.e., pela conquista de uma posição relevante no mercado. No estudo Competition policy for the digital era, elaborado no âmbito da Comissão Europeia, discute-se que, nesses mercados, um poten- cial rival ou entrante só conseguirá fazer frente a uma empresa já estabele- cida de forma efetiva quando for capaz de atrair um volume significativo de usuários e, dessa forma, gerar seus próprios efeitos de rede, conquistando todo ou grande parte do mercado.

Por sua vez, com relação à competição no mercado, tem-se, hoje, a com- petição interplataformas e, também, a competição intraplataforma. No pri- meiro caso (competição interplataformas), plataformas que atuam horizon- talmente no mesmo nível do mercado competem entre si para atrair o maior número de usuários. Um exemplo seria a competição entre a Amazon e o Mercado Livre, dois marketplaces que competem pelos usuários dos dois lados da plataforma (vendedores e compradores).

O segundo caso (competição intraplataforma) trata de competição den- tro das próprias plataformas. Nesse caso, caberá às grandes plataformas a função de “regular” os mercados que elas próprias criam, impondo regras aos entrantes que desejam participar delas, definindo, assim, o market des-

ign e, consequentemente, a competição no mercado. Exemplo de como as

plataformas podem atuar como “reguladores” do mercado está no caso de plataformas que atuam como marketplaces, comercializando ao mesmo tempo serviços e produtos próprios e de terceiros. Novamente, a Amazon pode ser utilizada como exemplo dessa dinâmica, pois, ao permitir que ter- ceiros se utilizem de sua plataforma de vendas, ela cria um ecossistema de competição pelos usuários/compradores dentro de sua própria plataforma.35