• Nenhum resultado encontrado

1. INTRODUÇÃO

1.4. Neurotoxoplasmose

A chegada do Toxoplasma gondii no sistema nervoso central pode ser explicado por três mecanismos possíveis (Figura 06). No primeiro, parasitos circulando no ambiente extracelular conseguem atravessar barreiras biológicas através da passagem paracelular (Figura 06A), sendo um mecanismo mediado pela interação entre proteínas produzidas pelo parasito (MIC2) e receptores de superfície celular presentes no endotélio (ICAM-1) (BARRAGAN; BROSSIER; SIBLEY, 2005). O segundo mecanismo, a migração transcelular (Figura 06B), baseia-se na capacidade invasiva do parasito, sugerindo a travessia da barreira endotelial a partir da infecção de suas células. O último mecanismo sugerido, e mais discutido, é a capacidade do parasito atingir regiões consideradas imunoprivilegiadas através da invasão de células migratórias, como macrófagos, células dendríticas e leucócitos. Conhecida como Teoria do Cavalo de Tróia (Figura 06C), o T. gondii consegue interferir no perfil migratório dessas células, acompanhado do estímulo na expressão de receptores de superfície endotelial, sendo capaz de se propagar pelo organismo hospedeiro (BARRAGAN; BROSSIER; SIBLEY, 2005; LAMBERT; BARRAGAN, 2010; COURRET et al., 2016).

O desenvolvimento da neurotoxoplasmose representa a principal manifestação da infecção entre pacientes imunocomprometidos, estando presente em até 75% dos casos de pacientes com HIV/AIDS. A manifestação clínica varia de acordo com a localização e o número de lesões produzidas pelo parasito no cérebro, podendo se manifestar por dores de cabeça, febre, convulsões, confusão mental e comprometimento da função motora dos membros, sendo resultado de uma reativação da infecção aguda (MORISSET et al., 2008; DE OLIVEIRA et al., 2016; WANG et al., 2017b). Em quadros da infecção latente, em pacientes HIV+ que fazem uso da terapia antirretroviral, sinais de comprometimento cognitivo têm sido relacionados com a persistência da infecção e com o aumento no número de células T CD4+, levantando o questionamento sobre a influência da infecção crônica e neuroinflamação desenvolvida sobre as características cognitivas do paciente (BHARTI et al., 2016).

Figura 06: Possíveis mecanismos utilizados pelo Toxoplasma gondii para travessia de barreiras biológicas e invasão de sítios considerados imunoprivilegiados. A: invasão paracelular; B: invasão transcelular; C: invasão através de células infectadas.

A influência da toxoplasmose sobre o comportamento e capacidade cognitiva do hospedeiro infectado tem sido alvo de discussão nos últimos anos, com estudos sugerindo que a infecção crônica também consegue ter efeitos neuropatológicos em pacientes imunocompetentes. Isso se deve à presença dos cistos teciduais no cérebro e a manutenção de uma inflamação crônica, aumentando os riscos de modificações neurológicas (PARLOG et al., 2014; PARLOG; SCHLÜTER; DUNAY, 2015). Essa interferência cerebral, com consequências comportamentais, é sustentada pelos resultados obtidos por Berdoy e colaboradores (2000) que após analisarem o comportamento de ratos infectados pelo T. gondii, observaram que estes passaram a se tornar atraídos pelo odor do gato, seu predador natural. Essa alteração comportamental poderia ser justificada pela hipótese da manipulação, onde há o favorecimento da transmissão do parasito, presente no roedor, ao seu hospedeiro definitivo, o gato (FLEGR, 2013; FLEGR; KUBA, 2016).

A localização do cisto tem importância crucial em como o parasito afeta o seu hospedeiro. Foi demonstrado que a distribuição de cistos pelo cérebro é bastante variável, sendo encontrados em neurônios nas regiões do córtex, hipocampo, hipotálamo, amígdala e cerebelo (MELZER et al., 2010). Em concordância com esses dados, Gonzalez e colaboradores (2007) mostraram que a presença de cistos nas áreas límbicas do cérebro de ratos infectados estava relacionada com menores taxas de ansiedade e, em outro estudo, foi apresentado que um maior número de cistos na amigdala em camundongos estava relacionado com a perda da aversão à felinos (GIACOMINI et al., 2007).

Em humanos, o estabelecimento de uma relação entre a ocorrência da infecção por T. gondii e distúrbios neurológicos e psiquiátricos tem levantado muita discussão ao longo dos anos, com pesquisas abordando a relação entre a infecção e o estabelecimento de esquizofrenia, bipolaridade, agressão, impulsividade e depressão (COOK et al., 2015; STICH et al., 2015; ELSHEIKHA; ZHU, 2016; FLEGR; KUBA, 2016; MAHMOUD et al., 2016; DE BARROS et al., 2017).

A capacidade do Toxoplasma em manipular o comportamento do seu hospedeiro pode ser explicada a partir da interferência no funcionamento celular, uma vez que o parasito se mostra capaz de influenciar vias de metabolismo e produção de neurotransmissores (PRANDOVSZKY et al., 2011; GATKOWSKA et al., 2013). Foi demonstrado que a infecção consegue interferir na expressão de GAD67 (Glutamato Descarboxilase 67), enzima envolvida na síntese de GABA. Essa interferência

modifica a localização de GAD67 comprometendo a síntese do neurotransmissor e, consequentemente, diminuindo a sinalização GABAérgica e correlacionando-se com o aumento na ocorrência de convulsões em camundongos infectados (BROOKS et al., 2015).

Além de influenciar no metabolismo de neurotransmissores, a capacidade da infecção em estimular uma resposta neuroinflamatória local está associada tanto ao momento de chegada do parasito ao parênquima cerebral e consequente ativação da micróglia, quanto ao recrutamento de células imunes ativadas durante a inflamação sistêmica e sua produção de mediadores inflamatórios, desencadeados no início da infecção. Essa inflamação possui papel essencial no controle da replicação parasitária, porém, também é capaz de comprometer o tecido cerebral, através do comprometimento neuronal durante um quadro neurodegenerativo (PARLOG; SCHLÜTER; DUNAY, 2015; SA et al., 2015; ELSHEIKHA; ZHU, 2016). Neste cenário, a infecção se mostra capaz de influenciar a desestabilização da fisiologia sináptica e morfologia neuronal, através de modificações na expressão de proteínas presentes nos compartimentos pré e pós-sinápticos, além de comprometer a estrutura neuronal através da redução da complexidade dendrítica e estimular modificações na organização e morfologia das espinhas dendríticas em neurônios infectados (PARLOG et al., 2014). Toda essa alteração propiciada pelo parasito poderá induzir alterações distintas na composição sináptica, interferindo na regulação de um grande número de proteínas envolvidas na plasticidade sináptica, aprendizagem e risco de transtornos neuropsiquiátricos.

Documentos relacionados