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1. INTRODUÇÃO

1.5. Sistema Nervoso Central e Redes Perineuronais

O Sistema Nervoso Central (SNC) é composto por uma vasta gama celular que inclui os neurônios, astrócitos, oligodendrócitos e micróglia. Essas células possuem funções específicas que permitem a organização e o funcionamento ideal do tecido cerebral, auxiliando na transmissão e estabilização sináptica, na liberação e reciclagem de neurotransmissores e no fornecimento de metabólitos essenciais para a sobrevivência celular (ULLIAN et al., 2001; FIELDS, 2002; DOETSCH, 2003; KREFT et al., 2012; ZEISEL et al., 2015). Essas interações contribuem para o estabelecimento da homeostase cerebral, cuja manutenção se mostra dependente do equilíbrio entre

a ativação de células como micróglia e astrócitos. Entre esses tipos celulares, a micróglia quando ativada é responsável pela liberação de citocinas que possuem papel fundamental no controle da resposta neuroinflamatória, neuroproteção tecidual e manutenção da integridade da barreira hematoencefálica, proporcionando um ambiente adequado para o funcionamento cerebral ideal (FARINA; ALOISI; MEINL, 2007; WEISS et al., 2009; RON-HAREL; CARDON; SCHWARTZ, 2011; MICHELL- ROBINSON et al., 2015; BARRAGAN et al., 2015; KABBA et al., 2018).

Toda a organização e interação celular observada no SNC é influenciada pela presença de uma matriz extracelular complexa, se apresentando de forma especializada, ao redor de neurônios específicos e formando estruturas conhecidas como redes perineuronais (RPN) (Figura 07), conforme descritas em 1893 por Camillo Golgi (CELIO; BLUMCKE, 1994). As RPN são formadas, principalmente, por moléculas de proteoglicanos de condroitin sulfato (PGCS), ácido hialurônico (HA) e outras glicoproteínas. Entre todos os constituintes protéicos das RPN, os PGCS desempenham papel essencial na manutenção da estrutura citoarquitetônica cerebral (SHERMAN; BACK, 2008).

Figura 07: Representação esquemática da estrutura das redes perineuronais. Essas estruturas são formadas principalmente por proteoglicanos de condroitin sulfato, ácido hialurônico e outras glicoproteínas, ancoradas na membrana no neurônio. Imagem: QING-LONG et al., 2014.

O condroitin sulfato faz parte da família dos glicosaminoglicanos sulfatados (GAGs), sendo heteropolissacarídeos lineares e formados por unidades dissacarídicas repetidas consistindo em um açúcar aminado (N-acetilgalactosamina - GalNAc) e um açúcar não aminado (Ácido glicurônico - GlcA), capazes de formar proteoglicanos a partir de ligações do tipo β1-3 e/ou β1-4 entre resíduos de galactose (Galβ1-3Gal) e xilose (Galβ1-4Xyl) ligados, através de ligações O-glicosídicas, à porção de serina (Galβ1-3Galβ1-4Xyl-β1-O-Ser) do core proteico (Figura 08) (PERLIN, MACKIE, 1971; VOLPI, 2005; GHANDI, MANCERA, 2008; MIKAMI; KITAGAWA, 2013).

Na estrutura dos proteoglicanos, as moléculas de GlcA e GalNAc podem sofrer ação de enzimas do tipo sulfotransferases, capazes de adicionar sulfatação em regiões específicas, como a adição de sulfato no carbono 4 e 6 dos resíduos de GalNAc, formando as regiões sulfatadas A e C, respectivamente, do Condroitin Sulfato (KWOK et al., 2012; MIKAMI; KITAGAWA, 2013). Com base nesse padrão de sulfatação, discute-se a capacidade de interação entre os PGCS e outras moléculas constituintes da matriz extracelular, seu envolvimento na interação célula-célula e célula-patógeno.

Os PGCS associados nas RPN pertencem à família das lecticanas, havendo a presença de agrecan (ACAN), neurocan (NCAN), brevican (BCAN) e versican (VCAN), sendo capazes de interagir com cadeias de HA (Figura 09) na superfície celular e têm essa interação estabilizada por proteínas de ligação (CARULLI et al., 2006; POZZI; YURCHENCO; IOZZO, 2017).

As RPN são organizadas e encontradas ao redor de regiões sinápticas de neurônios presentes em áreas como córtex, núcleo cerebelar profundo, hipocampo e Figura 08: Representação esquemática da estrutura molecular dos proteoglicanos de condroitin sulfato. Essas moléculas são formadas por unidades repetidas de dissacarídeos sulfatados, ligados a um core proteico. Imagem adaptada de SHERMAN; BACK, 2007.

Figura 09: Representação esquemática da estrutura molecular dos PGCS da família das lecticanas, presentes nas redes perineuronais. A proporção das cadeias de condroitin sulfato varia de acordo com a célula onde está sendo produzida e a região cerebral. Imagem adaptada de SHERMAN; BACK, 2007. 7. Co re P ro te ico

medula espinhal. Em áreas corticais primárias, como córtex somestésico, auditivo e visual, existe um padrão de distribuição de RPN que, durante o desenvolvimento pós- natal, acumulam-se ao redor de neurônios excitatórios e interneurônios inibitórios (NAKAMURA et al., 2009; UENO et al., 2018).

A região que compreende o córtex somestésico primário (S1) (Figura 10) é responsável, principalmente, pelo processamento de informações sensoriais e seu desenvolvimento é regulado por um balanço entre fatores genéticos e atividade neuronal. Em modelos murinos, o funcionamento do S1 é conectado às vibrissas no focinho do roedor, formando um mapa de “barris” (S1BF). Essa região tem uma estrutura laminar, organizada em 6 camadas distintas (de I a VI), apresentando neurônios excitatórios (glutamatérgicos) e interneurônios inibitórios (GABAérgicos) (PETERSEN, 2007; SCHUBERT et al., 2007; QI; FELDMEYER, 2016).

Na camada IV do S1BF existe elevada densidade de redes perineuronais, principalmente ao redor dos neurônios piramidais excitatórios e interneurônios inibitórios, apontando para a influência dessas estruturas sobre o equilíbrio entre excitação e inibição neuronal (QING-LONG; QIAN; XIAO-HUI, 2014).

A síntese das RPN atinge níveis máximos durante o período de desenvolvimento cerebral, tornando-se negativamente regulados na fase adulta Figura 10: Representação esquemática da localização da camada IV e organização do campo de barril do córtex somestésico primário. Imagens adaptadas de SCHUBERT et al., 2007; PETERSEN, 2007.

(CARULLI et al., 2006; WANG; FAWCETT, 2012). Havendo uma relação inversamente proporcional entre a consolidação das redes e o nível de plasticidade neuronal, essas estruturas conseguem atuar como barreiras físicas à formação de novas sinapses e, também, capazes de fornecer suporte para moléculas que restringem modificações sinápticas (SHERMAN; BACK, 2008; QING-LONG; QIAN; XIAO-HUI, 2014). Além do papel na regulação da plasticidade neuronal, as RPN mostraram-se capazes de atuar restringindo a mobilidade de receptores AMPA; neuroproteção em quadros de estresse oxidativo e na manutenção do armazenamento da memória de medo e visual (RHODES; FAWCETT, 2004; McRAE et al., 2007; HYLIN et al., 2013; SORG et al., 2016; THOMPSON et al., 2017).

Demonstrou-se, através de modelos murinos de estudo de memória, que a presença de RPN em torno de neurônios na região da amígdala pode contribuir para a proteção da memória do medo em camundongos adultos. Por outro lado, a depleção de PGCS presentes nessas redes leva à perda dessas memórias (GOGOLLA et al., 2009) e também se relaciona com o aumento da mobilidade e surgimento de protrusões na região apical das espinhas dendríticas, estando envolvida com a dinâmica de modelamento das estruturas neuronais (LEVY; OMAR; KOLESKE, 2014; SENKOV et al, 2014). Outros estudos mostraram que a remoção das RPN em interneurônios aumentou o nível de excitabilidade neuronal e que alterações na composição dessas estruturas podem estar ligadas ao desenvolvimento de doenças no SNC, como Alzheimer, Esquizofrenia, Epilepsia e Esclerose Múltipla ( DITYATEV et al., 2007; PANTAZOPOULOS et al., 2015; DE LUCA; PAPA, 2016).

Vários fatores podem influenciar a estrutura das RPN, estando suscetíveis às modificações geradas por MMPs em consequência de trauma e/ou inflamação. Pode- se supor que o desenvolvimento dessas redes e sua suscetibilidade à degeneração através de mecanismos inflamatórios desencadeados por inúmeros fatores podem contribuir para o comprometimento sináptico e plasticidade presente no SNC (GOGOLLA et al., 2009; WANG, FAWCETT, 2012; PARLOG; SCHLÜTER; DUNAY, 2015; KUMAR et al., 2016). Neste contexto, muitas doenças classificadas como neurodegenerativas apresentam quadros de comprometimento do tecido cerebral, como resultado de uma resposta inflamatória exacerbada e, dessa forma, pode-se especular sobre sua participação nos mecanismos de quebra das redes perineuronais e comprometimento da estrutura citoarquitetônica cerebral.

Em quadros de trauma cerebral, a ativação da micróglia para seu perfil M1 (pró- inflamatório) está diretamente envolvida com o estresse oxidativo desencadeado, principalmente pelo estímulo na expressão do complexo enzimático NOX2, responsável pela produção de espécies reativas de oxigênio, correlacionando-se com comprometimento de células neuronais e neurodegeneração, juntamente com o comprometimento de função motora em quadros pós-TBI (Traumatic Brain Injury) (KUMAR et al., 2016). Além do estresse oxidativo desenvolvido, pacientes com quadros de trauma cerebral grave apresentaram variações nos níveis de quimiocinas e citocinas, tanto de perfil Th1 quanto Th2, estando relacionado com um pior prognóstico e fortalecendo a relação entre o desenvolvimento da inflamação e o comprometimento cerebral (DI BATTISTA et al., 2016). Além do envolvimento dos perfis Th1 e Th2, foi demonstrado a importância da resposta Th17 no comprometimento da integridade cerebral, em quadros de Esclerose Múltipla, onde a produção de IL-17 e expressão dos receptores para IL-22 mostraram-se envolvidas no processo neuroinflamatório e aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica (KEBIR et al., 2007).

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