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Noções Fundamentais

No documento Atos parlamentares e costume constitucional (páginas 76-81)

PARTE II – AS CATEGORIAS DOS ATOS PARLAMENTARES

8. Atos Parlamentares Internos Tácitos

8.3.1 Noções Fundamentais

Chamadas originalmente de “conventions of the constitution” ou simplesmente “conventions”, aqui serão apresentadas algumas noções fundamentais, as quais serão desenvolvidas nesta Parte II e posteriormente na Parte III deste trabalho.

Jorge Miranda as divide em dois grupos, um de matriz francesa e outro de matriz britânica.

Para o de matriz francesa, as convenções constitucionais seriam “acordos ou consensos, explícitos ou implícitos, entre os protagonistas da vida político- constitucional”193.

Já para os de matriz britânica (Inglaterra e Estados Unidos), assevera estarem tais convenções “ou a meio caminho entre usos e costumes; ou como expressão de uma juridicidade não formal e específica (sem controlo judicial e sem outras sanções a não ser a política), ou ainda, como ordem normativa sui generis, irredutível às categorias habitualmente estudadas”194.

Com isso nota-se que os ensinamentos de Hsü Dau-Lin coincidem com as lições de Jorge Miranda, quando aquele diz que as conventions of the constitution e as usages of the constitution foram equivocadamente traduzidas no direito alemão como direito consuetudinário, passando a partir daí a haver a confusão conceitual e a adoção de tais conceitos como normas consuetudinárias195.

Ensina-nos Hsü Dau-Lin que as conventions e as usages sequer são direito e não há controle judicial sobre elas196.

193JORGE MIRANDA. Manual de direito constitucional, tomo II, 7ª edição. Coimbra: Coimbra, 2013,

p. 166.

194JORGE MIRANDA. Manual de direito constitucional, tomo II, 7ª edição. Coimbra: Coimbra, 2013,

p. 166.

195HSÜ DAU-LIN, Mutación de la constituicion, traduccion Pablo Lucas Verdú e Christian Förster.

Bilbao: Instituto Vasco de Adminstración Pública Herri-Arduralaritzaren Euskal Erakundea, s/d., p. 137.

Como se verá mais a frente, as convenções possuem características peculiares de modificarem-se tão facilmente e com frequência, bem como possuem elasticidade, não podendo as “conventions” ser qualificadas como normas jurídicas, como normas de direito constitucional (ou seja, não são “Law”, no sentido inglês, onde os tribunais podem fazer valer seu cumprimento)197.

E diante do fato de que todas essas figuras de usos e práticas (praxes, precedentes e convenções) não seriam sequer direito, como poderiam criar normas (no sentido de direito) constitucionais não escritas válidas?

Tais considerações sobre esta indagação serão abordadas mais a frente quando das considerações de ordem crítica e comparativa relativamente aos costumes constitucionais e aos costumes parlamentares, na Parte III desta dissertação.

Para Hsü Dau-Lin as convenções constitucionais “são convenções, entendimentos, hábitos, ou práticas que regulam a conduta dos diversos membros do poder soberano.”198.

Desta conceituação feita pelo Autor e baseada na origem inglesa das convenções, percebe-se que é dito que as convenções “regulam a conduta dos diversos membros do poder soberano”. Constata-se que desta noção surgiu a ideia defendida por Carlo Girola e Carmelo Carbone de que os costumes constitucionais são originários dos sujeitos titulares dos órgãos imediatos do Estado, pois na Itália (e também na França) estes sujeitos titulares dos órgãos imediatos do Estado são os membros do poder soberano citados por Hsü Dau-Lin.

Ainda, podem ser definidas como sendo costumes ou entendimentos sobre o modo mediante o qual os diversos membros do corpo legislativo exercem discricionariamente a autoridade, sendo chamadas inclusive por Dicey de prerrogativa da coroa ou privilégios do parlamento199.

Além disso, nos informa o Autor que as convenções podem ser definidas como “costumes ou entendimentos sobre um modo mediante o qual os diversos membros do corpo legislativo exercem discricionariamente a autoridade”. Como se nota, a ideia de membros do poder soberano citada está relacionada com os membros do corpo legislativo inglês, pois na Inglaterra o Governo e o Poder

197HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 135. 198HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 131. 199HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 132.

Legislativo estão consubstanciados dentro do parlamento, bem como a coroa britânica não dita as normas do sistema constitucional inglês. Já nos países continentais de constituição escrita, não se dá desta forma, pois, inclusive, o poder judiciário tem autoridade para rever os atos do parlamento e do Governo, bem como a autoridade citada não é exercida somente pelo parlamento, o que não condiz com a argumentação de dos Autores italianos acima citados.

Citando Dicey, Hsü Dau-Lin traz a distinção na Inglaterra de direito constitucional (“law of the constitution”) e “conventions of the constitution” (convenções da constituição).

As regras oriundas de “law of the constitution” são todas as regras que, direta ou indiretamente, disponham sobre a distribuição ou exercício do poder soberano no Estado200.

Acrescenta ainda que tais regras (law of the constitution) são direito em sentido estrito, posto que são regras tanto escritas como não escritas e que são ditadas mediante estatutos (leis) ou derivadas de uma massa de costumes, tradições ou de criação judicial, conhecidas como “commow law”, sendo ditadas com caráter obrigatório pelos tribunais201.

Já as regras das conventions of the constitution “em realidade não são leis em absoluto, posto que não podem se fazerem valer pelo tribunais”202.

Como exemplos do “law of the constitution” inglês, podem ser citados a regra não escrita “the king can do no wrong”, ao passo que como norma escrita está a prescrição de que “a coroa não tem poder algum para dispensar a obrigação de cumprir a lei”203.

Não obstante tal diferenciação, na qual o direito constitucional inglês é lei (direito) em sentido estrito e as convenções constitucionais não, Hsü Dau-Lin, também citando Dicey, informa que em realidade as conventions são mais importantes que as leis204.

Também são citadas como características das “conventions of the constitution” a elasticidade e a capacidade de modificação discricionária e constante, a qualquer momento e informalmente. Acrescenta o Autor que as convenções

200HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 131. 201HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 131. 202HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 131. 203HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 132. 204HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 132.

variam de “geração a geração”, bem como, citando A. L. Lowell, é “impossível precisar as ‘conventions’ da constituição, porque estão constantemente mudando pelo processo geral de crescimento e queda, e enquanto algumas delas são universalmente aceitáveis, outras estão em um estado de incertezas”205.

Citando outros Autores, Hsü Dau-Lin informa que as convenções constitucionais mantiveram a vida constitucional inglesa sempre em movimento em relação ao desenvolvimento político (Koellreuter), bem como graças apenas às “conventions of the constitucion” se pôde impedir até hoje a desintegração do império britânico (Leibholz)206.

Como afirmação conclusiva, diz que o conceito de convenções constitucionais é resultado natural e necessário da teoria constitucional inglesa e que tal conceito perde importância e não alcança sentido prático fora do direito constitucional inglês207. (grifo nosso)

Dessa forma, ressalta-se que, diante do fato das características tão peculiares das “conventions” de modificarem-se tão facilmente e com frequência, bem como de possuírem elasticidade, as “conventions” não podem ser qualificadas como normas jurídicas, normas de direito constitucional (ou seja, não são “law”, no sentido inglês, onde os tribunais podem fazer valer seu cumprimento)208.

Isto porque as normas jurídicas (“law”) precisam ser constantes (segurança jurídica). Assim, tal separação entre “conventions of the constitution” como não sendo normas jurídicas e “law of the constitution” como sendo, é de fundamental importância para a própria garantia do conceito de “law of the constitution”209.

8.3.2 “Usages of the Constitution” (Estados Unidos)

Quanto ao sistema constitucional norte americano e as respectivas práticas ou formas de se concretizar a constituição americana, Hsü Dau-Lin esclarece que estas se denominam “usages of the constitution” e as define da seguinte forma: “É precisamente o conceito das ‘conventions of the constituion’ da

205HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 133. 206HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 133. 207HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 134. 208HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 135. 209HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 135.

teoria constitucional inglesa que aqui apenas recebe outro nome”. Ou seja, são regras não escritas que versam sobre o funcionamento da constituição210.

Diante disso, quanto aos “usages”, remete-se ao que foi dito quanto às “conventions”.

Necessário se faz acrescentar, no entanto, importantes observações extraídas da obra de Hsü Dau-Lin que muito esclarecem sobre as ideias atuais de costumes e práticas constitucionais como capazes de gerarem normas constitucionais não escritas válidas.

Observa o Autor alguns equívocos disseminados quanto ao tema dos “usages of the constitution”, elencados abaixo211:

a) Na Alemanha, por equívoco de tradução, já se entendeu que os “usages” eram direito consuetudinário212;

Com isso, esclarece o Autor que tal assertiva de ser os usages direito consuetudinário não é correta, pois os “usages” não são direito (da mesma forma que as “conventions of the constitucion” também não o são), além de que nem sempre serem consuetudinários213.

b) Outro equívoco é o de classificar os “usages” como direito não escrito norte americano214;

Isto porque, da mesma forma que a Inglaterra, os Estados Unidos também possuem um direito constitucional não escrito e outro escrito. Talvez a confusão se dê uma vez que, diferentemente da Inglaterra, os Estados Unidos possuem uma constituição escrita215.

Mas, como esclarece o Autor, o direito constitucional não escrito norte americano é o “commow law of the constitution”216.

c) Outro ponto interessante é a razão pela qual nos Estados Unidos não se adotou a palavra “conventions” para designar as convenções, entendimentos, hábitos, ou práticas que regulam a conduta dos diversos membros do poder soberano217.

210HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 137. 211HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 137. 212HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 137. 213HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 137. 214HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 137. 215HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 137. 216HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 137. 217HSÜ DAU-LIN, op. cit., p. 137.

Tal ocorreu porque, no sistema jurídico norte americano, tecnicamente, “conventions” (convenções) é empregado não no sentido britânico de acordo, mas sim no sentido de reunião ou assembléia.

Assim, nos Estados Unidos, “constitutional conventions” é a designação para a assembleia nacional constituinte americana218.

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