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Relativizações e Afastamento da Teoria Geral do

No documento Atos parlamentares e costume constitucional (páginas 139-145)

PARTE III – ATOS PARLAMENTARES E O COSTUME CONSTITUCIONAL

15. Costumes Constitucionais em uma Breve Visão Comparada

15.2.1 Carlo Girola

15.2.1.4 Relativizações e Afastamento da Teoria Geral do

Pelo que se pode constatar, toda argumentação de Carlo Girola baseia-se numa hipótese condicional. E tal condição reside justamente em desconsiderar a teoria geral do direito, ou seja, criar um direito de exceção exclusivo e único para os costumes constitucionais. Mas tal abandono da base científica do direito não se faz de forma direta, mas indiretamente por meio de novas concepções (exclusivas para os costumes constitucionais), as quais são atualizadas, mais gerais, com visão mais

ampla, baseadas nos fatos, sem rigor técnico, como menciona Carlo Girola durante

Passa-se então a uma espécie de adaptação, ou em outras palavras, de uma criação de premissas para sustentar a conclusão: a existência e a validade dos costumes constitucionais ilimitados criados por meio da vontade dos agentes dos órgãos constitucionais imediatos.

Diz o Autor: “Se aceitarmos as conclusões acima formuladas, em harmonia com o princípio segundo o qual cada norma jurídica deve basear-se na vontade do Estado não se vê por qual razão se deve preferir renunciar a uma

justificação racional da força obrigatória do direito consuetudinário, especialmente no

campo do direito constitucional, observando que uma solução diversa não resolveria satisfatoriamente a questão”352. (grifos nossos)

Este “princípio” da vontade do Estado criado por Carlo Girola é a base de todo o seu raciocínio para criar a sua teoria de que os costumes constitucionais são normas jurídicas mesmo sem a presença dos elementos tradicionais que compõem os costumes. Percebe-se aqui que Carlo Girola desenvolveu toda a sua teoria baseada na vontade do Estado como fonte criadora do costume constitucional para justificar a criação de comportamentos que se sobrepõem às normas constitucionais escritas, criando uma constituição não escrita, paralela e superior. Trata-se, portanto, de uma justificação. Assim, amolda-se toda a teoria geral do direito aos comportamentos derivados do chamado costume constitucional ilimitado. Mas, em realidade, nem haveria o amoldamento da teoria geral aos costumes constitucionais, pois em realidade seria simples negação da teoria geral do direito aos costumes constitucionais, criando-se em realidade um direito de exceção.

O próprio Autor afirma que para os costumes constitucionais deve haver um regime jurídico diferenciado dos costumes privados e dos costumes dos outros ramos do direito público, mas, efetivamente, apenas afirma, sem explicar concretamente de onde surgiria a diferença de tratamento. Assim, é a teoria geral do direito sendo alterada por comportamentos específicos e não estes sendo disciplinados pela teoria geral do direito, como é o correto, pois a finalidade da teoria geral do direito é justamente regulamentar as condutas, e não o contrário. Mas, como diz o Autor, “se” esta sua teoria não for aceita (condição), não há como se aceitar a validade dos costumes constitucionais ilimitados como são apresentados. Portanto, trata-se, na essência, de uma teoria condicional.

Como se constatou, no silogismo do Autor, a existência válida dos costumes constitucionais ilimitados é a conclusão. Assim, percebe-se que, de fato, esta conclusão precisa ser justificada por meio de premissas compatíveis, o que acarretou a construção de premissas por meio das citadas mudanças (releituras) de vários institutos da teoria geral do direito. Nos costumes constitucionais ilimitados, então, parte-se da conclusão para depois se construir as premissas, invertendo-se o silogismo, o que, em realidade, demonstra ser um silogismo apenas aparente e não real, pois efetivamente carece de lógica jurídica toda a construção dos costumes constitucionais como defendidos pelos Autores italianos, franceses e brasileiros citados nesta dissertação.

Em realidade, portanto, segundo Carlo Girola, embora este não o diga expressamente, não existiriam mais os costumes “contra constitutionem”, pois qualquer costume seria a vontade do Estado e criaria norma constitucional consuetudinária, sempre legitimamente. Acabaria a necessidade de se avaliar se um costume estaria ou não de acordo com a constituição, pois os costumes em seu conjunto seriam a própria constituição (não escrita), paralela e sempre prevalecendo sobre a constituição escrita fruto do pode constituinte originário.

Também assevera o Autor que “Com efeito, a formação do direito na nossa sociedade é função essencial e exclusiva do Estado, uma vez que não devemos admitir outra fonte de produção do direito que não seja a vontade do Estado, mas isto não significa que não se deva dar valor ao costume”. Ainda, diz o Autor: “Caso se demonstre (façamos uma hipótese – ‘facciamo pure l’ipotesi ora’) que o costume, da mesma forma que a lei, obtém sua força obrigatória da vontade do Estado, é claro que nenhum prejuízo pode haver para a teoria da estatização do direito”353. (grifo nosso)

Nota-se que o Autor reconhece ser a formação do direito função essencial e exclusiva do Estado. Esta afirmação é consentânea com a teoria geral do direito, o que é confirmado inclusive pelas colocações de H. L. A. Hart quando trata dos

modos de origem do direito e da questão do soberano e os súditos, como já exposto

nas observações de ordem crítica relativas às ideias de Anna Cândida como pode se ver mais a frente nesta dissertação, razão pela qual não serão repetidas aqui.

Não obstante, embora reconheça tal situação, o Autor acaba mais uma vez relativizando a teoria geral do direito (o que significa apartar-se de tal teoria) para dizer que pode ser admitida outra fonte de normas jurídicas que não seja a vontade do Estado. Inicialmente, tais colocações do Autor denotam uma aparente contradição de ideias, pois toda a base da sua teoria recai sobre os costumes constitucionais serem fruto da vontade do Estado, mas nas colocações acima, o Autor argumenta que o costume pode nascer por forma diversa da vontade estatal. Em realidade, mais uma vez, a inadequação das ideias é fruto do afastamento da base científica do direito, ou seja, de sua teoria geral.

Assim, o direito seria fruto da exclusiva vontade estatal manifestada pelas leis ou pelo reconhecimento judicial, bem como ao mesmo tempo não seria. É mais uma releitura das noções tradicionais para se justificar a existência dos costumes constitucionais. A confirmar esta justificação, o Autor mesmo afirma que toda a sua teoria não passa de uma hipótese condicional (“facciamo pure l’ipotesi ora”), no sentido de que a condição (“Caso se demonstre”) para o reconhecimento da existência válida de tais costumes seria a concordância com sua hipótese teórica.

Diz Carlo Girola: “Pelo exposto, portanto, e sem me alongar sobre estas questões que já foram amplamente estudadas, parece-me que é necessário partir de um ponto de vista mais geral. Para isso se faz necessário recorrer a outros argumentos”354. (grifo nosso).

Ou seja, um ponto de vista mais geral, mais flexível, menos técnico ou, em outras palavras, menos conforme à ciência do direito, ocorrendo uma transposição da ciência jurídica para a política. Daí a necessidade do autor também de recorrer a outros argumentos.

Diz ainda que “o costume não pode ser caracterizado como fonte do direito privado, pois este deriva da lei positivada, razão pela qual não se pode admitir princípio diverso no direito público. Mas, evidentemente, esta tese parte do pressuposto que as duas questões da existência do costume no direito privado e no direito público, especialmente no direito constitucional, se encontram debaixo de uma mesma linha. Tem-se esclarecido que seja em relação aos sujeitos, seja em relação às relações, que o costume constitucional limitadamente a este ponto, é

possível. E que pode ser apontada a peculiaridade do problema e do modo com o qual o costume no direito constitucional atinge sua força obrigatória.”355.

Nas observações acima o Autor aponta que a razão de ser da existência dos costumes constitucionais estão limitadas às relações constitucionais e aos sujeitos que desempenham estas relações, concluindo-se que fora destes limites não poderia haver costumes constitucionais. Com isso percebe-se que não é a vontade do Estado a fonte criadora dos costumes, mas, sim, a vontade pessoal dos agentes estatais.

E continua: “De qualquer forma, pode-se acrescentar que o desacordo que existe sobre esta questão é mais aparente que real, pois não se deve realmente negar a existência do princípio geral da completude do ordenamento jurídico, mas

apenas reconhecer que este merece apenas uma atenuação no campo do direito

constitucional”356. (grifo nosso)

Mais uma vez aqui há uma releitura dos institutos jurídicos, pois nas considerações acima o Autor relativiza a noção de lacuna jurídica e o caráter da completude do direito, para dizer que estes merecem uma atenuação no campo do direito constitucional, mas não há qualquer explicação de onde viria a autorização para esta atenuação excepcional.

Carlo Girola apresenta como uma de suas conclusões que “Destes princípios se podem tirar importantes consequências: a) Está confirmada a observação já feita no início que a questão da existência do costume constitucional é uma questão que só deve ser resolvida com critérios, os quais devem ser uniformizados às premissas gerais, mas com critérios próprios e particulares à matéria quando se tratar do direito constitucional”357.

Como se nota, de uma inicial hipótese condicional passa-se a uma confirmação da existência valida dos costumes constitucionais ilimitados. Além disso, também se percebe uma contradição, pois os critérios próprios citados anulam justamente as premissas às quais deveriam uniformizar-se, como já exposto.

355CARLO GIROLA, op. cit., p. 16. 356CARLO GIROLA, op. cit., p. 31. 357CARLO GIROLA, op. cit., p. 24.

Ainda, como conclusão, diz que “c) Não se pode seguir outra teoria [a teoria exposta por Carlo Girola] para justificar a força obrigatória dos costumes dentro do direito constitucional"358. (grifo nosso)

O Autor também nas colocações acima confirma que fora da sua argumentação não há como reconhecer a existência válida dos costumes constitucionais expostos, bem como que toda a sua construção argumentativa é, em realidade, uma justificativa para a existência dos costumes citados. Ou seja, não se demonstra a existência dos costumes, mas, sim, se justifica. É uma forma de afirmar a existência dos costumes constitucionais ao invés de demonstrá-la.

A reforçar o caráter hipotético, geral e abstrato das colocações do Autor, este diz “Mas esta e outras observações não possuem, a meu ver valor absoluto”, alegando ainda que “Mas partindo de um ponto de vista mais abstrato do que concreto, excetuando-se...”359.

Percebe-se aqui mais uma flexibilização, pois o que não possui valor absoluto é necessariamente relativo e, dentro da esfera de relatividade, muitos podem ser os entendimentos, o que traduz novamente uma indefinição das ideias, as quais geram como decorrência desdobramentos também indefinidos. Nota-se também que, seguindo a mesma linha de flexibilização das ideais e dos conceitos, parte de “um ponto de vista mais abstrato do que concreto”. Compreende-se que aquilo que é concreto corresponde ao que é real, posto, que existe efetivamente, ao passo que a abstração justamente existe para se distanciar ou apartar-se do real, ou seja, do concreto. Valendo-se da abstração, o Autor desconsidera o caráter concreto da realidade jurídica, ou seja, os postulados da ciência do direito já concretizados, os postulados que existem como realidade e não como abstração ou conceitos relativos e indefinidos. Uma argumentação baseada somente em concepções “abstratas”, “gerais”, “sem caráter absoluto” alicerçar-se-á por sua vez em base que carece de solidez, gerando novamente a indefinição das ideias e dos respectivos desdobramentos. Neste, sentido vale mais uma observação. Como se constata na presente dissertação, tal releitura dos conceitos é usada não só por Carlo Girola, mas também por, Carmelo Carbone, René Capitant, Pierre Avril, Anna Cândida, Luiz Roberto Barroso e Uadi Lâmego Bulos, aspecto este que ao qual se retorna quando das conclusões.

358CARLO GIROLA, op. cit., p. 24. 359CARLO GIROLA, op. cit., p. 18.

15.2.2 Riccardo Guastini

15.2.2.1 Costumes Constitucionais

Costumes constitucionais são aqueles que se instauram por meio da atuação dos órgãos constitucionais em suas relações recíprocas360.

É duvidosa qual seria a posição do costume constitucional dentro do direito constitucional. Em realidade, a constituição não faz qualquer menção à fonte consuetudinária. A rigor, não se deve concluir que, no âmbito constitucional, o costume possa operar não mais como fonte legal, mas, sim, como fonte “extra ordinem”. Não é essa, contudo, a opinião que prevalece na doutrina361.

No documento Atos parlamentares e costume constitucional (páginas 139-145)