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NO DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA FORMAS E CORES SE

3 SOBRE COMO DESENVOLVEMOS A PESQUISA: DO DESEJADO AO

3.2 NO DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA FORMAS E CORES SE

Se no início não dispomos de um método, pelo menos podemos dispor de um antimétodo, pelo qual ignorância, incerteza, confusão tornam-se virtudes (Edgar Morin – O método 1).

Para escrever este subcapítulo18, volto a sua versão correspondente do Projeto de Qualificação e de certa forma sinto saudade. Viver no âmbito das possibilidades é incrível, sou grata a tudo o que me aconteceu, faz exatamente um ano que o escrevi, a minha vida deu um giro, o caleidoscópio também e assim foram traçados os caminhos da pesquisa.

Naquela época escrevi como nota de rodapé que ―Gostaria de deixar apontado que tudo o que escreverei aqui está no âmbito das possibilidades do trabalho, num primeiro

18 Neste subcapítulo escreverei algumas vezes em primeira, outras em terceira pessoa, pois a construção de

momento, considerando que tudo ocorra como o planejado, com a total certeza de que não ocorrerá, descrevo neste subcapítulo como pretendo desenvolver a pesquisa, ciente de que mudanças serão feitas ao longo dos próximos dois anos de investigação empírica‖. E de fato houve mudanças, mudanças estas que não qualificaram nem prejudicaram a pesquisa, apenas a fizeram diferente.

Retomando, o nome que dei para o meu ―antimétodo‖ é Método Caleidoscópico, isso a partir da imagem de um caleidoscópio, um aparelho ótico que junta formas e cores através de reflexos de espelhos dentro de um recipiente, traçando imagens distintas a cada movimento. O caleidoscópio pouco, ou nada, repete suas imagens, a cada luz ele é diferente, a cada ângulo, cambiante, e é assim que penso o método empregado a pesquisa de doutoramento, sempre com o desejo que isso tudo seja diverso, surpreendente e belo.

Desta forma, com o objetivo de conhecer e dialogar com os imaginários dos acadêmicos dos semestres finais dos cursos de licenciatura da UFSM sobre a educação em uma perspectiva instituinte, utilizando o Método Caleidoscópico, percorri os vinte e dois cursos de licenciatura da UFSM através de seus projetos pedagógicos, legislações, objetivos, matrizes curriculares e políticas. Caminhei também por quatorze destes, conversando com turmas de semestres finais, olhando nos olhos, sentindo o cheiro e observando as cores de tantos estudantes esperançosos, angustiados e disponíveis. Além disso, lancei, como aviõezinhos de papel, o questionário sócio-imaginário para turmas dos vinte e dois cursos e nem sei aonde foi parar.

Gostaria de registra que durante o desenvolvimento da pesquisa recorri a Pró-Reitoria de Graduação da UFSM três vezes e fui muito bem recebida, primeiramente pela Professora Marta Adaime que mostrou bastante interesse pelo projeto de pesquisa e gentilmente assinou o Termo de Autorização Institucional para a realização da investigação, que foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFSM no mês de outubro de 2015. Depois as técnicas em assuntos educacionais que prontamente me passaram os arquivos dos PPCs e além disso se dispuseram a conversar sobre eles, caso isso pudesse auxiliar na pesquisa. Por fim, com um tanto de dados já analisados realizei uma entrevista/conversa com uma das Técnicas em Assuntos Educacionais responsáveis pela Coordenadoria de Apoio e Desenvolvimento de Ensino (CADE), situada, também na PROGRAD.

Cansativo, provocativo, demorado, surpreendente, assim defino o período de construção de dados da pesquisa. Tudo começou quando peguei em mãos, na verdade em pen

drive, os vinte e dois PPCs, e um primeiro pensamento me passou pela cabeça, ―porque eu

inventei isso?‖. Primeiro passei algumas semanas olhando para aquela pasta no computador sem ter muita coragem de abrir, pois, em números, os PPCs dos vinte e dois cursos de

licenciatura da UFSM, em formato digital que me foi entregue na Pró-Reitoria de Graduação, compõem uma pasta com 7.297 arquivos em 1.428 outras pastas. Cada um dos 7.297 arquivos são um pedaço de algum PPC. Nada prático, nem simples, nem acessível, esta foi a Análise

Documental.

Para realizar este trabalho criei uma tabela com os itens dos PPCs divididos da seguinte forma:

Figura 2 – Demonstrativo da tabela de análise dos PPCs Curso: APRESENTAÇÃO

JUSTIFICATIVA OBJETIVOS

PERFIL DESEJADO DO FORMANDO ÁREAS DE ATUAÇÃO

PAPEL DOS DOCENTES

ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS ESTRUTURA CURRICULAR ELENCO DE DISCIPLINAS

BIBLIOGRAFIAS DAS DISCIPLINAS AVALIAÇÃO

RECURSOS HUMANOS E

MATERIAIS

ADAPTAÇÃO CURRICULAR LEGISLAÇÃO

ASPECTOS GERAIS, LEGAIS E IMAGINÁRIOS DA FORMAÇÃO DOCENTE

Descrição da figura: imagem contendo uma tabela com dezesseis linhas e duas colunas, sendo que na primeira linha as colunas estão mescladas e está escrita a palavra curso, acompanhada de dois pontos. Abaixo, nas demais linhas, sempre na coluna da esquerda, estão listadas as seguintes expressões, escritas em caixa alta: apresentação; justificativa; objetivos; perfil desejado do formando; áreas de atuação; papel dos docentes; estratégias pedagógicas; estrutura curricular; elenco de disciplinas; bibliografias das disciplinas; avaliação; recursos humanos e materiais; adaptação curricular; legislação; aspectos gerais, legais e imaginários da formação docente. Este é o demonstrativo da tabela utilizada para análise dos PPCs.

O segundo passo foi a realização da leitura de cada um destes PPCs trazendo para a tabela as principais impressões ou trechos dos documentos. A análise documental me surpreendeu pela complexidade e importância, confesso que antes, quando me dispus à tal tarefa, não pensei que a mesma tomaria tanto espaço na pesquisa, como o leitor poderá perceber depois. A análise foi feita visando os objetivos do curso, organização curricular, os perfis de professores desejados, as teorias e bibliografias adotadas nas disciplinas que competem a formação de professores, ementas das disciplinas e carga horária. Isso porque, ao trabalharmos na perspectiva do imaginário social, acreditamos que documentos como este retratam as estruturas subjetivas, os imaginários dos responsáveis pela sua elaboração e manutenção, bem como os possíveis perfis de egresso.

Após ter percorrido todos os vinte e dois PPCs, me achei apta a conhecer as turmas dos cursos de licenciatura e à minha rotina de ―todo o dia ela faz tudo sempre igual...‖ acrescentei telefonemas, e-mails e idas e vindas à UFSM. Durante quatro meses, de março a junho de 2016, com um gravador sempre a postos, entrava em todas as salas em que as portas se abriam, algumas até dei uma forçada, outras já estavam escancaradas antes mesmo do horário marcado e assim estive conversando com turmas de quatorze curso de licenciatura e sou muito grata a cada docente que gentilmente cedeu espaço em sua aula, e a cada estudante que se dispôs a dialogar comigo no que chamamos na pesquisa de Conversas Cruzadas.

Conheci a turma do sexto semestre do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas através da professora Deisi Sangoi; do sétimo semestre do Curso de Licenciatura em Matemática – Noturno na aula da professora Anemari Lopes; do sétimo semestre do curso de Licenciatura em Matemática – Diurno com a professora Liane Roos; com o apoio da professora Graziela Farias conversei com a turma do sexto semestre do Curso de Licenciatura em Pedagogia – Noturno; e através das professoras Lúcia Nunes e Taciana Segat com a turma de sétimo semestre do Curso de Pedagogia – Diurno.

Também estive com a turma do sexto semestre do Curso de Licenciatura em Artes Visuais na aula da professora Marilda Oliveira; com a turma do sexto semestre do Curso de Licenciatura em Educação Especial – Noturno através da professora Glaucimara Pires; e sétimo semestre do Curso de Licenciatura em Educação Especial – Diurno juntamente com a professora Juliana Riboli. Além disso conversei com a turma do sexto semestre do Curso de Licenciatura em Filosofia na aula da professora Elisete Tomazetti.

Estive também com a turma de sétimo semestre do Curso de Licenciatura em Letras – Português, juntamente com a professora Francieli Pinton; sexto semestre do Curso de Licenciatura em Letras – Espanhol, na aula da professora Vanessa Fialho; e sétimo semestre do Curso de Licenciatura em Música com a professora Claudia Belocchio. Já no final do

semestre ainda conversei com a turma de sexto semestre do Curso de Licenciatura em Química através do professor Guilherme Corrêa; e com a turma do sexto semestre do Curso de Licenciatura em Teatro na aula da professora Candice Lorenzoni.

Porque menciono aqui os professores que abriram as portas de suas salas de aula e me ajudaram nesta empreitada? Porque não foi assim em todos os cursos, nem com todos os contatados. A solidariedade acadêmica, quando acontece, precisa ser destacada e por isso sou imensamente grata a estes docentes. Também ressalto que no Curso de Licenciatura em História obtive resposta do professor Luís Augusto Farinatti, no Curso de Licenciatura em Física – Diurno e Noturno do professor Lúcio Dorneles, na Licenciatura em Geografia do professor Cássio Wollmann e na Licenciatura em Letras – Inglês da professora Patrícia Marcuzzo, mas estes estavam trabalhando com semestres iniciais e por isso suas turmas não foram visitadas, mas não foi por este motivo que seus cursos não participaram das Conversas

Cruzadas, assim como os cursos de Licenciatura em Ciências Sociais, Licenciatura em

Educação Física, Licenciatura em Dança.

As Conversas Cruzadas aconteciam como um debate nas turmas, orientado por nove itens que aos poucos iam sendo lançadas aos estudantes, são eles:

 Como vocês escolheram a profissão? Todos vocês, quando vieram para o curso de Licenciatura queriam, realmente, ser professor?

 A UFSM tem atualmente 22 cursos de Licenciatura, entre todos, porque vocês escolheram este curso?

 O que é educação?

 O que é escola? Porque ela existe? A escola precisa existir?

 Em que aspectos a profissão de professor se difere de todas as outras profissões?

 O que faz o professor? Qual é o seu trabalho?

 O que é o aluno?

 O que é uma boa aula?

 O que vocês aprenderam aqui e que vocês acham que não aprenderiam em outro lugar? O que o curso de Licenciatura ensinou de mais importante para vocês?

Consensos, surpresas, divergências, várias opiniões, histórias de vida, expectativas, sonhos e muitos silêncios permearam as quatorze Conversas Cruzadas, que duraram de quinze até quarenta e cinco minutos, variando a cada curso. Todas as conversas foram transcritas e organizadas em planilhas da seguinte forma:

Como vocês escolheram a profissão? Todos vocês, quando vieram para o curso de Licenciatura queriam, realmente, ser professor?

Figura 3 – Demonstrativo da tabela de análise das Conversas Cruzadas

CURSO RESPOSTA Licenciatura em Artes Visuais Licenciatura em Ciências Biológicas Licenciatura em Educação Especial – D Licenciatura em Educação Especial – N Licenciatura em Filosofia Licenciatura em Letras – Espanhol Licenciatura em Letras – Português Licenciatura em Matemática – D Licenciatura em Matemática – N Licenciatura em Música Licenciatura em Química Licenciatura em Pedagogia – D Licenciatura em Pedagogia – N Licenciatura em Teatro

Descrição da figura: imagem contendo uma tabela com quinze linhas e duas colunas. A coluna da esquerda traz na primeira linha a palavra curso e nas demais linhas os nomes dos cursos de licenciatura da UFSM que participaram das Conversas Cruzadas. São eles, na ordem em que estão listados na tabela: Licenciatura em Artes Visuais; Licenciatura em Ciências Biológicas; Licenciatura em Educação Especial – D; Licenciatura em Educação Especial – N; Licenciatura em Filosofia; Licenciatura em Letras – Espanhol; Licenciatura em Letras – Português; Licenciatura em Matemática – D; Licenciatura em Matemática – N; Licenciatura em Música; Licenciatura em Química; Licenciatura em Pedagogia – D; Licenciatura em Pedagogia – N; Licenciatura em Teatro. Na coluna da direita traz na primeira linha a palavra resposta e as demais linhas estão em branco. Este é o demonstrativo da tabela utilizada para análise das Conversas Cruzadas.

Fonte: Elaborado pela autora.

Assim, após ter os nove itens guia das Conversas Cruzadas transcritos e separados em blocos uma imensidão de dados se apresentou em nossa frente, muita riqueza a ser explorada,

lida, relida e contada. Cabe destacar que no início de cada uma das conversas eu explicava aos estudantes sobre a pesquisa, o anonimato dos participantes, convidava quem gostaria de participar e perguntava se suas falas poderiam ser utilizadas como dados nesta tese de doutorado. Não houve nenhuma resistência nas turmas, muito pelo contrário, em todas elas encontrei estudantes dispostos a conversar abertamente.

O terceiro momento da construção de dados da pesquisa através do Método

Caleidoscópico, aconteceu concomitante com o segundo e foi intitulado Questionário Sócio-imaginário. A partir dos referenciais de imaginário, associado ao desejo de conhecer o

contexto social dos estudantes dos cursos de licenciatura e de provocar-lhes a refletir sobre o universo simbólico que permeia a educação o questionário foi criado.

Nas andanças pelos cursos de licenciaturas, foram enviados aproximadamente trezentos e-mails contendo o questionário. Para os e-mails individuais dos estudantes que participaram das Conversas Cruzadas, das coordenações dos cursos, das turmas de semestres finais e alguns coordenadores. À cada conversa, eu solicitava que estendessem sua atenção à pesquisa e respondessem ao questionário que seria enviado em breve e, de certa forma, o resultado foi bastante positivo, pois, ao todo, houve cento e quinze respostas, com participação de estudantes de todos os vinte e dois cursos de licenciatura, às trinta questões do questionário19. No movimento de análise dos PPCs muitas dúvidas foram surgindo, lacunas que não consegui compreender apenas com a leitura dos documentos, das legislações e conversas com colegas e estudantes das licenciaturas. Cheguei a um ponto em que foi imprescindível ouvir alguém que estivesse envolvido de forma mais direta com este processo todo e pudesse me ajudar em alguns esclarecimentos. Desta forma surgiu uma nova cor no caleidoscópio da metodologia e através dela chegamos a Coordenadoria de Apoio e Desenvolvimento de Ensino (CADE), setor pertencente a Pró-reitora de Graduação (PROGRAD) da UFSM para a realização de uma conversa sobre os cursos de licenciatura, o trabalho da CADE, os PPCs e as minhas muitas dúvidas.

A conversa que tive com a Técnica em Assunto Educacionais que gentilmente me recebeu durou aproximadamente uma hora e meia, a partir de sua ciência e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TECLE), nosso diálogo foi gravado e, posteriormente, transcrito para compor as análises que serão apresentadas nos capítulos seguintes. Para a nossa conversa não formulei um roteiro prévio de perguntas, para este momento apenas levei os quadros de análise nos quais estava trabalhando e a partir deles

19 O questionário não será apresentado aqui pois, no capítulo de análise de dados apresentaremos as questões

fomos dialogando sobre a forma com que os cursos são criados, acompanhados ou passam por ajustes curriculares. Também conversamos sobre as legislações que regulam as licenciaturas e sua implantação nos cursos, a cultura institucional das licenciaturas e as impressões da CADE em relação a formação de professores na UFSM.

No desenrolar do Método Caleidoscópico muitas coisas saíram fora do planejado e me tiraram do prumo, outras larguei de mão da necessidade de controlar e, com a anuência da professora Valeska, deixei que andassem livres, também houve aqueles momentos em que foi preciso improvisar, e o fiz, pensando que depois eu veria como lidar com tudo.

Relato isso pois vejo nestes momentos a beleza da pesquisa, a proposta de uma metodologia que considera a imprevisibilidade do trabalho de um pesquisador e talvez esta seja uma das coisas que mais me aprazem no método criado para desenvolver esta tese de doutorado. Gosto de pensar o ato de pesquisar como a composição de uma obra de arte, pois é na produção de conhecimento que coloco minha energia, saberes, tempo e criação, vejo na pesquisa científica e na possibilidade de criação metodológica, o meu jeito de ser artista no mundo. Nas palavras de Castoriadis,

Existe um parentesco profundo entre a arte de um lado, a filosofia e a ciência de outro. Não apenas se pode ver, aqui e lá, a imaginação criadora em ação, mas tanto a arte quanto a filosofia e a ciência tentam dar uma forma ao caos: ao caos que sustenta o cosmos, o mundo, que está por trás dos estratos sucessivos das aparências (CASTORIADIS, 2004, p. 139).

Pensando desta forma, para apresentar as cores e formas que compuseram o Método

Caleidoscópico desta pesquisa, pensei que descrever os caminhos, apresentar as questões

propostas e a organização da construção de dados seriam importantes para que o leitor consiga adentrar conosco na análise dos imaginários que habitam os cursos de licenciatura da UFSM. Isso porque, por mais que todos tenhamos partido de lugares diferentes, olharmos para o mesmo horizonte pode nos ajudar a fazermos uma leitura mais ampla. Mas antes de seguirmos para a análise das palavras, falas, sentimentos, imagens, símbolos e silêncios compartilhados pelos estudantes, precisaremos fazer uma última parada e conversar com uma

3.3 O ENCONTRO COM A SENHORA HERMENÊUTICA: UM CONTO SOBRE A