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OS PRIMEIROS REFLEXOS: A BASE TEÓRICA DO MÉTODO

3 SOBRE COMO DESENVOLVEMOS A PESQUISA: DO DESEJADO AO

3.1 OS PRIMEIROS REFLEXOS: A BASE TEÓRICA DO MÉTODO

Nós pressentimos a possibilidade de transformar os círculos viciosos em ciclos virtuosos, refletidos e geradores de um pensamento complexo (Edgar Morin – A cabeça bem-feita).

As discussões sobre uma ciência mais livre, complexa, humana, não são novas, já por volta de 1930 Gaston Bachelard iniciava tais ideias em sua obra O novo espírito científico (2000). Filósofo original, profundo e multifacetado, Bachelard inspirou uma geração de cientistas, epistemólogos e filósofos falando sobre a necessidade de uma nova ciência ou que a ciência antiga se remodelasse, pois, o espírito científico possui uma razão de renovamento inesgotável, uma espécie de metafisica essencial. Ele ainda alertava que este movimento não seria fácil, muito menos rápido, e que esta ―florescência epistemológica‖ levaria tempo para ocorrer.

Chega sempre uma hora em que não se tem mais interesse em procurar o novo sobre os traços do antigo, em que o espírito científico não pode progredir se não criando novos métodos. Os próprios conceitos científicos podem perder sua universalidade. [...] Os conceitos e os métodos, tudo é função do domínio da experiência; todo o pensamento científico deve mudar antes uma experiência nova; um discurso sobre o método científico será sempre um discurso de circunstância, não descreverá uma constituição definitiva do espírito científico (BACHELARD, 2000, p. 121).

Bachelard propõe em suas reflexões sobre epistemologia a ideia da descontinuidade, das rupturas, os erros que geram acertos, entre outros elementos ignorados pela ciência clássica. Ele ainda diz que na concepção do novo espírito científico o método faz corpo em sua aplicação, os caminhos vão sendo abertos na incerteza e, muitas vezes, na ignorância que é cheia de acertos. Ele ainda fala sobre a recusa as simplificações na ciência e na filosofia,

Na realidade, não há fenômenos simples; o fenômeno é um tecido de relações. Não há natureza simples, nem substância simples; a substância é uma contextura de atributos. Não há ideia simples, porque uma ideia simples, como bem viu Dupréel, deve ser inserida, para ser compreendida, num sistema complexo de pensamentos e experiências (BACHELARD, 2000, p. 130).

Nesta mesma linha de raciocínios, numa rica obra dividida em seis volumes, Edgar Morin compõe o que ele chama de O método, resultado de décadas de estudos e pesquisas comprometidos com a sociedade na perspectiva do ―novo espírito científico‖. Nela o filósofo propõe que olhemos a ciência e a produção de conhecimento pela ótica da complexidade, que nada seja excluído e, as grandes áreas há muito tempo divididas, dialoguem em prol da humanidade. Ele provoca que o que temos não cabe mais em termos de produção de conhecimentos, que nossa hiperespecialização nos cega para o resto do mundo e que uma mudança paradigmática é mais que necessária.

Pode-se satisfazer em conceber somente o indivíduo excluído da sociedade, de conceber a sociedade excluindo a espécie, o humano excluindo a vida, conceber a vida excluindo a physis, a física excluindo a vida? Pode-se aceitar que os progressos locais precisos se acompanhem de uma imprecisão difusa sobre as formas globais e as articulações? Pode-se aceitar que a medida, a previsão, a manipulação façam regredir a inteligibilidade? Pode-se aceitar que as informações se transformem em ruído, que uma chuva de microelucidações se transforme em obscurecimento generalizado? Pode-se aceitar que o conhecimento seja fundado na exclusão do conhecedor, que o pensamento seja fundado na exclusão do pensador, que o sujeito seja excluído da construção do objeto? Que a ciência seja totalmente inconsciente de sua inserção e de sua determinação sociais? Pode-se considerar como normal e evidente que o conhecimento científico não tenha sujeito e que seu objeto seja deslocado entre as ciências, esmigalhado entre as disciplinas? Pode-se aceitar tal noite sobre o conhecimento? (MORIN, 2013, p. 28).

O fato é que, cada vez mais, nós pesquisadores nos vemos em posse de um fragmento de um todo, de uma peça do quebra cabeça do mundo, do qual muitas vezes ignoramos a imagem que tem. Morin nos leva a refletir sobre isso, colocar o homem, a sociedade, o todo complexo em cada pesquisa que formos desenvolver, seja na área que for. Voltar a pensar sob a tríade constitutiva do conceito de homem que se define em indivíduo, sociedade e espécie e partir toda a ciência disso. Entretanto, ele deixa claro que não busca um saber geral, nem uma teoria unitária, isso não seria possível.

Morin defende a criação de um método ―que detecte e não que oculte as ligações, as articulações, as solidariedades, as implicações, as imbricações, as interdependências, as complexidades‖ (2013, p. 29). Ele ainda diz que a ignorância e a incerteza podem ser aliadas do pesquisador dinâmico, na busca pela passagem do estado de círculo vicioso ao ciclo

virtuoso no que compete a produção de conhecimento. Não que o que foi produzido até aqui,

o que foi descoberto, não tenha valor algum, ou esteja errado, tudo o que a ciência fez até hoje é de muito valor e nos constituiu socialmente, o questionado são os rumos individualistas, disciplinares, simplificadores e excludentes que isso tomou.

Não sabemos aprender fora das disciplinas, nos movimentar sem as grandes áreas e, de certa forma, vivemos confortáveis com isso. Castoriadis (1987a) também problematiza isso dizendo que não há uma lógica complexa para o que propomos separando as disciplinas e áreas do conhecimento sem uni-las de forma alguma, e questiona os impactos disso na educação.

Aqui os efeitos da separação das disciplinas se fazem sentir com maior gravidade do que em qualquer outra parte: da separação da filosofia (que, a bem dizer, nunca se realizou efetivamente), já que ela leva a esquecer os inumeráveis pressupostos e implicações filosóficas de todo o discurso antropológico; separação dos outros grandes conjuntos de disciplinas físicas e sobretudo biológicas, já que é impossível ver na natureza física e biológica do homem uma simples condição abstrata de sua atividade histórica; da separação entre disciplinas antropológicas, enfim, já que a unidade do objeto desafia imediatamente a dissecção científica e que é possível perguntar se a distinção que fazemos entre disciplinas diferentes tem um sentido para sociedades outras que não a nossa (CASTORIADIS, 1987a, p. 249).

Aprendemos a pensar desta forma disciplinarizada e agora o grande desafio é desaprender, para aprender algo diferente, numa estrutura que englobe, que complexifique, pois é necessário para que retomemos nossa ética planetária, nosso compromisso com o outro, com o mundo visível e invisível, nas palavras de Morin “nós precisamos de um princípio de

conhecimento que não apenas respeite, mas revele o mistério das coisas” (2013, p.36 – grifo

do autor).

Ao falar mais especificamente sobre o método ele nos traz que, nesta teoria, significa caminhar sem um caminho, fazer o caminho enquanto se caminha, construir o método e o conhecimento no tempo do vivido, com suas nuances, seus erros, surpresas e descobertas, a ideia geral é aprender aprendendo.

O método aqui se opõe à conceituação dita ―metodológica‖ em que ela é reduzida à receita técnicas. Como o método cartesiano, ele deve inspirar-se de um princípio fundamental ou paradigma. Mas a diferença é justamente o paradigma. Não se trata mais de obedecer a um princípio de ordem (eliminando a desordem), de claridade (eliminando o obscuro), de distinção (eliminando as aderências, as participações e as

comunicações), de disjunção (excluindo o sujeito, a antinomia, a complexidade), ou seja, obedecer a um princípio que liga a ciência, à simplificação lógica. Trata-se, ao contrário, de ligar o que estava separado através de um princípio de complexidade (MORIN, 2013, p. 37).

A ideia é que a ciência anônima se termine, somos todos humanos, fazemos escolhas teóricas, não somos neutros e o conhecimento que se alimenta da incerteza se mantém ao longo dos anos por sua natureza cambiante. Assim, nos livros O método 1: a natureza da

natureza (MORIN, 2013), O método 2: a vida da vida (MORIN, 2015), O método 3: o conhecimento do conhecimento (MORIN, 2012b), O método 4: as ideias, habitat, vida, costumes organização (MORIN, 2011a), O método 5: a humanidade da humanidade

(MORIN, 2012c) e O método 6: ética (MORIN, 2011b), Morin apresenta uma vasta e complexa filosofia sobre o método e propõe que tomemos outros, e múltiplos, caminhos.

Em O método 1: a natureza da natureza (MORIN, 2013) a ideia discutida é a de que a complexidade da natureza é a natureza da complexidade. Trazendo exemplos da física e da biologia Morin mostra ao leitor o quão ligadas estas disciplinas são, apesar de por muitos séculos terem ignorado uma a outra. Tudo isso sob a égide do princípio da simplificação, uma ideia que reinou e isolou o que antes era uno,

O princípio da simplificação reinou sobre o universo. As coisas foram totalmente e por princípio isoladas de seu ambiente e de seu observador, privados ambos de toda existência. A concordância das observações eliminou o observador, e o isolamento experimental eliminou o ambiente perturbador. As coisas tornaram-se objetivas: objetos inertes, imobilizados, inorganizados, corpos mudados sempre por leis exteriores. Tais objetos, privados de formas, de organização, de singularidade são, neste grau de abstração, terrivelmente irreais; mas tem-se poder sobre eles, pela medida e pela experiência, e esta ação é terrivelmente real (MORIN, 2013, p. 444). Nosso universo perdeu sua singularidade, a ciência o anonimizou e transformou tudo em objeto que pode ser destacado do meio e analisado em descontexto, entretanto, esta práxis científica teve sucesso e aí está a dificuldade em instituirmos um novo paradigma. Precisamos nos reencontrar com a natureza para descobrirmos nossa natureza novamente, retomar a poesia e a sensibilidade, abandonar as simplificações. Através disso, não é preciso ter medo do desconhecido, apenas caminhar conscientemente rumo ao conhecimento, pois ―a complexidade nos torna sensíveis a evidências adormecidas: a impossibilidade de expulsar a incerteza do conhecimento‖ (MORIN, 2013, p. 465).

Esta mesma ideia inicia o livro O método 2: a vida da vida (MORIN, 2015), a de que ―ninguém pode construir seu conhecimento sobre uma rocha de certeza‖ (p. 23). Nesta outra maneira de produzir conhecimento proposta por Bachelard e Morin as ideias destrutivas tornam-se ideias reconstrutoras, abrindo espaço para a filosofia, a poesia e o imaginário na

recusa do pensamento reducionista. Aí está o princípio da busca pelo método, que jamais estará pronto, que toma formas e contornos diferentes a cada estação, em cada lugar. O que me fiz pensar no caleidoscópio, cores, formas, combinações e recombinações, uma busca incessante, que tem pontos de parada, mas não se esgota.

É a viagem em busca de um modo de pensamento capaz de respeitar a multidimensionalidade, a riqueza, o mistério do real e o caráter multidimensional do real; e de saber que as determinações cerebral, cultural, social, histórica, às quais se submete todo pensamento, sempre codeterminam o objeto do conhecimento. É isso que chamo de pensamento complexo (MORIN, 2015, p. 24) .

A complexidade também está na vida da vida e no conhecimento da vida, quando assumimos que ela se enraíza na organização física e avança sobre tudo o que é antropossocial. Um belo exemplo disso, Morin traz na segunda parte desta obra através da metáfora do voo de um pássaro no céu. Ele fala da liberdade e a autonomia do pássaro que voa e sobre como esta certeza se esvai num olhar mais atento, visto que a natureza do pássaro obedece a determinismos ecológicos, moleculares e genéticos.

Sim, o pássaro que voa no céu é determinado física, química, ecológica e geneticamente; sim, o seu voo é aleatório, não só para o observador, mas também para ele próprio. Mas é, também, nas e pelas determinações e aspectos aleatórios, um indivíduo vivo, um pássaro que voa no céu, e devemos procurar uma descrição, uma explicação que não suprima o pássaro, mas o exprima (MORIN, 2015, p. 125 – grifo do autor).

Este conceito de autonomia é baseado no de Castoriadis (1999), é o mesmo da autonomia humana que discuti no capítulo dois do projeto que ora escrevo.

O nomos é nossa instituição imaginária criadora, por meio da qual nós nos fazemos como seres humanos. É o termo nomos que dá toda significação ao termo e ao projeto de autonomia. Ser autônomo, para um indivíduo ou uma coletividade, não significa fazer ―o que se deseja‖, ou o que nos apraz no momento, mas dar-se suas

próprias leis (CASTORIADIS, 1999, p. 212).

Somos indivíduos autônomos, mas nossa autonomia não deve ignorar que temos uma psique que orienta e um meio social que nos forma. Através de discussões assim, neste segundo livro, Morin se dedica a mostrar que é preciso reconhecermos a vida como emergência, em sua dependência e autonomia simultâneas, que existe um círculo composto por physis e bios que integra a vida e que a ciência, seja qual for o conhecimento que deseja produzir, deve considerar isso.

Este conceito de produção de conhecimento Morin discute no livro O método 3: o

sobre o que é o conhecimento, o que é a razão e que na ideia do conhecimento muitas vezes encontramos a ignorância, o desconhecido e a sombra. Ele ainda vai dizer que o conhecimento comporta, necessariamente, uma competência, uma atividade cognitiva e um saber, considerando que a atividade cognitiva humana sempre interagiu de modo ao mesmo tempo complementar e antagônico com a ética, o mito, a religião, a política e o poder, este último, com frequência, controlou o saber para controlar o poder do saber.

Morin critica a ―Torre de Babel‖ científica, o universo fragmentado do saber contemporâneo e a apatia da universidade frente a isso, alegando que ―o ato de conhecimento, ao mesmo tempo biológico, cerebral, espiritual, lógico, linguístico, cultural, social, histórico, faz com que o conhecimento não possa ser dissociado da vida humana e da relação social‖ (2012b, p. 26). A proposta é que todo o conhecimento deve refletir sobre si, sobre como é produzido e o seu lugar no mundo complexo, ou seja, as disciplinas precisam situar-se, problematizar-se, reconhecer-se, e então dialogar umas com as outras.

Enfim, os princípios/regras que dirigem o conhecimento humano não estão, como no computador, inscritos num programa. Trata-se de um complexo poliprograma de princípios/regras/normas/esquemas/categorias, alguns inatos, outros culturais, outros elaborados pela experiência dos indivíduos; as instâncias que constituem esse complexo poliprograma reúnem-se, articulam-se e sobrepõem-se de maneira não apenas complementar, mas também concorrente e antagônica, para dirigir as operações do espírito/cérebro (MORIN, 2012b, p. 226).

Frente a isso, é certo que o conhecimento pressupõe fechamento e abertura, ao mesmo tempo. Fechamento, pois, o mundo exterior só lhe chega através de traduções, símbolos e representações e abertura porque é influenciado pelo todo complexo do mundo, ou seja, o conhecimento humano é diferente do conhecimento que criamos nos computadores e mais uma vez, a abertura ao social, ao filosófico, ou poético, é imprescindível. Assim ―o conhecimento não tem fundamento, no sentido literal do termo, mas possui várias fontes e nasce da confluência destas, num dinamismo reflexivo de um circuito de onde emergem juntos sujeito e objeto‖ (MORIN, 2012b, p. 233).

Morin continua estas reflexões no livro O método 4: as ideias, habitat, vida, costumes,

organização (MORIN, 2011a) discutindo que o conhecimento cotidiano é uma mistura de

percepções sensoriais, instituições, racionalidades, ideias inventadas, saberes profundos e ancestralidades misteriosas.

Assim, a sociologia do conhecimento oscila entre um emancipacionismo, no limite do qual a razão e a ciência libertam-se do solo social para voar, e um determinismo rígido de uma sociedade produtora de conhecimentos destinados a assegurar suas funções e a sua reprodução (MORIN, 2011a, p. 16).

Através da ideia do método, da busca pelo caminho da construção de conhecimento complexo, Morin traz à baila discussões sobre sociedade, ciência, imaginário (que ele elabora utilizando a palavras ―espírito‖) e história, mostrando que todo o conhecimento científico depende de um contexto cultural. A cultura fornece ao pensamento as suas condições de formação, concepção e contextualização, através do imaginário social nos constituímos sujeitos sociais produtores de conhecimento, autônomos – até certo ponto –, ou seja, as ideias derivam do habitat, que organizam a vida e os costumes.

Devemos estar muito conscientes de que, desde a aurora da humanidade, a linguagem, a cultura, as normas de pensamento, agarraram o ser humano e nunca mais o largaram. Desde essa alvorada, ergueu-se a noosfera17, com a proliferação dos mitos, dos deuses, cujo formidável levante empurrou o Homo Sapiens a delírios, massacres, crueldades, adorações, êxtases, maravilhas desconhecidas do mundo animal. Desde essa aurora, vivemos no meio de uma floresta de símbolos, da qual não podemos sair. Ainda no fim do nosso segundo milênio, como os daimons dos gregos e, por vezes, como os demônios do Evangelho, nossos demônios ideais arrastam-nos, submergem nossa consciência, dando-nos a ilusão de sermos hiperconscientes... (MORIN, 2011a, p. 303 – grifos do autor).

Desta forma Morin traz constantemente o imaginário, o simbólico, o mítico para dentro de sua obra. Não há método, conhecimento, sujeito, ciência sem esta esfera sensível a que todos estamos subjugados, quer conscientes ou não.

A razão, a ciência, o saber superior não são mais do que mitos também, criações humanas elaboradas a partir de nossas origens sapien e demens. E nesse sentido, a ideia mais rica ou complexa se desfaz em uma elaboração pobre, que não considera estas outras esferas, que não científicas da produção de conhecimento, ou seja, as ideias nos servem e nós servimos a elas e é indispensável que as teorias científicas se abram aos problemas epistemológicos, filosóficos e éticos e que estas se abram para o conhecimento científico.

A integração reflexiva dos diversos saberes relativos ao ser humano continua sendo tema no próximo livro, chamado O método 5: a humanidade da humanidade (MORIN, 2012c). Morin explora ainda mais esta questão alegando que não se trata de somar os saberes, mas de ligá-los, de articulá-los, ampliá-los, dar espaço a ciência, mas também a literatura, a poesia, as artes em geral, considerando que há diversos meios de conhecimento e de produção de conhecimento.

O conhecimento do humano deve ser, ao mesmo tempo, muito mais científico, muito mais filosófico e, enfim, muito mais poético do que é. Seu campo de observação e de reflexão é um laboratório muito amplo, o planeta Terra, na sua

17 Termo introduzido por Teulhard de Chardin, em O Fenômeno Humano, que designa o mundo das ideias, dos

espíritos/mentes, dos deuses, entidades produzidas e alimentadas pelos espíritos humanos na cultura. Essas entidades, deuses ou ideias, dotadas de autonomia dependente (dos espíritos e das culturas que os alimentam) adquirem uma vida própria e um poder dominador sobre os humanos (MORIN, 2012b, p. 303).

totalidade, no seu passado, no seu futuro e também na sua finitude, com seus documentos humanos que começam há seis milhões de anos (MORIN, 2012c, p. 18).

Pensar o conhecimento humano pela complexidade abre um leque de possibilidades de diálogo que enriquece a ciência, a filosofia, a arte e a produção de conhecimento em geral, porque reconhece o humano, porque vê por trás dos objetos os indivíduos que o constituíram, porque aceita a diversidade, porque não compartimenta a realidade humana. Além disso, porque junta ao invés de separar, dá sentido à palavras e costumes perdidos e, principalmente, porque concebe o homo não apenas como sapiens, mas também como demens, como

symbolicum.

Aí está o grande ganho de refletirmos sobre a humanidade da humanidade, percebermos que há um mundo complexo, simbólico, imaginário por trás de toda a criação, das fábricas, dos objetos, da ciência. Compreender que há um ser humano, animal simbólico por trás de cada artigo escrito, de cada livro publicado, teoria formulada, conhecimento produzido e incluir na pesquisa científica uma abordagem existencial, uma epistemologia complexa, o sonho, a poesia, a filosofia, o devaneio.

Aqui Morin não apenas vai ao encontro da teoria do Imaginário Social (CASTORIADIS, 1982), como também dos apontamentos de Ernest Cassirer (2012) sobre a necessidade de percebermos o homem como um animal que é mais que puramente racional, que comporta igualmente um caráter simbólico em sua essência. Por exemplo, Cassirer em

Ensaio sobre o homem, diz que ―na história do pensamento científico, a alquimia precede a

química, a astrologia precede a astronomia‖ (p. 339). O interessante destas teorias que convergem é que todas propõem o retorno ao homem e sua singularidade, sua sensibilidade perdida.

Seguindo o caminho da busca pelo método, após reflexões sobre a natureza da natureza, a vida da vida, o conhecimento do conhecimento, as ideias, habitat, costumes, organizações e a humanidade da humanidade, Morin chega ao último livro, O método 6: ética (MORIN, 2011b). Este tema está presente em toda a obra, perpassa os cinco livros anteriores e é elaborado com mais cuidado neste último, a partir da ideia da tríade indivíduo-sociedade-espécie.

Morin nos traz que ―todo olhar sobre a ética deve reconhecer o aspecto vital do

egocentrismo assim como a potencialidade fundamental do desenvolvimento do altruísmo‖

(MORIN, 2011b, p. 21 – grifo do autor). Neste sentido os seres humanos carregam ao mesmo tempo o ódio e o amor pelo outro, para viver em comunidade. A proposta é de religação com o outro, com a sociedade, com o humano, para que possamos resgatar a ética na produção de

conhecimento, termos consciência da responsabilidade da ciência frente o mundo, frente aos