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2 POR UMA FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUE REFLITA SOBRE

2.1 O SUJEITO E SUA IMAGINAÇÃO RADICAL

Cada um de nós é um poço sem fundo, e esse sem fundo está, tudo leva a crer, aberto sobre o sem fundo do mundo (Cornelius Castoriadis – As Encruzilhadas do Labirinto II).

Iniciemos falando de Ernest Cassirer (2012) e sua proposição de que o homem, apesar de ser um animal racional é, também, um animal simbólico. E tudo isso começa com a seguinte pergunta: O que é o homem? Ouso dizer que esta pergunta, pode ser uma das mais importantes a ser feita para professores, ou futuros professores. Pois conhecer e compreender o homem, é de suma importância para conhecer e compreender as nuances do trabalho docente.

Não podemos descobrir a natureza do homem do mesmo modo que podemos detectar a natureza das coisas físicas. As coisas físicas podem ser descritas nos termos de suas propriedades objetivas, mas o homem só pode ser descrito e definido nos termos de sua consciência. Este fato coloca um problema inteiramente novo, que não pode ser resolvido por nossos modos costumeiros de investigação.

Assim, através do pensamento dialógico poderíamos nos aproximar do conhecimento sobre o que é o homem. Compreender que uma das chaves para descobrir a natureza do homem, apontada por tantos filósofos e educadores, porém, ignorada durante muito tempo na escola, está no simbólico e no imaginário (OLIVEIRA; SILVA, 2015). Pois, se partimos do princípio que a realidade, e o homem, são coisas heterogêneas, cambiantes, com tantos esquemas, formas de vida e organismos diferentes, como poderíamos querer que a educação fosse homogênea, padronizada e previsível? Neste sentido, perceber o homem, logo, os sujeitos da educação, como animais simbólicos, ao invés de animais puramente racionais, é um dos maiores avanços que a educação pode dar.

Não estamos mais num universo meramente físico, o homem vive em um universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião são partes desse universo. São os variados fios que tecem a rede simbólica, o emaranhado da experiência humana. Todo o progresso humano em pensamento e experiência é refinado por esta rede, e a fortalece. O homem não pode mais confrontar-se com a realidade imediatamente; não pode vê-la, por assim dizer, frente a frente. [...] Sua situação é a mesma tanto na esfera teórica como na prática. Mesmo nesta, o homem não vive em um mundo de fatos nus e crus, ou segundo suas necessidades e desejos imediatos. Vive antes em meio a emoções imaginárias, em esperanças e temores, ilusões e desilusões, em suas fantasias e sonhos. ―O que perturba e assusta o homem‖, disse Epíteto, ―não são as coisas, mas suas opiniões e fantasias sobre as coisas‖ (CASSIRER, 2012, p. 48-49). A partir disso, a proposta de Cassirer, que posteriormente será compartilhada por Castoriadis (1982), é que comecemos a olhar o homem por outra perspectiva, ampliando a definição clássica do homem como animal rationale. As formas de vida e compreensão do mundo que os homens têm vão além da razão, pois, antes da razão, necessariamente passamos pelo símbolo, e por isso concordamos com os autores que reiteram a importância do ver o homem como animal symbolicum. Isso porque, nas artes, cinema, música, literatura, encontramos ecos dessa premissa, bem como pontos luminosos que ilustram a importância do simbólico na vida dos sujeitos.

O homem, antes de qualquer outra coisa, é um inventor, inventou seus modos de ser, agir, relacionar-se, estar no mundo. Castoriadis (1982) diz que tudo o que acontece no mundo, passa primeiro pelo imaginário, onde é tramado nas redes simbólicas da sociedade e passa a existir. E é por isso que teorias como essas se fazem tão importantes para a educação atualmente, pois já é sabido que o modelo atual de escola fracassou no século XXI. Vemos

exaustão de todos os lados, professores, estudantes, gestores, governo, por isso, (re)pensar a educação é uma das maiores urgências da atualidade. E neste contexto, ver o mundo pelas lentes do imaginário é o que proponho para a tese. Partindo do princípio que ―em resumo, podemos dizer que o animal possui uma imaginação e uma inteligência práticas, enquanto que apenas o homem desenvolveu uma nova forma: uma imaginação e uma inteligência

simbólicas13” (CASSIRER, 2012, p. 60).

Entretanto, não há uma maneira única e clara de abarcar o que é o homem, porém o imaginário pode apontar caminhos para uma possível compreensão. Isso porque imaginário

social pode ser entendido como os sentidos construídos por uma sociedade, estes sentidos

que, além de comporem as ideias dos indivíduos de maneira singular e coletiva, impulsionam os mesmos à ação. Esta teoria, elaborada por Cornelius Castoriadis, propõe que a história da humanidade é a história do imaginário humano e de suas obras, isso porque ―a linguagem, os costumes, as normas, as técnicas não podem ‗ser explicadas‘ através de fatores exteriores às coletividades humanas‖ (CASTORIADIS, 2004, p. 129). É como se o imaginário fosse a ―textura invisível do mundo‖ (CASTORIADIS, 1987, p. 175), desde o princípio das sociedades, que, a propósito, são criadas – elas e suas instituições, pelos próprios homens que as habitam.

Mas, para compreendermos bem tudo isso, é importante pensar sobre o homem, o ser, o que ele é e de que é capaz, perceber o homem como um animal simbólico, dotado de imaginação radical, símbolos e poder de criação. Segundo Castoriadis (2002, p. 129) duas características essenciais do homem, sujeito social, são a imaginação e o imaginário social, pois, ao mesmo tempo em que o homem é alma e inconsciente, ele é também sociedade, e nesta via de mão dupla, ―ele só existe em e por meio da sociedade, de sua instituição e das significações imaginárias sociais que tornam a psique apta para a vida‖.

Uma importante característica do homem, que o constitui ser singular no mundo, é a sua imaginação radical (CASTORIADIS, 1999), e é sobre ela que falaremos agora. Esta imaginação traz ao ser a potência de fazer ser o que não é no mundo, ou não era até então, é o que permite ao indivíduo se representar à sua própria maneira, é o que faz com que se construa o que nos rodeia e o que nos funda.

Consideremos o imaginário do ser humano singular, nele está a determinação essencial (a essência) da psique humana. Esta psique é, antes de tudo, imaginação radical, na medida em que é fluxo ou torrente incessante de representações, desejos, afetos. Esta torrente é emergência contínua. É inútil fechar os olhos ou tapar os ouvidos – haverá sempre alguma coisa. Essa coisa se passa ―dentro‖: imagens,

lembranças, desejos, temores, ―estados da alma‖ surgem de modo que às vezes podemos compreender ou mesmo ―explicar‖ e outras vezes absolutamente não (CASTORIADIS, 2004, p. 131).

Ela, num primeiro momento, cria para o ser humano singular um mundo que possa ser partilhado com os outros membros da espécie humana, e numa segunda perspectiva, a propriamente psíquica, ela cria um mundo único para o indivíduo, diferenciando-o de todos. A partir disso é que a esta imaginação primeira, a esta imaginação radical, se atribui o poder de apresentação e de organização humanas e, consequentemente sociais.

Os seres humanos se definem, antes de tudo, não pelo fato de serem ―racionais‖, mas pelo fato de serem dotados de uma imaginação radical. É esta imaginação que deve ser domada e dominada pelo processo de fabricação social que, aliás, nunca está completamente acabado, como atesta a existência de transgressão em todas as sociedades conhecidas (CASTORIADIS, 2004, p. 183).

Para Castoriadis (2004), a imaginação radical é aquilo que distingue o psiquismo humano do psiquismo animal, o que, de fato, nos diferencia como espécie no mundo. E se a ela, ele atribui o termo ―radical‖, justifica dizendo que isso se dá por que a criação de representações, de afetos, de desejos é possível de ser condicionada, porém, jamais será predeterminada. Além disso, esta imaginação primeira dá ao homem a capacidade de criar e instituir símbolos, o poder de ver uma coisa em outra, justificando nossa existência como

animais simbólicos (CASSIRER, 2012), e permitindo-nos construir nossas sociedades e

relações.

É utilizando a imaginação radical que nós construímos, ela embasa nossa psique, é a fonte de criação em nível coletivo e real, e nestas duas perspectivas, portanto, é preciso que esta faculdade seja domada, canalizada, regulada, para que consigamos nos adequar a sociedade e a realidade, ou o que chamamos de realidade. Neste sentido, encontramos na obra de Nyrma Azevedo estudos que entrelaçam o conceito de imaginação radical de Castoriadis e os conceitos de emoção e subjetividade de Henri Wallon (AZEVEDO, 1997, p. 76). Para ela,

Cada indivíduo ao nascer é submetido a estados emocionais pela própria condição de ser humano: ter um corpo sensível num meio estimulador. A apreensão dessa sensibilidade é submetida a uma forma de comunicação (linguagem) elaborada pela cultura que envolve o indivíduo. Assim, a pessoa que cuida frequentemente o bebê transmite para ele as formas de expressar e, mais tarde, comunicar as manifestações sentidas no corpo. Posteriormente, também, as percepções da realidade em torno. E aqui abre-se um canal de discussão sobre a imaginação radical e a escolarização, um dos instrumentos que nossa sociedade utiliza para domesticá-la.

Isso se faz por intermédio de sua socialização, durante a qual eles absorvem a instituição da sociedade e suas significações, interiorizam-nas, aprendem a linguagem, a categorização das coisas, o que é justo e injusto, o que se pode fazer e o que não se deve fazer, o que se deve adorar e o que se deve odiar. Quando essa socialização se realiza, a imaginação radical é, até um certo ponto, sufocada em suas manifestações mais importantes, sua expressão se torna conforme e repetitiva (CASTORIADIS, 2004, p. 132).

Nossas crianças entram na escola aproximadamente aos quatro anos de idade, cheias de imaginação, construindo suas concepções de mundo, interagindo com seus símbolos próprios, vendo borboletas e tigres na folha em que vemos com um borrão de cor amarela. As crianças chegam a escola e cantam, dançam, interagem, se mordem, gritam e choram sem vergonha alguma, e fazem amizades sem muito diálogo, pois a brincadeira é seu maior meio de comunicação.

E nós, fechados em nossos imaginários de escola, comportamento e ―domínio de classe‖, somos os responsáveis por grande parte da domesticação da imaginação radical da criança. O que virou um problema em nossa sociedade, é o quão disciplinadora e castradora a escola se tornou, fazendo que após três ou quatro anos frequentando a instituição, as crianças já não saibam mais desenhar, brincar ou imaginar coisas diferentes do que os olhos mostram. Na necessidade de moldar os pequenos indivíduos para o bom convívio na sociedade que instituímos, acabamos ultrapassando os limites e, tristemente, muitas vezes, fechando, quase que por completo, a imaginação o radical das gerações.

E na formação de professores como isso se dá? Até que ponto estimulamos a abertura para a criação em nossos acadêmicos? Vejo jovens professores em diversos níveis, atuando com práticas quase que medievais, buscando em seus reservatórios da memória uma maneira de dar aulas, sem capacidade alguma de criação, atrofiados em sua imaginação criadora. Tire- lhes a prova, o quadro ou o data-show e o que você tem? Pouco, ou nada.

É porque há imaginário radical que há instituição, mas o que nossas instituições estão fazendo conosco? Ou melhor, de que forma nós estamos criando as nossas instituições? É importante termos em mente que é esta imaginação primeira que cria os esquemas fundamentais que sustenta a constituição do conhecimento, é ela que nos fornece ao tempo todo hipóteses, modelos, ideias e imagens. Assim, é imprescindível que nas escolas, na formação inicial e continuada de nossos professores, pensemos sobre esta capacidade criadora do homem, que por muito tempo foi deixada de lado. Capacidade esta que permite que os homens criem o mundo a seu modo, o instituam e que ao mesmo tempo, molda os homens à cara do mundo.

O autodesenvolvimento do imaginário radical como sociedade e como história – como o social-histórico – faz-se e só pode fazer-se em e pelas duas dimensões do

instituinte e do instituído. A instituição no sentido fundador, é criação originária do

campo social-histórico – do coletivo anônimo – que ultrapassa como eidos, toda ―produção‖ possível dos indivíduos ou da subjetividade. O indivíduo – e os indivíduos – é instituição, instituição de uma vez por todas e instituição cada vez diferente, em cada sociedade diferente (CASTORIADIS, 1987c, p. 121).

As duas dimensões que Castoriadis cita acima, o instituinte e o instituído, será tema de nossa conversa mais adiante, agora, gostaria de chamar atenção para o que nos habilita a instituir, uma outra habilidade humana, fruto direto da imaginação radical, nossa capacidade de criação. Pois, é nosso poder de criação, a partir do imaginário radical, que nos permite criar de uma forma e não de outra, criar sempre e a partir do que estava lá, ou não. Criamos nossos símbolos, mitos, imaginários, regras, valores, instituições como: tempo, sociedade, escola, religião, tudo o que existe foi criado por nós, e por nós é mantido, ou não.

A história é criação: criação de formas totais de vida humana. As formas sociais- históricas não são ―determinadas‖ por ―leis‖ naturais ou históricas. A sociedade é autocriação. ―Quem‖ cria a sociedade e a história é a sociedade instituinte, em oposição à sociedade instituída: sociedade instituinte, isto é, imaginário social no sentido radical. A auto-instituição da sociedade é a criação de um mundo humano: de ―coisas‖ e de ―realidade‖ de linguagem, de normas, valores, modos de viver e de morrer, objetivos pelos quais vivemos e outros pelos quais morremos – e, obviamente, em primeiro lugar e acima de tudo, ela é a criação do indivíduo humano no qual a instituição da sociedade está solidamente incorporada (CASTORIADIS, 1987b, p. 280).

A partir do momento em que nos damos conta que as formas sociais são determinadas por nós, é impossível não mudarmos nossas perspectivas de ação. Ao saber que pertencemos a sociedade instituinte e, ao mesmo tempo, a sociedade instituída, e que é possível escolher qual postura adotaremos. Ainda, sobre criação devemos lembrar que o essencial dela não é a descoberta, mas a constituição de algo novo, ―e no plano social, que é aqui nosso interesse central, a emergência de novas instituições e de novas maneiras de viver, também não é uma ‗descoberta‘, é uma constituição ativa‖ (CASTORIADIS, 1982, p. 162).

Então, como surgem as novas formas sociais e históricas? Através da capacidade de criação humana. Criação esta que sua ausência faz com que caiamos no que Castoriadis (1987b) chama de ontologia herdada, quando só reproduzimos o que está, quando estamos fechados no comodismo da repetição do mesmo, sempre o mesmo, em todos os âmbitos da vida humana e social. Como obra do imaginário radical, a criação constrói o imaginário social, e a autocriação da sociedade se desdobra em história, para o bem, ou para o mal, pois o mesmo homem compôs Allegro, ou criou a Matemática, criou também Auschwitz ou idealizou o massacre do Carandiru.

E quando criamos algo, estamos de certa forma destruindo outro, quer seja um modo de agir, uma tendência de vestir, uma metodologia nova, nada mais é como antes, depois que outro foi criado, pois algo da completude do que existia foi rompido para dar espaço para o que veio. E esta criação nunca é a partir do nada, sempre há algo que antecede, inspira ou subsidia, e é por isso que chamamos a nossa criação de criação ex nihilo.

Essa criação é ex nihilo: quando a humanidade cria a instituição ou a significação, ela não ―combina elementos‖ que teria encontrado esparsos diante dela. Ela cria a

forma instituição, e em e por essa forma ela se cria a si mesma enquanto humanidade (outra coisa do que uma assembleia de bípedes). Criação ex nihilo,

criação da forma, não quer dizer criação cum nihilo, sem ―meios‖ e sem condições, sobre tábula rasa (CASTORIADIS, 1987c, p. 61).

Tanto a criação, quanto a imaginação radical e o imaginário social, posteriormente, vão além do uso comum que se faz destas palavras, e uma das grandes contribuições de se compreender as teorias propostas por Castoriadis, está no ressignificar tais conceitos. Pois a imaginação/criação não é apenas a competência de combinar elementos dados para produzir outra coisa de uma forma já dada, ela é a capacidade de colocar novas formas. Além disso, toda a criação é sempre influenciada por: condições externas (sociedade); condições históricas (história social); condições internas (psique); condições intrínsecas (necessidade de coerência).

Tais teorias nos mostram que não poderá jamais haver esgotamento do pensável, porém, a humanidade não está salva de passar por períodos de declínio e de letargia criativa nestes tempos de bem-estar material e de recebimento de imagens e informações instantâneas e pouco duráveis. E preocupantemente vivemos um tempo em que deixamos nossas crianças recebendo imagens repetidas com estímulos sonoros durante horas e que os dois livros mais vendidos na Feira do Livro de uma cidade universitária são livros para colorir. Isso mesmo, livros para pintar dentro dos desenhos já feitos por computadores e impressoras. Paro e penso, estamos atrofiando nossa libido formandi, ou seja, nosso desejo de criação (CASTORIADIS, 2002).

E aí voltamos a falar de educação, e formação de professores, pois me pergunto se não estamos passando por um período de letargia criativa em nossos sistemas de ensino. No caso de nossa cidade, por exemplo, uma cidade universitária que forma dezenas de licenciados, especialistas, mestres e doutores em educação todos os anos, não deveria ter suas escolas públicas como referências dentro do estado?

Claro que existem outros fatores que influenciam isso, não desconsidero as políticas públicas – que a própria sociedade criou –, nem o baixo salário dos docentes que não estimula

os que são, nem atrai os que podem ser – salário que nós mesmos instituímos –, muito menos, no Rio Grande do Sul, a insistente mudança de governo a cada quatro anos, fator que não permite uma consolidação de programas ou ações – governos que nós mesmos elegemos e destituímos. A própria lógica das instituições na qual os sujeitos submetem-se a viver de forma heterônoma, deixando que a lógica institucional comande suas ações, naturalizando-as. Mas voltando em nosso trabalho como formadores de formadores, a partir de quais imaginários os estudantes dos cursos de licenciatura da UFSM estão sendo formados? Nossos cursos estimulam ou atrofiam a libido formandi dos jovens futuros professores? Há espaço para a criação na universidade? Esta atividade criadora, se é que ela existe, chega até as escolas? Vivemos um dilema e não podemos resolvê-lo sozinhos, é preciso que voltemos nosso olhar para nossa capacidade de criação. Só podemos achar outros rumos no coletivo, mas antes, este coletivo deve despertar de seu sono e pôr em prática o que é capaz.

A história humana é criação. Ela é, antes de mais nada, autocriação sob todos os seus aspectos, separação da humanidade da pura animalidade, separação jamais terminada e ao mesmo tempo insondável. Esta autocriação se manifesta pelo estabelecimento de formas de ser sem equivalente, ―modelos‖ ou ―causas‖ no mundo pré-social. Essas formas são a linguagem, os utensílios, as normas instituídas, as significações, os tipos antropológicos etc. O mesmo acontece com as formas globais particulares que a sociedade assume em diferentes lugares e diferentes épocas: tupi-guarani ou hebraica, grega ou medieval na Europa, assíria ou burocrático-capitalista (CASTORIADIS, 2004, p. 181).

Quando os gregos criaram a filosofia, ou quando os europeus instituíram a Revolução Industrial, isso não se deu por tendências naturais ou espontâneas da sociedade e da história, tudo foi criado a partir do que existia, numa nova conjuntura. E essas criações mudaram a história das coisas, acarretaram uma ruptura social radical e frente a tais exemplos, impossível não pensar que também é possível mudarmos nossa educação instituída. Já que nós criamos nossas instituições, criamos também nossos símbolos, a partir do magma das nossas significações imaginárias. Isso porque,

A história é impossível e inconcebível fora da imaginação produtiva ou criadora, do que nós chamamos o imaginário radical tal como se manifesta ao mesmo tempo e indissoluvelmente no fazer histórico, e na constituição, antes de qualquer racionalidade explícita, de um universo de significações (CASTORIADIS, 1982, p. 176).

Tais significações são chamadas de imaginárias ―porque elas não correspondem a – e não se esgotam em – referências e elementos ‗racionais‘ ou ‗reais‘, e porque são introduzidas por uma criação‖ (CASTORIADIS, 1987b, p. 239), e, também de sociais, porque ―elas somente existem enquanto são instituídas e compartilhadas por um coletivo impessoal e

anônimo‖. E estas características compõem o termo que discutiremos a partir de agora, as

significações imaginárias sociais.

Nas palavras de Castoriadis (1982, p. 168), ―a diferença entre natureza e cultura não é mais a simples diferença de sabor entre o cru e o cozido, ela é um mundo de significações‖. Tais significações estão no sentido, nos mitos, nos costumes, nas leis, elas são o conteúdo, o