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A Organização das Nações Unidas (ONU), como principal organismo internacional desde sua fundação, em 1945, tem exercido um papel preponderante na afirmação e positivação dos direitos humanos. Os direitos humanos, segundo o canal virtual de comunicação da ONU, podem ser definidos como “os direitos inerentes do ser humano; (...), que pode desfrutar de seus direitos humanos sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outro tipo, origem social ou nacional ou condição de nascimento ou riqueza.” (ONU, 2017).

Assim, ainda segundo a definição da própria ONU, os direitos humanos se caracterizam por serem fundados sobre o respeito e a dignidade de cada pessoa, sendo assim universais, inalienáveis, indivisíveis e interdependentes em entre si. Como direitos inerentes a cada ser humano, estes existem a partir da vida humana e não são estabelecidos pelas normas de direitos humanos (sejam elas tratados, direito consuetudinário internacional, princípios dentre outras fontes do direito internacional), que são formuladas com escopo de formalizar e proteger os direitos humanos individuais ou de grupos de ações ou omissões por parte dos Estados (ONU, 2017).

Nas últimas duas décadas, como resposta à crise ambiental e hídrica, com a previsão de que no ano 2025 um terço da população não terá acesso à água cotidianamente para suas necessidades básicas (WOLKMER, A. C.; AUGUSTIN, S.; WOLKMER, M. F. S, 2012, p.53),a ONU vem buscando participar bem como promover no âmbito internacional encontros, reuniões, estudos, programas e campanhas para discutir e propor soluções para o problema, que já é vivenciado por uma ampla parcela da população mundial, cerca de 884 milhões de pessoas, segundo dados da ONU. Alguns dos principais encontros e seus desdobramentos foram relatados no capítulo anterior. Destaca-se também o papel já citado dos movimentos ambientais, de justiça hídrica, de alguns Estados, dentre outros atores sociais, que tem exercido uma forte pressão política sobre a ONU, obrigando-a a avançar no reconhecimento do direito humano à água e a reafirmá-lo de forma mais contundente.

A despeito de todas as limitações no desempenho desse papel de afirmação do direito humano à água, que serão destrinchadas adiante, faz-se necessário afirmar os avanços, as ações positivas da ONU, que hoje dão respaldo a afirmação da água enquanto direito humano12 com a clareza da necessidade premente de se ampliar e aprofundar os documentos

12Não serão citados novamente os documentos resultantes dos principais encontros internacionais; para revê-los, voltar ao tópico 2.3, encontros internacionais e a água. Foca-se neste tópico nas decisões dos órgãos colegiados que compõe a ONU.

jurídicos a esse respeito, como também sua vigilância sobre as violações, que ocorrem ainda corriqueiramente, segundo o Relatório do desenvolvimento humano “Água para lá da escassez: poder, pobreza e a crise mundial da água”, de 2006, documento da própria ONU.

Os principais marcos do direito humano à água estão compilados em documentos de divulgação da Década da Água, publicados pela ONU. O direito humano à água é composto pelo acesso à água, como também pelo direito ao saneamento básico, indispensável para a garantia a uma água própria para consumo. Embora este trabalho foque mais no acesso à água, é importante frisar a interligação desses dois aspectos como componentes indissociáveis, sendo ambos reconhecidos pela ONU como componentes do direito humano à água e, na maioria dos marcos jurídicos analisados, disciplinados conjuntamente.

Em 1979, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres abordou em seu artigo 15 o direito à água:

Os Estados signatários deverão tomar todas as medidas apropriadas para acabar com a discriminação contra as mulheres nas zonas rurais de forma a assegurar, numa base de igualdade entre homens e mulheres, que elas participam e beneficiam do desenvolvimento rural e, nomeadamente, deverão assegurar a essas mulheres o direito: … (h) A usufruir de condições de vida adequadas, particularmente no que respeita à habitação, saneamento, abastecimento de água e electricidade, transportes e comunicações (ONU, 1979).

Posteriormente, em 1989, a Convenção sobre o Direito das Crianças trouxe explicitamente o direito à água: explicitamente a água, o saneamento ambiental e a higiene. O Artigo 24(2):

Os Estados signatários deverão assegurar a implementação integral deste direito e, nomeadamente, deverão tomar medidas apropriadas:

c) para combater a doença e a subnutrição, incluindo no âmbito dos cuidados de saúde primários, através de, entre outras medidas, a aplicação de tecnologias já disponíveis e através da disponibilização de alimentos nutritivos adequados e água potável, tendo em conta os perigos e os riscos da poluição ambiental;

(e) para assegurar que todos os extractos da sociedade, nomeadamente os pais e as crianças, estão informados, têm acesso à educação e são apoiados no uso dos conhecimentos básicos sobre saúde e nutrição infantil, vantagens da amamentação, higiene e saneamento ambiental e prevenção de acidentes (ONU, 1989).

Embora tenham significado marcos importantes no direito humano à água, principalmente para esses grupos tradicionalmente vulnerabilizados, os documentos acima citados, assim como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006, que em seu artigo 28 preconiza “o acesso igual às pessoas com deficiência a serviços de água limpa, e para assegurar o acesso a serviços, dispositivos e outros apoios às necessidades próprias da deficiência adequados e a preços razoáveis” (ONU, 2006). Estes documentos possuem um caráter limitado quanto à sua afirmação como direito human

Em 1999, a Assembléia Geral da ONU aprova a Resolução A/Res/54/175, que em seu artigo 12 afirma que:

[...] na concretização total do direito ao desenvolvimento: (a) Os direitos a alimentação e água limpa são direitos fundamentais e a sua promoção constitui um imperativo moral tanto para os Governos nacionais como para a comunidade internacional (ONU, 1999).

Em 2002, o Comitê para Nações Unidas para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais interpreta, por meio do Comentário Geral nº15, a Convenção Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, uma das principais Convenções da ONU. O Comentário Geral nº 15 estabelece em seu artigo I.1 que “o direito humano à água é indispensável para se viver uma vida com dignidade humana. É um requisito para a realização de outros direitos humanos” (ONU, 1966), vinculando-se, assim, aos artigos 11 e 12 da referida Convenção, que, respectivamente, estipulam o direito a um nível de vida adequado e a um grau de saúde mais elevado possível (LIMA, 2014).

Entre 2005 e 2009, algumas decisões de cunho prático dos órgãos da ONU se destacam, como o Projeto de Diretrizes para a Concretização do Direito a Água Potável e Saneamento, E/CN.4/Sub.2/2005/25, com orientações quanto às formas mínimas de implementação desse direito; o pedido da Comissão de Direitos Humanos ao Gabinete do Alto Comissário da ONU da realização de um relatório que aborde com profundidade o tema; a publicação, em 2007, do referido relatório, no qual se afirma ser “chegada a altura de considerar o acesso a água potável segura e ao saneamento como um direito humano, definido como o direito a acesso igual e não-discriminatório a uma quantidade suficiente de água potável por pessoa e para os usos domésticos, de forma a assegurar a vida e a saúde” (ONU, 2007);a nomeação em 2008 pelo Conselho de Direitos Humanos de um perito independente para avaliar a questão das obrigações em relação à água potável segura e saneamento; a Resolução A/HRC/RES/12/8, em 2009, acusando a recepção do primeiro relatório do perito independente e reconhecendo a obrigação dos Estados de “resolver e acabar com a discriminação em termos de acesso ao saneamento” (ONU, 2009). Tais medidas foram fundamentais para os avanços que vieram em seguida.

Em 2010, duas importantes decisões marcam o reconhecimento do direito humano à água. A primeira, em 28 de julho, da Assembleia Geral da ONU, que, com 122 votos a favor, nenhum contra, 41 abstenções e 29 ausências reconhece formalmente “o direito à água e ao saneamento como essenciais para a concretização de todos os direitos humanos”

por meio da Resolução A/RES/64/292. Destaca-se alguns posicionamentos trazidos como justificativa para abstenções:

Os EUA justificaram sua posição pelo fato do texto da Resolução descrever o acesso à água de maneira diferente do Direito Internacional e pela falta de transparência nas negociações; (...) Reino-Unido também se absteve e também afirmou que não existe “base suficiente em matéria de Direito Internacional para reconhecer o direito de acesso à água como um direito fundamental”. Declarou-se decepcionada pelo fato do prejulgar dos trabalhos do Conselho dos Direitos Humanos (...). O representante da Argentina fez questão de sublinhar que o acesso à água e ao saneamento é um assunto de soberania nacional. A da Nova Zelândia explicou sua abstenção pelo fato de que sua Delegação “não tivera tempo de examinar as incidências do texto”; (...) Quanto ao representante dos Países-Baixos, pode ter acertado (...) ao ponderar, para justificar sua abstenção: “Esta Resolução não insiste o suficiente na responsabilidade dos Estados para com seus cidadãos. Estes devem poder exigir prestação de contas a seu governo e exigir mecanismos de indenização” (CAUBET, 2012, p.13).

A segunda decisão, em setembro de 2010, afirma pela Resolução A/HRC/RES/15/9 do Conselho dos Direitos Humanos:

Os direitos à água e ao saneamento fazem parte do direito internacional existente e confirma que esses direitos são legalmente vinculativos para os Estados. Também apela aos Estados que desenvolvam as ferramentas e mecanismos adequados para alcançarem, gradualmente, a concretização integral das obrigações em termos de direitos humanos relacionadas com o acesso a água potável segura e saneamento, incluindo em áreas actualmente não-servidas ou insuficientemente servidas. (ONU, 2010).

Quanto ao conteúdo do direito humano à água, a ONU tem se baseado principalmente no Comentário Geral nº 15 para defini-lo como direito de todos à “água suficiente, segura, aceitável, fisicamente acessível e a preços razoáveis para usos pessoais e domésticos” (ONU, 2010), buscando fixar quais são os parâmetros de segurança, aceitabilidade, acessibilidade e razoabilidade de preço com base nas recomendações da OMS (Organização Mundial de Saúde) e nos resultados do Relatório de Desenvolvimento Humano sobre a água, de 2006.

Assim, é considerada água suficiente de 50 a 100 litros por dia por pessoa, segundo recomendações da OMS em outros documentos jurídicos, para garantir satisfação de necessidades mais básicas e minimizar problemas de saúde. Segurança se refere à ausência de microrganismos, substâncias químicas ou contaminantes radiológicos, como também um saneamento básico com sanitários em locais seguros fisicamente e que possam ser usados a qualquer momento do dia ou noite. A aceitabilidade se refere a odor, cor e gosto aceitáveis para o consumo e uso pessoal, como também a aceitabilidade em termos de hábitos culturais do saneamento, de modo a assegurar a privacidade e a dignidade, garantindo a não discriminação de grupos marginalizados e vulneráveis. Acessível é a água cuja fonte está acerca de, no máximo, 1.000 metros de distância da residência e que não se gaste mais de 30

minutos para recolher a água, não trazendo distância mínima do que se refere a banheiros. Sobre a razoabilidade dos preços, a ONU determina que não deve ultrapassar 5% do rendimento familiar. (ONU, 2006).

A discussão em torno da obrigatoriedade das normatizações sobre o direito humano à água tem sido ferrenha. Segundo a doutrina e costumes internacionais, preconizados pela própria ONU em seu canal de comunicação virtual, resoluções, declarações e comentários dentre outras fontes normativas, não são vinculativas para os Estados, são soft Law13

possuindo tão somente força moral nas relações internacionais. Muitos Estados, com destaque para os países de economia central, têm usado isso como argumento para não se comprometerem a realizar as determinações da ONU para superação do quadro de falta de acesso à água, argumentando que o que foi definido nos marcos jurídicos citados acima são recomendações, normas programáticas a se buscar, e não uma obrigação vinculativa.

Em contraposição, tem-se buscado afirmar, dentro do campo ativista que luta pelo direito humano à água, a vinculação dos Estados sob o princípio da interdependência dos direitos humanos, de forma que o não reconhecimento e efetivação de um, principalmente com o conteúdo de essencialidade para a própria existência como o direito humano à água, vulnerabiliza muitos outros direitos humanos. (CORTE, 2015)

O Comentário Geral nº15 sobre a Convenção de Direito Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) tem sido também importante na consolidação da tese de obrigatoriedade do direito humano à água, na medida em que explicita, clareia, o conteúdo de uma norma que possui caráter vinculativo aos Estados signatários que a ratificaram14.Decorre, assim, da

interpretação do art. 11 parágrafo 1º, que discorre num rol não taxativo direitos advindos do

direito a um nível de vida adequado (caput), dando abertura à inserção do direito à água; e do

art.12 parágrafo 1º, que preconiza o direito a desfrutar do mais alto nível de saúde física e mental, o que, evidentemente, não é possível sem acesso à água e saneamento (LIMA, 2014).

A ONU, principalmente o Conselho de Direitos Humanos, tem reafirmado reiteradamente que o direito humano à água possui, sim, caráter de obrigatoriedade e vincula os Estados, embora tenha outras posições contraditórias a tal afirmação.

13A doutrina tem se inclinado em direção a reafirmar a importância das normas de soft law como instrumentos

flexíveis, eficazes e indispensáveis no direito internacional, com destaque para as áreas mais sensíveis de negociação, na medida que preparam o contexto político para a aceitação das normas de conteúdo duro, que virão depois. Cf. A importância do soft Law na evolução do direito internacional, Oliveira e Bertoli, 2012.

14Parte da doutrina argumenta, no entanto, a não obrigatoriedade das interpretações do comitê, que não teria

poder legislativo, cabendo aos Estados aceitar ou não as interpretações. (MCCAFREY, 2014 apud VILA RERIBEIRO, 2012).

Politicamente, o problema se espraia aos países de economia periférica, ao se considerar a água um recurso estratégico e uma questão de soberania nacional que pode vir a sofrer intervenções externas internacionais se for reconhecida a obrigatoriedade do direito humano à água. Esse é o argumento que alguns países que tem utilizado para rechaçar o reconhecimento da água enquanto direito humano, dentre os quais o Brasil. Para além, há a reivindicação desses países de que, por possuírem menos recursos, uma população maior e ainda estarem se desenvolvendo, é mais difícil para eles realizarem as metas previstas pela ONU (CORTE, 2015).

Apesar de haver algum avanço nos passos dados pela ONU, é importante analisar com criticidade o conteúdo e os impactos de tais documentos na realidade do acesso à água. Embora reafirme a água enquanto direito humano, a ONU não vem combatendo o processo de mercantilização e a visão economicista sobre os recursos hídricos. A contrário senso, vem apoiando a inserção da iniciativa privada com parcerias público-privadas, encabeçada pelo FMI desde a década de 1990 como solução para a crise hídrica.

Os argumentos usados para justificar tais medidas são eminentemente “técnicos” e tomam como pressuposto o reconhecimento de que a crise da água é motivada pelo fato dela ter sido sempre considerada como um bem gratuito, portanto administrada pelo Poder Público de forma negligente e ineficiente, agravado pelo fato de que os Estados não possuem recursos necessários para universalizar esse serviço. A alternativa, difundida internacionalmente e aceita como inevitável, é atribuir ao mercado a gestão dos recursos hídricos tendo como eixo dessa política, a privatização dos sistemas de distribuição de água e a cobrança pelo seu uso. (IRIGARAY, 2003, p. 262).

Tal posicionamento, como analisado no capítulo primeiro deste trabalho, vem se consolidando, defendido principalmente dentro dos Fóruns Mundiais da Água, que não trata, nem no último evento em 2015, após a Resolução de 2010, a água enquanto direito humano, e sim como um recurso de valor econômico do qual a humanidade necessita e que pode e deve ser regulamentado pelo mercado. Contrapõe-se essa idéia a partir da análise de Irigaray:

Nesse contexto, as grandes corporações, gradativamente, estão assumindo o controle sobre os suprimentos de água existentes no planeta; em outras palavras, estamos confiando a uma elite econômica a definição, conforme seus interesses, dos usos da água. Se por um lado, o reconhecimento do valor econômico da água, pode sugerir uma maior racionalidade no seu uso, na prática a precificação afeta o acesso eqüitativo e universal a esse bem que é essencial à vida e à saúde. (...) Além do mais, a idéia de que o mercado otimizará o uso da água, provendo sua distribuição a um custo menor e com mais eficiência, além de simplista baseia-se em escolha puramente ideológica. Nessa concepção, o mercado se sobrepõe aos demais mecanismos (regulamentação política, cooperação ou solidariedade) no gerenciamento e distribuição ótima dos recursos naturais, ignorando assim o fato de

que a água e o ar são recursos ímpares, posto que essenciais e insubstituíveis, sendo seu acesso um direito (humano) fundamental que deve ser concretizado. (IRIGARAY, 2003, p. 262).

Outro fator que tem que ser observado no conteúdo proposto pela ONU para o direito humano à água é a naturalização da crise hídrica (LIMA, 2014), sem se questionar o modelo de desenvolvimento posto, que é responsável por essa realidade, assim como a naturalização das desigualdades sociais sobre as quais o sistema capitalista se mantém: estabelece-se um conteúdo mínimo, que, se num primeiro olhar parecem buscar garantir a dignidade humana de uma enorme parcela da população mundial que não tem esse mínimo acesso, de outro lado naturaliza a desigualdade social gritante, na medida em que, desde que o mínimo seja alcançado, não se considera que há violação do direito humano à água, mesmo que a quantidade mínima (50 litros) corresponda à quantidade média diária utilizada por pessoa nos países de economia central para descarregar os autoclismos, como relata o PNUD de 2006. Assim, numa analogia, desde que essas pessoas que não tem acesso à água passem a utilizar 50 litros e não 5 diários, como ocorre hoje com a maioria delas, não se questiona se há uma parcela da população mundial que utiliza 500 litros e, principalmente, não se questiona o modelo de economia e de desenvolvimento que abriga e se alimenta dessa desigualdade, num esvaziamento do conteúdo econômico-social da crise.

O próprio documento de divulgação da ONU do direito humano à água traz como equívoco, erros de interpretação, julgar: que o acesso à água deva ser gratuito, devendo ser pago na medida das possibilidades com dinheiro ou de outra forma – mesmo afirmando no PNUD que duas em cada três pessoas que não têm acesso à água limpa sobrevivem com menos de $2 por dia, com uma em cada três a viverem com menos de $1 por dia; que todos tenham água canalizada em casa, podendo estar nas mediações em até um quilometro de distância – ferindo princípios de igualdade e não discriminação social; que um país viola direito humano à água se nem todos seus habitantes tiverem acesso à água e saneamento, os países devem tomar providências na medida de seus recursos para gradualmente concretizar o direito à água – colocando de novo a questão das normas programáticas e da não obrigatoriedade de cessar a violação do direito humano à água como uma obrigação dos Estados (PROGRAMA DA DÉCADA DA ÁGUA DA ONU, p.7).

Nesse diapasão, disputa-se o conteúdo do direito humano à água: de um lado, os movimentos sociais15, países como a Bolívia, dentre outros atores sociais; do outro, os países

de economia central, os conglomerados econômicos que multiplicam seus lucros com a transformação da água em mercadoria e alguns países periféricos curvados aos interesses imperialistas e sem projeto nacional. Nessa disputa, a ONU exerce um papel de intermediária, razão das aparentes contradições em sua atuação, buscando garantir a formalização de conteúdos mínimos de direitos humanos, buscando acalmar os anseios das lutas e reivindicações, sem, no entanto, refletir e discutir o contexto econômico social global como causa maior das desigualdades sociais e da crise ambiental que tem como consequência a falta de acesso à água de ampla parcela da população humana.

Alguns autores vêm colocando a necessidade de a ONU se firmar como organização de solidariedade e trocas, ultrapassando o papel que exerce atualmente de intermediária dos conflitos e, ao mesmo tempo, defensora dos interesses privados e políticos de determinadas nações (WOLKMER, A. C.; AUGUSTIN, S.; WOLKMER, M. F. S, 2012). Apesar da compreensão da complexidade social e política da comunidade internacional, dos atores sociais e da própria sociedade civil que atua na ONU, como também da pressão exercida para que esta de fato assuma esse compromisso de se tornar um espaço mais plural e comprometido com os interesses da maioria da população mundial, não se é otimista quanto a essa possibilidade dentro da racionalidade econômica que está posta e que influencia sobremaneira a geopolítica mundial.

No entanto, acredita-se que esses avanços na reafirmação dos direitos humanos, especificamente dos direitos humanos à água, ainda que incompletos e de âmbito formal, são importantes, pois representam conquistas dos movimentos políticos contra hegemônicos,