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Capítulo V – Análise do princípio da livre concorrência e da tributação

5.1. As normas jurídicas econômicas

Ao longo da primeira parte deste estudo, advogamos o fechamento operativo – estrutura sintática homogênea – e a abertura semântica e pragmática – heterogeneidade – do sistema jurídico. Na consecução do raciocínio defendido, a lógica que estrutura todas as normas jurídicas é a deôntica, segundo a qual as normas são expressas mediante um juízo hipotético-condicional – “Se P, então Q”. Por essa perspectiva o direito ocupa o universo do dever-ser, e não o universo do ser.

Tomando como axioma a estrutura sintática homogênea do sistema jurídico, devemos afirmar que a forma das normas jurídicas apresenta o mesmo padrão hipotético- condicional – o padrão da lógica deôntica, não restando margem para a inclusão de quaisquer outras lógicas não delineadas pelo sistema jurídico.

Nesse contexto, o que difere uma norma jurídica da outra é o seu conteúdo, sua heterogeneidade semântica e pragmática. As normas tributárias, apesar de apresentar a mesma estrutura hipotético-condicional, dispõem sobre fatos, elementos, princípios e procedimentos diferentes daqueles tratados pelas normas econômicas, penais, trabalhistas, cíveis, etc. Dentre as normas jurídicas (estruturalmente homogêneas) o que pode haver é a flexibilização semântica da hipótese normativa, circunstância que se mostra evidente quando tratamos dos princípios.

  Os princípios, que pela classificação de Gregório Robles são chamados de normas ônticas, são normas jurídicas184com conteúdo semântico mais amplo, ou seja, são

normas que apresentam maior carga axiológica se comparas às demais normas. Com o princípio da livre concorrência não é diferente. Trata-se de uma norma de elevada carga valorativa incluída no rol de princípios da ordem econômica constitucional.

A ordem econômica constitucional, prevista no art.170, da Constituição Federal de 1988, encontra-se solidamente estabelecida para garantir a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da livre concorrência, pleno emprego, propriedade privada, soberania nacional, dentre outros. Neste Capítulo I, do Título VII da Constituição Federal, os princípios gerais da atividade econômica são abordados com finco à valorização do trabalho humano e à livre iniciativa.

A ordem jurídica econômica atua na regulação dos fatos econômicos, como um conjunto de mecanismos de que regulam o sistema econômico, numa implantação prescritiva de enunciados que orientam as condutas intersubjetivas.

Destarte, esse conjunto de normas gerais da atividade econômica deve ser aplicado aos casos concretos com a finalidade precípua de reprimir o abuso do poder econômico, a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário

       184

 A deonticidade é inerente ao sistema jurídico – mundo do dever-ser. A lógica jurídica é aquela que orienta o estudo sintático do direito, de modo que todas as normas do sistema jurídico são classificadas como deônticas pelo fato de estarem inseridas do universo artificial do dever-ser. Dessa forma, a flexibilização semântica da hipótese normativa de algumas normas não as desqualifica enquanto deônticas, enquanto estruturas hipotético- condicionais.

  dos lucros185. Logo se percebe que os objetivos prescritos para a ordem econômica, ou seja, os princípios que regem a atividade econômica apresentam elevada carga axiológica que exige uma atitude hermenêutica comprometida e abrangente.

Essa atitude hermenêutica, para que esteja em pelo acordo com as diretrizes constitucionais, precisa reconhecer a carga semântica dos princípios da ordem econômica sempre em consonância com a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano, fundamentos da ordem econômica. A livre iniciativa, tal como o termo prenuncia, trata da liberdade de atuação do particular no domínio econômico, representa a livre possibilidade de exercer uma atividade econômica sem a obstaculização do poder público.

Como assevera Hugo de Brito Machado Segundo186:

“Não incorrendo em grande falha e consagrando expressamente a liberdade, no plano econômico, como direito fundamental, o art. 170 da Constituição Federal de 1988 elenca a livre iniciativa e, no que mais perto interessa a este texto, a livre concorrência como princípios fundamentais da ordem econômica, vale dizer, valores, metas ou objetivos a serem buscados e prestigiados no âmbito do disciplinamento jurídico da atividade econômica.”

Neste sentido, a livre iniciativa é um princípio que informa a liberdade, seja na escolha de meios, seja na escolha dos fins almejados pelo particular no desenvolvimento de uma atividade economia. É norma jurídica com elevada abrangência semântica e flexível hipótese normativa que permite a atuação no domínio econômico visando à produção de       

185

 Constituição Federal, art. 173, § 4º.  

186

Cf.  Tributação e livre concorrência. In Princípios e Limites da Tributação 2 – Os princípios da ordem econômica e da tributação. Coordenação: Roberto Ferraz. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 402. 

  riquezas, à circulação de bens e à prestação de serviços voltados ao mercado. Dessa forma, a livre iniciativa representa o exercício real do poder econômico pelos agentes.

Hugo de Brito Machado Segundo187, ainda em estudo sobre o tema, conceitua o princípio da livre iniciativa como “a liberdade, conferida a todos, de exercer uma atividade econômica, vale dizer, de produzir e disponibilizar a terceiros os recursos materiais necessários ao bem-estar (através da prestação de serviços, a fabricação e comercialização de bens, etc.)”

Sendo assim, o princípio da livre iniciativa atua como premissa para o exercício das demais garantias constitucionais, o ponto de partida para aplicação e cogitação dos demais princípios. Diego Bomfim188, ao tratar da matéria, expõe que “sem a presença da livre iniciativa não há de se falar em livre concorrência, surgindo, nesse ponto, a identificação da relação entre dois princípios, uma relação de desdobramento artificial em que o segundo (livre concorrência) funciona como delineador do primeiro (livre iniciativa), numa relação circular de autoingerência”.

Contudo, a liberdade de iniciativa deve ser considerada sempre nos limites do próprio sistema jurídico, isso porque a possibilidade de exercer uma atividade econômica livremente não significa exercer uma atividade econômica sem limites, ilimitada ou desenfreada.

      

187Cf. Tributação e livre concorrência. In Princípios e Limites da Tributação 2 – Os princípios da ordem

econômica e da tributação. Coordenação: Roberto Ferraz. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 402.

188

  A ordem econômica delineada na Constituição Federal ao prever um rol de princípios e valores que devem reger a atividade econômica, está estabelecendo os limites de atuação dos setores - público e privado189 - no domínio econômico. Logo, a liberdade de iniciativa fica atrelada às limitações veiculadas na própria Carta Magna de 1988. Entenda-se por limites, o abstrato delineamento do sistema, a conformação190 entre os conteúdos jurídicos dos valores que regem a ordem econômica constitucional.

Um dos limites constitucionais à livre iniciativa é o princípio da livre concorrência, pois estranho seria se o agente econômico ao exercer o seu direito à livre iniciativa provocasse discrepâncias no funcionamento da ordem econômica, impossibilitando a livre concorrência – norma jurídica econômica de elevada carga axiológica.

A livre concorrência significa a garantia de as atividades econômicas serão exercidas de modo que as habilidades de cada um determinem o seu êxito ou o seu insucesso, não podendo o Estado, em princípio, favorecer ou desfavorecer artificialmente este ou aquele agente econômico191. “Em outras palavras, o direito à livre concorrência é assegurado por

      

189 Cf. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros. 2004.

“Importa deixar bem vincado que a livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. A Constituição, ao contemplar a livre iniciativa, a ela só opõe, ainda que não a exclua, a ‘iniciativa do Estado’; não a privilegia, assim, como bem pertinente apenas à empresa. É que a livre iniciativa é um modo de expressão do trabalho e, por isso mesmo, corolária da valorização do trabalho, do trabalho livre – como observa Miguel Reale Júnior – em uma sociedade livre e pluralista. Daí por que o art. 1º, IV do texto constitucional – de um lado – enuncia como fundamento da República Federativa do Brasil o valor social e não as virtualidades individuais da livre iniciativa e – de outro – o seu art. 170, caput coloca lado a lado trabalho humano e livre iniciativa, curando contudo no sentido de que o primeiro seja valorizado.” p. 190.

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 Conformação que nada tem a ver com a relativização de princípios. Os princípios fundamentais da ordem econômica não admitem relativização, apenas a preservação ao máximo.

191 Cf. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Tributação e livre concorrência. In Princípios e Limites da

Tributação 2 – Os princípios da ordem econômica e da tributação. Coordenação: Roberto Ferraz. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 402.

  uma norma, com estrutura de mandamento de otimização, segundo a qual o Estado deve garantir a todos, na medida do que for factual e juridicamente possível, o livre exercício de atividade econômica, sem criar ou permitir interferências indevidas que prejudiquem a livre competição dos cidadãos.” 192

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