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As Imunidades Tributárias e a Livre Concorrência MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Flávia Lorena Peixoto Holanda Brumatti

As Imunidades Tributárias e a Livre Concorrência

MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

(2)

  PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Flávia Lorena Peixoto Holanda Brumatti

As Imunidades Tributárias e a Livre Concorrência

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito do Estado, área de concentração Direito Tributário, sob a orientação do Professor Emérito Paulo de Barros Carvalho.

(3)

 

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________

_______________________________________

(4)
(5)

 

Agradecimentos

À minha família: minha mãe, Eliane, meu pai, Holanda, minha irmã, Daniela, e

meu irmão, Neto, pela confiança e amor incondicional.

Ao meu marido e amigo, Maikel, pelo amor, compreensão e paciência.

Ao meu avô José Holanda da Silva (Zuzu) pelo exemplo de amor à vida e vontade

de ser “grande”.

Ao Professor Paulo de Barros Carvalho, mestre e orientador, pela confiança no

meu trabalho e pelo incentivo acadêmico renovado dia após dia. Atribuo ao meu mestre a

minha paixão pelo direito tributário, pelo rigor científico e pela leveza dos seus ensinamentos

que a mim são muito caros.

Ao Professor Rodrigo Dalla Pria, pela generosidade e apoio durante toda esta

caminhada acadêmica que se iniciou ainda no curso de especialização em direito tributário na

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP/Cogeae.

Ao querido amigo, Mantovanni Colares, pela sinceridade, incentivo e pelo tempo

(6)

  As Imunidades Tributárias e a Livre Concorrência

Flávia Lorena Peixoto Holanda Brumatti

RESUMO: Trata-se de delimitar os campos jurídico-normativos próprios do sistema tributário e do sistema econômico, com o objetivo principal de estudar a decisiva interdependência entre

os referidos sistemas a partir da identificação de alguns dos elementos que tornam possível este

entrelaçamento sistêmico. Delimitadas as premissas epistemologias que orientam este estudo,

define-se a abrangência semântica das imunidades tributárias, especialmente as imunidades

recíprocas e os efeitos da concessão desses incentivos perante a o princípio constitucional da

livre concorrência.

(7)

  Tax immunities and Free Trading

Flávia Lorena Peixoto Holanda Brumatti

ABSTRACT: This paper aims to delimitate the legal-normative range fitting to the tax system and the economic system in order to investigate the critical interdependence between these

systems by identifying some of the elements that make possible this systemic entanglement.

Delimited the epistemologies assumptions that guide this study, we define the semantic scope

of tax immunities, especially the reciprocal immunity, and the grant of such incentives before

the constitutional principle of free competition.

(8)

  Sumário

Introdução ... 10

  PRIMEIRA PARTE: UM CONCEITO DE SISTEMA E A INTERAÇÃO ENTRE O SISTEMA JURÍDICO E O SISTEMA ECONÔMICO Capítulo I – Para um conceito de sistema: pressupostos teóricos ... 22

1.1. Como pensar um sistema? ... 22

1.2. O sistema: delimitação do conceito ... 29

Capítulo II – O Sistema Jurídico ... 34

2.1. Sistema Jurídico: o direito ... 34

2.2. O fechamento operativo do Sistema Jurídico ... 35

2.2.1. A linguagem jurídica ... 36

2.2.2. Estrutura sintática das normas jurídicas ... 39

2.3. A abertura semântico-pragmática do Sistema Jurídico ... 43

2.4. Sistema Jurídico Tributário: processo de diferenciação funcional ... 46

2.5. Sistema Jurídico Econômico: a ordem econômica constitucional ... 49

2.6. Anotações sobre uma interação entre os subsistemas jurídicos: tributário e econômico .. 58

SEGUNDA PARTE: AS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS E O PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA Capítulo III – Competência Tributária: aptidão para instituir e exonerar tributos ... 68

3.1. Sobre o conceito de competência ... 68

(9)

 

3.1.1.1. A ontologia das normas ... 76

3.1.1.2. As normas jurídicas ônticas ... 79

3.2. Competência Tributária e a Constituição Federal de 1988... 84

Capítulo IV – As Imunidades Tributárias do Art. 150, VI, da Carta Magna de 1988 .... 94

4.1. A definição do conceito de imunidade tributária... 94

4.2. As Imunidades tributárias do Art. 150, VI da CF/88 ... 107

4.2.1. A Imunidade Recíproca ... 107

4.2.1.1. A Imunidade Recíproca e os casos de repercussão geral em Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal ... 113

4.2.1.1.1. Imunidade Recíproca – IPTU – imóvel de propriedade de ente público explorado economicamente por concessionária – empresa privada ... 114

4.2.1.1.2. Imunidade Recíproca – Sociedade de Economia Mista – prestação de serviço de saúde ... 118

4.2.1.1.3. Imunidade Recíproca – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – serviços em regime de concorrência ... 125

4.2.2. Imunidade dos tempos de qualquer culto. ... 131

4.2.3. Imunidade dos partidos políticos e das instituições educacionais ou assistenciais ... 133

4.2.2. Imunidade dos livros, periódicos e do papel destinado à sua impressão ... 136

Capítulo V – Análise do princípio da livre concorrência e da tributação ... 139

5.1. As normas jurídicas econômicas ... 139

5.2. O princípio da livre concorrência e a Lei nº 8.884/94 ... 144

5.2.1. CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica: algumas anotações ... 147

5.3. O princípio da livre concorrência e o art. 146-A da Constituição Federal de 1988 ... 149

TERCEIRA PARTE: CONCLUSÕES ... 154

(10)

  Introdução

Selecionar um tema desta magnitude como objeto de estudo requer um

esforço teórico preciso e imensamente cauteloso, uma vez que a ausência de rigor no trato de

cada termo da equação imunidades tributárias e livre concorrência pode gerar complicações epistemológicas ainda maiores.

A preferência pela análise do direito e dos inúmeros vínculos existentes

entre suas estruturas sistêmicas, é uma tentativa de retorno a uma questão ontológica, que

posiciona o sistema jurídico tributário de um lado e o sistema jurídico econômico do outro.

Contexto que fomenta tensões tão antigas quanto contemporâneas, na medida em que os

efeitos jurídicos e econômicos se entrelaçam simultaneamente no compasso evolutivo1 do

sistema social, compondo, sob diversos aspectos, o cerne do sistema jurídico autopoiético, cujo instrumento que se pretende estabilizador dessas relações é o direito positivo.

Neste ponto introdutório, destacarmos que a terminologia “sistema social

auto-reprodutivo ou autopoiético”, adotada por Niklas Luhmann, teve inspiração nas ciências biológicas, especificamente no modelo biológico desenvolvido por Maturana e Varela. O

termo autopoiesis, por sua vez, obteve repercussão no campo da sociologia somente quando

      

1 “A evolução dos sistemas é o resultado de um processo de variação, seleção e estabilização. Evidentemente,

(11)

 

Niklas Luhmann o inseriu como premissa epistemológica para o estudo da sociedade

enquanto um sistema comunicacional operativamente fechado.

Celso F. Campilongo Luhmann assevera que:

“O neologismo, tão esotérico quanto as ideias de Luhmann, transporta para os sistemas sociais o conceito de autopoiesis desenvolvido por Maturana e Varela para o exame dos sistemas biológicos. Esses sistemas seriam auto-referencias, isto é, organizados e reproduzidos por meio de circulação interna de elementos inerentes ao próprio sistema. Maturana e Varela, a partir de um livro publicado em 1973, no Chile (De maquinas y seres vivos), desenvolvem a tese de que os sistemas celulares possuem, internamente, todos os elementos necessários para o desempenho de suas funções fundamentais, inclusive auto-reprodução. Lidam, portanto, com um conceito de sistema fechado, auto-referencial, ou, conforme a terminologia depois consagrada, um sistema autopoiético.”2

Evidente que “a concepção luhmanniana de autopoiesis afasta-se do modelo biológico de Maturana, na medida em que nela se distinguem os sistemas constituintes de

sentido (psíquicos e sociais) dos sistemas não constituintes de sentido (orgânicos e

neurofisiológicos)” 3. Ou seja, há uma diferença de paradigmas entre as teorias de Maturana e

Varela e de Luhmann, isso por que as ciências biológicas lidam com objetos orgânicos,

neurológicos, fisiológicos, dentre outros, enquanto as ciências sociais estruturam seus estudos

a partir de objetos constituintes de sentido – psíquicos e sociais.

      

2

 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia. 2ª Ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. p.73 

3 

NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 61.

(12)

 

Obviamente que a sociologia, antes mesmo da adoção desta terminologia

tão consagrada, já tinha a consciência da auto-referencialidade e da auto-reprodução do

sistema social, entretanto, foi Niklas Luhmann que, em feliz e arrojada pesquisa, conseguiu

oferecer à sociologia um termo completo, capaz de registrar a identidade do sistema social a

partir da ideia de autopoiesis, ideia de auto-referência, fechamento e auto-reprodução. Pois foi exatamente a noção de organização e reprodução através de meios de circulação interna de

elementos inerentes ao próprio sistema, que trouxe que despertou a conexão entre sistema

social e autopoiesis para a pesquisa luhmanniana.

Ainda que desprovidos, nesta fase preliminar, de uma delimitação específica

para o conceito de sistema social, antecipamos a contundente assertiva de que a sociedade é

um sistema comunicacional4 em constante evolução. Comunicação que toma a consistência

intersubjetiva de mecanismo de transmissão de mensagens, cujo conteúdo reflete, a cada

tempo, expectativas evolutivas que se renovam.

Ao tomarmos a sociedade como um sistema de comunicação inserido no

trânsito progressivo dos eventos sociais, teremos sempre à vista um conjunto de novos fatos

relevantes para os perfis parciais de cada subsistema, todos verificados a partir do elevado

número de relações consolidadas e do destaque para as inúmeras possibilidades de ação

viabilizadas pelo aumento das complexidades inerentes ao macrossistema social.

Neste contexto, o termo “complexidade” não deve ser entendido como dificuldade, empecilho ou qualquer outro modo de manifestação que obstaculize o mecanismo

      

(13)

 

evolutivo, mas como o simples resultado do aumento de possibilidades, de expectativas, de

necessidades ocasionadas pelo crescimento do sistema social (fatos e relações).

Deste modo, a cada contexto histórico estaticamente demarcado, é possível

visualizarmos diversas situações novas inaugurando diferentes necessidades; circunstâncias

essas que exigem novos mecanismos de harmonização das relações intra-sistêmicas e

intersubsistêmicas5, assumindo a função de reduzir as complexidades e administrar a

contingência do mundo, tudo por intermédio do mais alto grau de diferenciação comunicativa.

A contingência assume um importante papel na teoria do conhecimento

científico de Luhmann. Trata-se de uma expressão da lógica formal utilizada para demonstrar

a existência de um universo fático de absoluta diversidade, onde o futuro é imprevisível e

incontrolável, e que a qualquer tempo as possibilidades poderão se tornar impossibilidades ou

vice-versa. Portanto, a contingência destaca um universo do possível, em que são admitidas e

variáveis as verdades e as falsidades, o “sim” e o “não”. 6

      

5

 Leia-se: relações entre os diversos subsistemas sociais.  

6

 Cf. ECHAVE, Delia Tereza; URQUIJO, María Eugenia; GUIBOURG, Ricardo. Lógica proposición y norma, Buenos Aires, Astrea, 1991. “Hay uma infinidad de fórmulas que resultan verdaderas para algunas combinaciones, y falsas para otras: son las fórmulas contingentes. Para decirlo com mayor rigor, uma fórmula es contingente si sólo si resulta verdadera por lo menos em uno de sus casos posibles u falsa por lo menos em outro. (...) Toda fórmula que no sea tautológica (siempre verdadera) ni contraditória (siempre falsa) es contingente.” p. 71/73.

Cf. DE GIORGI, Raffaele. Ciencia del Derecho e la Legitimación.1ª Ed. México: Universidad Iberoamericana.1998. “No contigente es la norma que surge por necesidad interna de determinadas premisas, las cuales, provistas del carácter de verdad, no son falsificables: entonces la norma no es variable; queda fuera de los procesos de decisión y adquiere así una validez que surge de la identificación del proceso cognoscitivo com el

(14)

 

Sob esse ângulo, a comunicação segue o mesmo compasso evolutivo. Ou

seja, na medida em que a sociedade evolui, novos meios e técnicas de comunicação se fazem

imprescindíveis para viabilizar a continuidade do fenômeno de transmissão e recepção de

mensagens, ou mesmo, a interatividade entredos partícipes-institucionais do sistema social.

Logo, é pela comunicação que se torna possível situar o processo histórico

no tempo, para que, de um ponto de vista estático, possamos apresentar as estruturas criadas e

transformadas para prestar serviços à humanidade e às necessidades de um ambiente

complexo em ininterrupta reprodução, a saber, elementos concretos de desenvolvimento do

entorno social, aparelhamento do ente estatal para sofisticação das funções públicas, a

intervenção no domínio econômico para o alcance do bem-estar da sociedade, etc.

Vale assinalar que a sociedade moderna é formada por um conjunto plural

de esquemas comunicativos autônomos. Sistema social complexo que consegue desenvolver

meios capazes de permitir vínculos de aprendizado e reciprocidade de influências entre as

inúmeras estruturas esquemáticas chamadas subsistemas.

Sobre o tema, Marcelo Neves inicia a descrição de seus pressupostos

teóricos afirmando que é imprescindível que haja vínculos estruturais que possibilitem a

interinfluência entre os diversos âmbitos autônomos da comunicação. Relações pontuais e

momentâneas no plano das operações do sistema que construam os mecanismos chamados de

acoplamentos operativos7.

      

7

(15)

 

Para o presente estudo, conferimos relevância aos subsistemas jurídicos –

tributário e econômico – enquanto duas das esferas tidas como subsistemas parciais

autônomos; verdadeiras classes comunicativas, onde cada uma opera com um código binário8 específico, unidade formal seletora de influências para as transformações estruturais do

sistema. Ou seja, separadamente, os subsistemas realizam suas próprias aprendizagens e

constroem procedimentos com aptidão para instigar reciprocamente os demais sistemas, numa

espécie de numa independência e interdependência mútua.

Ora, independência e interdependência mútua? Como isso é possível? Os “paradoxos” são uma prática usual da epistemologia luhmanniana. Acontece que colocamos o

termo entre aspas exatamente para destacar que, se observado do ponto de vista da teoria dos

sistemas, não há que se falar em paradoxo9.

A teoria dos sistemas trabalha com um conceito abstrato de sistema social,

sistema esse que se encontra repleto de subsistemas autônomos e diferentes entre si. Neste

formato, as diferenças são estabelecidas a partir da existência de um código binário único para

cada subsistema, ou seja, códigos com características específicas que garantem o fechamento

operativo pela diferença.

      

8 A binariedade é uma característica dos códigos que compõem os sistemas, que são as unidades elementares de

cada esfera, uma vez que estabelecem um critério único para seleção e redução de complexidades, ou, analogamente, um critério de inclusão de classes ou de pertinencialidade a determinado subsistemas. O sistema jurídico tem como código binário direito/não – direito que garante o fechamento operativo por meio dessa diferença. Portanto, se a comunicação não se formalizar neste código, não pertencerá ao sistema jurídico. Cf. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad. 2002. p. 77. 

9 Paradoxo: palavra que vem do latim paradoxon; derivado do grego parádoxos, que significa “conceito que é ou

(16)

 

No entanto, mesmo autônomo-independentes, os arquétipos comunicativos

do sistema social precisam realizar vínculos entre si (contatos), a fim de recepcionar

internamente as mudanças do entorno. Para isso precisam elaborar mecanismos internos que

garantam a efetiva continuidade da comunicação, e é nesse sentido que cogitamos a real

possibilidade de interdependência cognoscitiva e independência operativa dos sistemas

parciais.10

Por certo, partindo de um viés didático, o sistema jurídico, especialmente o

tributário, em que pese o seu fechamento sintático, apresenta uma abertura

semântico-pragmática que assimila as diversas determinações do ambiente e as insere no sistema sempre

que seus próprios critérios atribuem-lhes forma11.

Por essa razão é que o sistema jurídico tributário, conjunto normativo

instituído como principal forma de custeio da sociedade, exerce seu poder interventivo

perante o domínio econômico, uma vez que seus elementos são capazes de prescrever a

demarcação de limitações à atuação do Estado, tais como: a necessidade de atentar para o

princípio da livre concorrência, para a neutralidade concorrencial do Estado e para a própria

igualdade tributária.

Como insiste em afirmar Alfredo Augusto Becker:

      

10

 A separação entre os subsistemas não pode ser parcial; com isso não queremos dizer que não haja relações inter-sistêmicas: essas são fundamentais para a autopoiese dos subsistemas, como já vimos. Entretanto, a autonomia dos subsistemas requer que a auto-reprodução de seus elementos siga os critérios ditados pelo próprio sistema e não por outros. Cf. CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico. São Paulo: Quartier Latin. 2005. p. 248. 

11

(17)

  “a principal finalidade de muitos tributos (que continuarão a surgir em volume e variedade sempre maiores pela progressiva transfiguração dos tributos de finalismo clássico ou tradicional) não será a de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas a de um instrumento e intervenção estatal no meio social e na economia privada. Na construção de cada tributo não mais será ignorado o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão, agora de um modo consciente e desejado (...).” 12

Assim, dispondo de uma estrutura de valores jurídicos positivados, o

sistema jurídico tributário, ao regular as condutas intersubjetivas, consegue intervir na

espontaneidade dos fatos sociais, econômicos, políticos, e dos demais, constituindo realidade

juridicamente regulada.

As normas tributárias, unidades elementares do sistema jurídico tributário,

são instrumentos hipotético-condicionais de natureza prescritiva que atuam como arsenal

interventivo do Estado na economia, ajustando o funcionamento do sistema jurídico

econômico a partir do respeito às garantias fundamentais dos contribuintes e aos efetivos

limites da tributação nas linhas de atuação estatal.

Isso por que as normas jurídicas não são instituídas para confirmar

fenômenos sócio-econômicos, mas para modificar o curso natural dos fatos, impondo uma

imperatividade artificial às condutas intersubjetivas, prevendo a estrutura e a direção dos

      

12

(18)

 

comportamentos, disciplinando-os para construção de uma ordem econômica e social

estabilizada que atenda ao bem comum13.

Neste curso, o Estado, no exercício de seus três poderes: executivo,

legislativo e judiciário e munido de competência para aplicar normas jurídicas indutoras de

comportamentos, pode atuar desestimulando ou incentivando a ocorrência de fatos sociais, a

partir da incidência de regras jurídicas que façam as vezes de comandos diretos ou indiretos

de determinadas condutas. Existe, portanto, a força estatal apta a proporcionar o ajuste das

relações sociais a partir da criação e condução de normas jurídicas disciplinadoras.

Com isso, de uma perspectiva funcional do direito, o que se observa é uma

acentuada e contínua intersecção entre os subsistemas sociais. No específico caso dos

subsistemas jurídicos: tributário e concorrencial/econômico, a situação não é diferente.

O direito tributário é o instrumento legitimador de políticas fiscais, é o

instrumento normativo à disposição do Estado para a intervenção no domínio econômico e

concretização de direitos sociais. Nessa esteira, é através das formas de tributação que é

possível evitar distorções econômicas (concorrenciais), tendo em vista que qualquer atividade

fiscal afeta direta ou indiretamente as relações econômicas, bem como todas as demais

relações sociais, tais como impactos financeiros em orçamentos de entes tributantes e na

própria coletividade de cidadãos que têm serviços públicos custeados pela tributação, etc.

      

13 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª edição. São Paulo: Noeses. 2007. p.

(19)

 

A interferência da tributação na economia é inevitável. Independente da

função extrafiscal, parafiscal ou predominantemente fiscal, a instituição de tributos mais

onerosos para um determinado setor da economia e menos onerosos para outro, consecução

de práticas de oneração e exoneração tributária pelo Estado, tanto pode conviver

tranquilamente no ordenamento jurídico posto, como pode acarretar desequilíbrios

concorrenciais gravosos ao mercado e ao sistema social como um todo.

Destarte, a política fiscal caminha na dinâmica dos acontecimentos sociais,

evoluindo e redefinindo complexidades para atender aos interesses dos indivíduos em

constante mudança. É a ação do Estado que impulsiona o aperfeiçoamento das regras jurídicas

e otimiza o ajuste de interesses públicos e privados.

Por essa configuração, utilizando-nos das palavras de Alfredo Augusto

Becker, o direito tributário tem natureza instrumental e seu “objetivo próprio” (razão de existir) é ser instrumento a serviço de uma política. Esta (a política) é que tem os seus

próprios e específicos objetivos econômico-sociais14. Logo, o sistema jurídico constroi suas

próprias regras, que aplicadas, atingem os mais diversos subsistemas sociais,

sensibilizando-os.

Firmes nestas premissas, a proposta deste estudo é identificar os pontos de

contato entre os sistemas jurídicos: tributário e econômico-concorrencial, perquirindo a

interinfluência das normas constitucionais tributárias promocionais, chamadas de imunidades

      

14

(20)

 

tributárias, especialmente no que se refere à imunidade recíproca, e seus respectivos efeitos

sobre a livre-concorrência.

O sistema tributário15, pela evolução funcional de seus mecanismos, passou

a ser o mais importante meio de intervenção do Estado na economia e na sociedade, e não por

outro motivo, analisar o impacto da administração tributária sobre a prática da livre

concorrência contextualiza, em absoluto, é a finalidade deste estudo.

Para colocarmos em prática esses objetivos, dividiremos este trabalho em

duas partes. Inicialmente, adotando alguns dos elementos da teoria dos sistemas de Niklas

Luhmann, percorreremos as noções de sistema, oferecendo uma definição que servirá de

estalão para o estudo da sociedade como um sistema social. Em seguida, passaremos pelos

conceitos de sistema jurídico tributário e sistema jurídico econômico, bem como por todos os

elementos que entendemos imprescindíveis para a identificação dos acoplamentos estruturais

entre ambos os sistemas.

Diante desse corpo conceptual, trataremos de mergulhar no instituto

denominado imunidade tributária, especialmente a imunidade recíproca, a chamada prática

constitucional exonerativa fiscal que incentiva a economia através da não tributação de

determinados fatos. Nesse momento, dispostos os referidos meandros, cuidaremos de

estabelecer as influências das imunidades tributárias na manutenção da livre-concorrência.

      

(21)

 

Para encerrar, pretenderemos nos ocupar das estruturas que viabilizam os

vínculos entre o sistema jurídico tributário, neste caso representado pela figura das

imunidades tributárias do art. 150, VI, “a” da Constituição Federal de 1988, e em particular as

matérias que dizem respeito à tributação em relação aos aspectos disciplinados pelo direito

econômico quando posto à prova o princípio da livre concorrência.

Por fim, de posse desse conjunto de referências paradigmáticas, supomos

que será possível verificar os enlaces sistêmicos pretendidos, detalhando as principais

implicações e repercussões-problema inerentes ao enfoque relacional entre tributação e livre

(22)

  PRIMEIRA PARTE: UM CONCEITO DE SISTEMA E A INTERAÇÃO ENTRE O

SISTEMA JURÍDICO TRIBUTÁRIO E O SISTEMA ECONÔMICO

Capítulo I – Para um conceito de Sistema: pressupostos teóricos

1.1. Como pensar um sistema?16

Esta é a primeira e grande indagação que nos vem à mente no momento em

que optamos por iniciar os estudos a partir do conceito de sistema. Tendo em vista que o

termo é tão vago quanto ambíguo, seja do ponto de vista denotativo como conotativo,

respectivamente, consideramos prudente não correr o risco da omissão no que se refere ao

mecanismo intelectivo de enquadramento do conteúdo semântico à forma do sistema.

Dessarte, essa abordagem, que de certa maneira revelará o engatinhar inicial para se atingir

passos largos nas conceituações, parece-nos frutífera, na medida em que buscará apresentar

que tipo de abstração é possível realizar para se começar a compreender a ideia de sistema.

      

16

 A teoria dos sistemas de Niklas Luhmann exclui de sua abordagem a discussão acerca dos aspectos psicológicos e antropológicos, uma vez que opta em estabelecer como premissa epistemológica: a sociedade como um sistema que se apresenta de modo concreto enquanto um universo de comunicações habituais. Portanto, não se preocupa com a indagação que inaugura o primeiro capítulo do nosso trabalho - “como pensar um sistema?”.

(23)

 

Bom, conforme suso antecipado, supomos que o tratamento do sistema deve ficar atento à delimitação sintática, à especificação do contorno formal, ou seja, este estudo

deverá se preocupar em estabelecer dentro de qual moldura sistêmica será possível inserir

qualquer conteúdo semântico. Mas, para se aferir tais resultados, uma segunda indagação

insiste em nos instigar, a saber, como é possível alcançar a delimitação sintático-formal do

sistema? Numa palavra, a resposta seria: intuição.

A intuição que, para a fenomenologia de Edmund Husserl, é o princípio dos

princípios, uma vez que “toda intuição doadora originária é uma fonte de legitimação do

conhecimento, tudoque nos é oferecido originariamente na “intuição” deve ser simplesmente

tomado tal como se dá, mas também apenas nos limites dentro dos quais ele se dá “17. Nesse

sentido, o que caracteriza a intuição é a própria visão de essência, que costuma designar

aquilo que se encontra no “ser” do indivíduo, o que ele “é”, posto em ideia. Assim, a intuição pode ser convertida em visão de essência (ideação).18

Ora, indo no encalço do raciocínio, o que é apreendido intuitivamente é a

essência de modo originário, a forma como o sujeito apreende a parcela da coisa com a qual tem proximidade, pois esse contato pode repercutir vários dos lados de um específico referente, sem jamais conseguir cogitar intuitivamente a sua totalidade 19.

      

17 Cf. HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. 2ª Ed.

São Paulo: ideias & letras, 2006. p. 69. (grifos originais)

18 Cf. HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. 2ª Ed.

São Paulo: ideias & letras, 2006. p. 35. (grifos originais)

(24)

 

Lados que são as possibilidades ou as circunstâncias empíricas das mais

variáveis; essas que quando observadas representam somente uma das faces das inúmeras

faces cogitáveis. Cumpre salientar que cada ser intuitivo somente é capaz de absorver uma

parcela do ambiente que o envolve, uma vez que a inteireza das dimensões do universo jamais

poderão ser codificadas e catalogadas em todas as perspectivas possíveis, por quem quer que

seja, aonde quer que esteja, sob nenhuma hipótese.

E quando nos referimos à totalidade, mencionamos o aspecto da impossibilidade do absoluto, uma vez que toda manifestação lingüístico-comunicacional é produto de atos de valoração subjetivos e, portanto, resultado da atividade ininterrupta da

consciência

O mais instigante ao tratarmos do fenômeno individual e intuitivo é perceber

que a recepção natural de mensagens pela mente humana é uma verdadeira fonte de

legitimação do conhecimento20, i. e, trata-se de uma forma consciente de lidar com a

existência (fatos) ou com as essências (eidos).

Admitamos, portanto, que o relevante fica a cargo da consciência21, que por

seu próprio repertório poderá ou não construir um correspondente cognitivo para as

      

20 Conhecimento interpretado como todo material apreendido pela sensibilidade, emoção e intelecção com

sentido.

21 A consciência e a comunicação são tratadas como sistemas distintos que se acoplam estruturalmente através da

(25)

 

manifestações que se materializam na mente, em parâmetros singulares de percepção

intuitiva.

Não por outro motivo, Edmund Hursserl afirma que:

“A essência pura pode exemplificar-se intuitivamente em dados de experiência, tais como percepção, recordação etc., mas igualmente também em meros dados da imaginação. Por conseguinte, para apreender intuitivamente uma essência ela mesma e de modo originário, podemos partir das intuições empíricas correspondentes, mas igualmente também de intuições não-empíricas, que não apreendem um existente ou, melhor ainda, de intuições meramente imaginárias.” 22

Bom, e onde entra o conceito de sistema em toda esta apreensão intuitiva?

O sistema é uma construção intelectiva, o mais alto grau de sofisticação do

pensamento humano. Sistema é um conceito que não se concretiza como um dado empírico,

pois o que há no universo da existência (fatos) é um conjunto desarticulado de dados/mensagens que necessitam de organização23 para terem sentido. O que implica dizer

que para assimilar cognitivamente o mundo é preciso colocá-lo em ordem, essa que exclui a

possibilidade do caos – de um mundo incompreensível. Pois, se houvesse caos, ou se fosse concebida a possibilidade de desordem e imprevisibilidade das relações do mundo, seria

impossível articular um plano racional da realidade, seja ela socioeconômica, sociopolítica,

      

22 HURSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. 2ª Ed. São

Paulo: ideias & letras, 2006. p. 38. 

23 Niklas Luhmann tomou muito cuidado ao usar o termo organização, pois considerava que, em sociologia, a

(26)

 

sociojurídica. E é precisamente nesse contexto que Lourival Vilanova deposita nas relações de

causalidade a possibilidade de ordenação objetiva no curso dos fatos econômicos, políticos e

jurídicos.

É a construção de uma ordem, inicialmente intuitiva, capaz de articular a

ideia de um sistema, que viabiliza o mapeamento da realidade, o fornecimento de mecanismos

de intervenção nos planos racionalmente dispostos e a elaboração de uma arquitetura de

relações compatíveis com a concretização de um sistema sociocultural.24 Mas, realizar essa

estrutura requer um esforço intelectivo, ou seja, fugir do caos e planejar um universo em

ordem requer uma ação, ou em termos dinâmicos25, um procedimento intuitivo formador do

nosso conceito.

Destarte, para criar uma estrutura ordenada, Vilém Flusser26 sugere que

primeiramente sejam analisadas e catalogadas as aparências, numa espécie de esquema geral,

cuja finalidade precípua seria a criação de um sistema de referência universal. Complexo sistêmico capaz de permitir a identificação – fixação – das aparências circundantes no

ambiente (estruturas estáticas) e articular as inevitáveis relações existentes entre elas

(estruturas dinâmicas).

Dessa maneira, o primeiro esforço seria fixar aparências, catalogando-as, e,

em seguida, realizar um segundo esforço: concatenar as relações em coordenação numa tarefa

típica de hierarquização do mundo. Somente assim, por um processo de pura disposição ou

      

24

 Cf. Causalidade e Relação no Direito. 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 51. 

25

(27)

 

codificação, seria possível transformar o caos em cosmos. Cosmos, cuja estrutura é a língua; essência que forma e governa o pensamento humano.

Deve-se observar, portanto, que é pelo mecanismo intuitivo (sensibilidade,

emoção e intelecção) que se realizará a fixação e catalogação das aparências parciais do

ambiente/mundo e que se construirá abstratamente uma categoria provida de altíssima

sofisticação – verdadeiras construções intelectivas elaboradas a partir da coleta de elementos

empíricos – e que chamaremos de sistema.

Assim, cogitado o sistema, seguiremos na consecução do processo de

concretização do pensamento até alcançar a elaboração e verbalização por intermédio de atos

de fala. Faz parte, certamente, deste procedimento de percepção, interpretação,

compreensão/construção e verbalização, a ideia de circularidade que supõe o mecanismo de

aferição da realidade (dado e texto), e na efetiva sistematização em categorias abstratas, ou

mesmo, da propriedade de as categorias abstratas garantirem, sempre que possível, uma

construção cognitiva sistêmica verbalizável.

Bom, é nesta faixa cognitiva de compreensão do conceito de sistema, a partir

da coleta empírica de dados e necessária ordenação em categorias, que poderemos vislumbrar

a sociedade como um sistema, e todas as demais categorias existentes insertas como

subsistemas sociais, separados estruturalmente em virtude de funções e linguagens distintas.

Muito embora as diferenças sejam inúmeras, é o dado da comunicação que confere a

(28)

 

Argumentos esses que permitem a afirmação de que o sistema social

verbalizado em texto é resultado da interpretação, e é a partir da manifestação do sistema por

ato de fala que se torna possível identificar as diferenças linguísticas, instrumentais e

contextuais (códigos binários, formais, etc.) capazes de subdividir a sociedade em diversos

planos ordenados e autônomos.

Como sugere Vilém Flusser, “a ciência é a tentativa de catalogar e

classificar aparências, e a cada página do catálogo e a cada classe de aparências corresponde

uma ciência especializada” 27. Isso por que a visualização das diferenças e a subdivisão em

planos ordenados e autônomos ficam a cargo de uma atitude científica, que através de um

método coleta parcelas do universo contínuo a fim de, pela descontinuidade, catalogar as

aparências e compor relações de coordenação capazes de hierarquizar o mundo circundante.

A separação das ciências é o resultado inevitável da atitude científica de

identificação das diferenças e eleição dos objetos de estudo. Cada ciência se dedica a um

objeto, ou pelo menos a uma das perspectivas desse objeto, e sobre ele deposita todas as

expectativas cognoscitivas, com o propósito de atender à necessidade de desvendar as suas

complexidades e formar juízos de valor acerca do referido objeto.

Logo, o argumento de que a separação das ciências tem configuração

didática procede, uma vez que a palavra didática é substantivo feminino que significa a própria ciência ou arte de ensinar28, ou mesmo um conjunto organizado de instruções. É a

      

27 FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 3ª edição. São Paulo: 2007. p. 35.  

28 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 3ª edição. Rio de Janeiro:

(29)

 

organização das ciências pela diferença que faz com que seja imprescindível uma autonomia

didática, cuja finalidade única é a viabilização das pesquisas. Somente dessa forma é possível

definir os elementos pertencentes à ciência social, à jurídica, à econômica, à biológica, às

ciências exatas, etc.

Salientamos, contudo, que a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann não se

detém à questão: “Como pensar o sistema?”. Não se preocupa com as entidades intuitivas de

elaboração dos atos de fala, ou ainda, com o procedimento de passagem do status de

não-comunicação para não-comunicação. Em verdade, pela corrente teórica luhmanniana, falar em

sistema é fazer referência à efetiva comunicação, sem a necessidade de atentar para os

mecanismos cognitivos de apreensão intelectiva do sistema. Ainda assim, em que pese o corte metodológico da corrente alemã, entendemos por oportuna a demarcação simbólica do

sistema psíquico, uma vez que o consideramos um partícipe importante na estimulação e

concretização dos conceitos propostos.

1.2. O Sistema: delimitação do conceito

O sistema tal como ensaiamos anteriormente é uma estrutura de

elevadíssima abstração29. Trata-se de uma construção intelectiva que elege uma das

perspectivas do ambiente, cujo resultado seria a identificação e reunião de elementos que se

      

29

(30)

 

encontram interligados por um código universal: a comunicação (operação genuinamente

social) 30. A sociologia de Niklas Luhmann chama este conjunto de elementos – em que o

critério de inclusão é o fato comunicacional – de sistema social. Sistema que em nada se confunde com a inesgotável dimensão do ambiente, tendo em vista tratar-se, tão somente, de

uma das dimensões daquilo que tomamos como mundo/realidade.

No compasso destes nexos, Edmund Husserl enfatiza que:

“(...) a forma espacial de uma coisa física só pode ser dada, por princípio, em meros perfis unilaterais; de que toda qualidade física nos enreda nas infinidades da experiência, mesmo fazendo abstração dessa inadequação, que se mantém constante apesar de todo o ganho e qualquer que seja o avanço que se faça em intuições contínuas; e que de toda multiplicidade empírica, por mais abrangente que seja, ainda deixa em aberto determinações mais precisas e novas das coisas, e assim in infinitum.”31 (destacamos)

Do exposto, é possível verificar a existência de pelo menos dois pontos

decisivos capazes de oferecer a definição de sistema social pela negativa, melhor dizendo, pontos que deverão ser excluídos quando da compreensão do modelo conceptual ao qual nos

filiamos, quais seriam: i) o sistema social não é o ambiente/meio e ii) O sistema social não é o

homem, nem com ele se confunde.

“Toda teoria está baseada, então, em um preceito sobre a diferença: o ponto de partida deve derivar da disparidade entre sistema e meio, caso se queira conservar a razão social da Teoria dos Sistemas.       

30 “A comunicação é uma operação genuinamente social (e a única, enquanto tal), porque pressupõe o concurso

de um grande número de sistemas de consciência, mas que, exatamente por isso, como unidade, não pode ser atribuída a nenhuma consciência isolada.”Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p. 91. 

31 HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. 2ª Ed. São

(31)

  Quando se escolhe outra diferença inicial, obtém-se então como resultado outro corpo teórico. Assim, a Teoria dos Sistemas não começa sua fundamentação com uma unidade, ou com uma cosmologia que represente essa unidade, ou ainda com a categoria do ser, mas sim com a diferença.” 32

Ora, isso implica dizer que o ambiente é, indubitavelmente, mais complexo

que o sistema, com dimensões infinitamente mais amplas, e que o homem é um elemento

atuante no sistema33, não um dado comunicacional, mas deve ser tratado como um agente

viabilizador da comunicação. Por esta razão Tácio Lacerda Gama afirma que o sistema é um conjunto formado por elementos que se relacionam segundo certos padrões de

racionalidade34, pois é o homem que viabiliza sua formação.

Trabalhar com este conceito de sistema exige uma intensa atividade

operativa de abstração, realizando um corte tipicamente metodológico no

entorno/ambiente/realidade a fim de realizar o enquadramento da porção de expectativas

comunicacionais em um sistema que chamamos de sociedade. Entretanto, para realizar esta operação de enquadramento, o primeiro grande passo é identificar a diferença35, ou seja,

      

32 LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p. 81. 

33 “Luhmann coloca o homem como ambiente da sociedade.”Cf. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad. 2002. p. 68.  

34 Cf. Competência Tributária. São Paulo: Noeses. 2008. p. 120.

35 “Pode-se dizer que, do ponto de vista da análise da forma, o sistema é uma diferença que se produz

(32)

 

perceber analiticamente quais os elementos linguísticos que seriam capazes de diferençar a

estrutura do sistema social do arquétipo do ambiente36.

“É evidente que não se pode iniciar um processo de linguagem sem ao menos ter em conta que existe algo exterior que deve ser designado como realidade; contudo, para o processo posterior da comunicação, a diferença contida na própria estrutura da linguagem é decisiva. Tal diferença está intimamente ligada ao problema da referência, ou seja, àquilo sobre o qual se pretende falar.”

Observando o ambiente como um continuum heterogêneo37 desordenado que reúne uma infinidade de dados e fatos complexos, pensar em sistema é visualizar neste todo

estruturas que se entrelaçam por ao menos um aspecto comum, aspecto que Niklas Luhmann

identificou como a comunicação. Portanto, do ponto de vista sociológico, a sociedade seria

um macrossistema comunicacional. E sistema seria um conceito abstrato universal

caracterizado pela reunião de diversos elementos em torno de um critério comum capaz de

formar uma ordem compreensível e articulável.

      

36 “LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p. 82. (grifo nosso). 

37 Termo trazido por Heinrich RICKERT em sua obra Ciencia cultural y ciencia natural, Madri, 1922. p. 32 e ss.

Seguindo na consecução do raciocínio, trago uma passagem da obra Fundamentos Jurídicos da Incidência de Paulo de Barros Carvalho que analogamente descreve com excelência o processo abstrato de construção de sistema, vejamos: “Para isolar o direito, farei um primeiro corte no continuum heterogêneo a que alude Rickert, como a realidade que recobre todo o espaço da vida social, provocando o aparecimento do descontinuum

(33)

 

Uma vez visualizado o conceito de sistema e observado do ponto de vista

externo, i. e, na direção: ambiente Æ sistema, no item seguinte propomos a análise do

processo de diferenciação a partir de uma perspectiva interna, sugerindo a identificação da

dinâmica de construção dos subsistemas sociais, orientada pelo seguinte percurso: sistema

social (sociedade) Æ subsistemas sociais (jurídico, econômico, etc.). Desta feita, passemos ao

(34)

  Capítulo II – O Sistema Jurídico38

2.1. Sistema Jurídico: o direito

O sistema jurídico é um subsistema social. E enquanto subsistema assume todos os perfis conceptuais adrede descritos no que concerne à noção de sistema, inclusive, o

aspecto comunicacional, o fechamento operativo-sintático e o mecanismo autônomo e

ininterrupto de autopoiesis.

O subsistema jurídico é instrumento de equilíbrio do sistema social, pois

como assevera Lourival Vilanova, o direito é um dos sistemas, interiormente compondo-se de relações, e exteriormente funcionando como sistemas relacionador do sistema social em seu todo. Um dos subsistemas que interliga os demais subsistemas do sistema social global é o

subsistema do direito39.

Assim, os elementos cuidadosamente eleitos como caracterizadores da ideia

de sistema (aspecto comunicacional, o fechamento operativo-sintático e o mecanismo

autônomo e ininterrupto de autopoiesis) passam a ser critérios exigidos para inclusão dos

      

38 Tomamos a sociologia de Niklas Luhmann como paradigma-descritivo do conceito de sistema aplicado neste

trabalho, entretanto, muito embora a teoria dos sistemas seja o alicerce preponderante de nossas considerações, ressaltamos que alguns dos pontos que serão apresentados não seguirão os padrões teóricos advogados pela linha sociológica luhmanniana. Mesmo assim, compreendemos que esta opção de análise interna do sistema jurídico não implica um discurso contraditório, mas absolutamente complementar. 

39

(35)

 

subsistemas na classe40 (conjunto41) do macrossistema social, surgindo, portanto, uma relação

lógica de pertinência42.

2.2. O fechamento operativo do Sistema Jurídico

Admitir o fechamento operativo do sistema jurídico é aderir à noção

complexa de análise do sistema enquanto articulador e produtor de suas próprias

necessidades, ratificando o paradoxo da autonomia interna versus dependência inter-sistêmica (caracterizada pela necessidade de contextualização frente às transformações do

próprio sistema social e do ambiente/meio).

Do ponto de vista interno43 ao sistema jurídico, algumas entidades hão de ser

consideradas a fim de destacar o grau de diferenciação do direito diante dos demais

      

40 “Classe é construção linguístico-intelectiva; é entidade lógica; é conjunto; é domínio. É conceito de extensão

ou aplicabilidade que surge a partir do estudo dos predicados que compõem os enunciados lógico-proposicionais. Noutras palavras, classe é elaboração de pensamento que busca reunir um ou mais termos capazes de serem aplicados a um conceito, ou que tenham os atributos atinentes ao conceito determinado. Por esta forma, classe é conotação, é nome geral que coleciona um número indefinido de coisas, cujos elementos sejam susceptíveis à aplicação”. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008: item 2.6, Capítulo II, Primeira Parte. 

41 “Os conjuntos são coleções de objetos. Os objetos que formam os conjuntos são chamados de elementos. Para

indicar que um objeto é elemento de um conjunto será usado o símbolo ϵ, portanto se “F” representa o conjunto dos filósofos e “s” denota Sócrates, temos que s ϵ F. Desformalizando: Sócrates é filósofo. Como representar o conjunto dos estudantes de filosofia da UFSC? Descrição: {x | x é um estudante de filosofia da UFSC}. A

descrição é usada para os casos em que há muitos elementos. Enumeração: {Paulo, Pedro, Maria, Antônio}. A

enumeração é usada nos casos em que é possível listar os elementos ou prever a sua continuidade. Há uma relação muito estreita entre ter certa propriedade e pertencer a certo conjunto. Entretanto não se exige as propriedades sejam comuns, de modo que um conjunto pode ser composto por diversos objetos de naturezas diferentes, pois o que vai importar é o critério adotado para realizar a coleção e construir um conjunto dela”. Cf. MORTARI, Cezar. Introdução à lógica. São Paulo: UNESP, 2001: Capítulo IV. 

42 A pertinência informa relações entre elementos e classes. Nesta perspectiva, todo “y” que satisfizer as

características sugeridas por uma classe será pertencente a ela, ou seja, sempre que os atributos de “y” forem aplicados ao conceito da classe, haverá uma relação de pertinência.  

43

(36)

 

subsistemas, e ainda, os níveis operativos que garantem o fechamento sintático do sistema

jurídico. E é a delimitação conceptual de tais entidades que trataremos de demonstrar nos

pontos que seguem.

2.2.1. A linguagem jurídica

O termo linguagem, aqui disposto, deve ser entendido genericamente como instrumento da comunicação, ou seja, como qualquer palavra que designa o conjunto de

línguas44 – idiomas – formas de manifestação: gestual, falada, escrita ou em quaisquer atos

que impliquem significação. Esta definição é inspirada nas teses nominalistas que se utilizavam de termos genéricos somente para denominar e não para encontrar essências. A

linguagem, a que nos referimos, é o instrumento da comunicação; é toda manifestação capaz

de realizar acoplamentos entre as estruturas sistêmicas; é mensagem com sentido.

      

do Direito tomam do dado-de-fato (coisa do mundo, conduta, relação social) e regressam logo ao sistema para verificar se o dado-de-fato foi previsto normativamente. Se não o foi, nem por norma expressa, nem por norma que o próprio ordenamento contém implicitamente, ou diz quem deve preencher o vazio normativo, então o dado-de-fato não existe juridicamente. Será uma questão de Política do Direito a de fazer regra nova para contemplar o fato juridicamente inexistente, trazendo-o para dentro do ordenamento jurídico”. Cf. VILANOVA, Lourival. “Proteção Jurisdicional dos Direitos numa Sociedade em Desenvolvimento” in Escritos Jurídicos e Filosóficos. Volume 02. São Paulo: Axis Mundi: IBET. 2003. p. 463. (grifos originais). 

44

(37)

 

A semiótica é ciência que estuda os signos e os fenômenos da representação

- atos ou palavras45. Signo46 é entidade relacional que interliga um objeto ao seu significado,

e desse modo elabora significações. Analisada sob esta perspectiva, a linguagem é um

conjunto de signos, que verbalizados ou vertidos em palavras, implicam significação e viabilizam a comunicação. Na medida em que se discorre sobre os conceitos de

comunicação, linguagem e interpretação; passa-se a questionar acerca da função pragmática

desempenhada por estas noções, ou seja, de que maneira elas interferem, descrevem,

constituem ou criam a realidade.

As discussões ao redor deste tema são intermináveis, todavia, a proposta é

apresentar um breve perfil pragmático da linguagem frente à realidade. Esta realidade que se apresenta como dimensão linguística, aquela captada pelo homem através de seus

mecanismos redutores de complexidades. Tanto sim que a linguagem cria uma realidade;

realidade que é a perspectiva parcial de mundo apreendida por cada indivíduo. A ideia é

demonstrar que o real ingressa no sistema comunicacional enquanto um dado linguístico, já que a transmissão de informações ou a emissão de relatos acerca de um evento somente pode

ser feita por linguagem e é por ela que se podem constituiras versões dos acontecimentos.

Partindo do princípio de que linguagem jurídica (texto) é a estrutura sintática

prevista pelo ordenamento - necessária moldura formal - que reúne critérios competentes para

      

45

 ARAÚJO, Clarice Von Oertzen de. “Fato e evento tributário – uma análise semiótica”. Curso de especialização em direito tributário, coord. Eurico Marcos Diniz de Santi. Rio de Janeiro: Forense. 2007. p. 335.  46 “Estudar signo, em suma, quer dizer procurar um nível extremamente simples, quase abstrato do sentido. Seja

na situação de comunicação, seja na de significação, é fácil encontrar esta célula fundamental: um objeto de duas faces, ou antes, uma relação que liga um significante a um significado”.Cf.VOLLI, Ugo.Manual de semiótica.

(38)

 

construir um ordenamento jurídico válido; e que a realidade jurídica é o resultado da

articulação de tais enunciados, pode-se afirmar que a linguagem jurídica é forma de

constituição da realidade jurídica. Assim, a linguagem é o instrumento do direito, quiçá, o

próprio direito como um sistema de comunicação.

Na consecução do raciocínio, é possível afirmar que toda forma de

manifestação humana implica linguagem, que verbalizada em palavras, formam enunciados

com sentido. Portanto, os textos jurídicos (conjunto de palavras) devem se mostrar escritos, uma vez que é requisito essencial à legitimidade das construções linguísticas, i. é, um dos

critérios de inclusão na classe do ordenamento jurídico. E a pergunta que nos vem à mente é:

e por que as palavras alcançam tamanha importância, por que direito como texto? Ora, parafraseando Vilém Flusser, as palavras são apreendidas e compreendidas como símbolos,

isto é, como tendo significado; e como os dados “brutos” alcançam o intelecto

propriamente dito em forma de palavras, podemos ainda dizer que a realidade consiste de

palavras.47

Com estes prolegômenos linguísticos, pretendemos consolidar os aspectos

conceptuais que justificarão nossa posição quanto à relação direta entre o tipo de linguagem e

o fechamento operativo do sistema jurídico. O que ingressa no universo do direito tem

natureza jurídica porque assume a forma exigida pelo próprio universo jurídico; o direito

prescrevendo direito, do direito ditando as regras e os critérios de inclusão na grande classe

que tomamos a iniciativa de chamar de ordenamento jurídico. Neste contexto, a forma

      

(39)

 

estabelecida é aquela que se mostra em linguagem competente, ingressando no sistema a

partir de um procedimento legítimo. Desta feita, o fechamento operativo do sistema jurídico,

nos termos linguísticos do plano sintático, se dá pelo fato de existir uma estrutura exclusiva

para o sistema jurídico. Então qual seria ela?

2.2.2. Estrutura sintática das normas jurídicas

Isolado o ordenamento jurídico – os textos jurídicos – percebemos que há

uma estrutura lógica que se formaliza a cada construção intelectiva, ou seja, sempre que

observados os enunciados jurídicos, cogitamos a existência de um esquema formal composto

por três elementos: 1) Hipótese fática, 2) implicação (modal deôntico: dever-ser) e, 3) Consequência jurídica. Esquema sintático que denominamos de norma jurídica, em termos kelsenianos.

Ilustração 01: Hipótese fática (H) Æ Consequência jurídica (C)

Desse modo, se isolarmos as unidades elementares do ordenamento jurídico

teremos um conjunto de normas jurídicas, que estarão sempre dispostas em construções

lógico-formais predominantemente homogêneas, muito embora sejam absolutamente

(40)

 

Quando lidamos com a sintaxe das normas, realizamos um estudo lógico, ou seja, elaboramos fórmulas fixas e sintaticamente homogêneas, compostas por variáveis

(categoremas)48 e constantes (sincategoremas)49 capazes de representar o nosso objeto.

Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, afirma que a norma funciona

como um esquema de interpretação.50 Norma jurídica que deve ser entendida como uma

construção hermenêutica realizada pelos órgãos credenciados pelo sistema (direito posto),

para prescrever comandos, permissões e atribuições de poder ou competência. Por outro lado,

as proposições jurídicas seriam juízos descritivos hipotéticos que tratam de cogitar o sentido,

as condições e os pressupostos da ordem jurídica.

A Ciência do Direito, para Kelsen, constroi proposições jurídicas, cuja

função descritiva busca aferir valores de verdade ou falsidade. Enquanto que as normas jurídicas seriam o resultado da atividade interpretativa dos sujeitos competentes e aptos para

aplicar o direito. E nesta perspectiva, os valores almejados pela prescritividade normativa

seriam de validade ou invalidade.

O direito, para Kelsen, é um sistema de normas que procura regular

condutas empregando o verbo “dever-ser”, no seu sentido amplo, para que possa alcançar obrigações, permissões e proibições. Observou, portanto, a norma jurídica como o resultado

de atos de vontade dos órgãos competentes, e o direito como um conjunto de normas

jurídicas.

      

48VILANOVA, Lourival. Estruturas lógicas do sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses. 2007. p.286 

49 VILANOVA, Lourival. Estruturas lógicas do sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses. 2007. p.286 

(41)

 

A concepção homogênea, pelo exposto, compreende o ordenamento como

um sistema de normas jurídicas, cuja estrutura lógico-formal obedece ao perfil sintático de

uma hipótese implicando uma consequência (H Æ C), cujo elemento de conexão é um modal

deôntico51 - um “dever-ser”. Desta feita, haveria homogeneidade sintática no plano da estrutura formal da norma jurídica.

      

51

 Entendemos que o dever-ser é entidade sintática, cuja expressão carece de significado per se. Tal como as unidades relacionais se apresentam, o dever-ser é unidade lógico-jurídica que pode ser vista sob a égide de duas perspectivas: neutra e deôntica. O dever-ser neutro é aquele que rege uma relação interproposicional, portanto, aquele que realiza o vínculo entre a proposição hipótese (antecedente) e a proposição-tese (consequente) da norma, enunciado por ato volitivo de autoridade competente. Neutralidade que se deve ao atributo de ser peça meramente relacional - necessária condição/conexão posta pelo fenômeno da implicação. É o fenômeno implicacional que provoca a causalidade jurídica, enquanto inequívoco elo concreto entre as causas fáticas e os efeitos jurídicos. Assim, é possível usar esta assertiva para corroborar com toda a tese de que a incidência51 se opera sobre os fatos da realidade (subsunção – inclusão de classes) e implica numa consequência jurídica, onde serão ponentes deveres e direitos aos sujeitos. Assim, a imputação se opera como etapa final do processo de

incidência jurídica, sendo capaz de concretizar as relações jurídicas previstas nos consequentes abstratos das normas gerais e hipotéticas elaboradas a partir da leitura, interpretação e compreensão dos textos positivados. O

dever-ser neutro vincula termos proposicionais sem jamais se mostrar modalizado. E esta negativa se consolida por conferir ao símbolo “modalizado” o caráter operacional, orientado pela Lógica deôntica, de impor os vetores proibido (V), permitido (P) e obrigatório (O) às condutas intersubjetivas. Assim, esta modalização não é cabível ao dever-ser de natureza neutra.

Na esteira classificatória, o dever-serdeôntico nãosegue a consecução do raciocínio adrede exposto em termos de fenômeno implicacional, pois não é o responsável pela implicação – competência exclusiva do dever-ser neutro, mas estabelece um vínculo que agora acontecerá entre pessoas e terá como efeito imediato a imposição de um dever jurídico para o sujeito S’ e de um direito subjetivo para o sujeito S’’. Por esta forma, tal relação jurídica somente será percebida na proposição-tese da norma (consequente) e, assim, será chamada de intraproposicional.

(42)

 

Convém registrar que a postura positivista pretendeu construir uma teoria

pura do direito, uma ciência jurídica autônoma capaz de se diferençar das demais ciências. E

Kelsen, para viabilizar esta pureza, realizou um corte metodológico que isolou o direito do

mundo externo, a partir da identificação de uma forma sintática propriamente jurídica. Entretanto, o corte sintático de tal concepção não negou a existência do conteúdo semântico

dos enunciados prescritivos, apenas o desconsiderou no instante em que se propôs a construir

uma teoria pura.

Os valores atribuídos ao sistema normativo seriam o resultado do processo

interpretativo, e, portanto, uma perspectiva que não interessaria à parte da teoria que buscou

identificar a forma pura do direito. Vista por este enfoque, é possível se chegar à conclusão de que a teoria do direito, para os positivistas, teria como objeto de preocupação a teoria da norma jurídica, como unidade sintática elementar do ordenamento.

       função. Função que passou a ser tratada pelo professor alemão como um caso especial de relação (relação aqui definida como o conjunto de pares ordenados, onde cada elemento pertence a um dos conjuntos relacionados). Assim, na álgebra, o conceito de functor assumiu a face de elemento relacional, i. é, de ponte formal que tem preservada sua estrutura (homomorfismo – homomorphisms - R. SCHREIBER, Logik des Rechts, chama de isomorfismo – estruturas formais de mesma composição) a fim de unir categorias. Transpondo o conceito matemático para a filosofia, RUDOLF CARNAP utilizou o termo functor para denominar o ente relacional que há entre predicados ou entre propriedades. Assim, functor foi adotado, pela seara filosófica, como um item linguístico, uma forma especial de função, cuja natureza é meramente estrutural.

Desta maneira, retornando às acepções de GEORGES KALINOWSKI, é absolutamente pertinente a analogia feita do termo functor à lógica jurídica. Pois, se o dever-ser é o ente que relaciona as proposições da forma normativa, ele poderá ser chamado, sem demasiada restrição, de functor. Nesta perspectiva, ao observar a forma normativa e a posição ocupada pelos functoresdever-ser, GEORGES KALINOWSKI identificou como

functor deôntico aquele ente que integra a relação intraproposicional/ (Æ S’ R S’’). E, ainda seguindo o raciocínio adrede destacado, assumindo a postura propriamente matemática de iniciar a resolução das equações pelas operações internas às formulas e seguir pelos termos marginais até alcançar o resultado correto, inferiu-se que: se o dever-ser modalizado da proposição-tese é chamado de functor deôntico¸ então o dever-ser neutro,

enquanto relação da relação, será chamado de functor-de-functor. Com toda esta exposição, concluímos que o

dever-ser é qualificação jurídica para uma função relacional – functor. E, nesta medida, assume um papel estrutural inafastável para análise lógica da forma sintático-normativa. E, em sendo qualificação, é entidade que apresenta carga valorativa tanto enquanto functor-de-functor como enquanto functor deôntico.

(43)

  2.3. Abertura semântico-pragmática do Sistema Jurídico

O sistema jurídico enquanto subsistema social está inserido num contexto

complexo e ininterrupto de fatos. Fatos sociais que exigem regulação e inclusão num

contexto capaz de orientar as condutas intersubjetivas. Dentro de uma sociedade em

desenvolvimento gradual, diversos valores devem ser mobilizados e contemplados por

previsões normativas, aptas a viabilizar a harmonização do convívio social e oferecer os

meios suficientemente válidos para solucionar os eventuais conflitos e sanar as expectativas

frustradas pelo litígio.

Sobre isso, convém ressaltar que quando o sistema jurídico assume para si a

função de elaborar um repertório geral e abstrato de hipóteses fáticas capazes de implicar

consequências jurídicas, está incluindo o quantum do ambiente/meio na sua forma própria e exclusiva, i. e, conectando as referências externas a partir de operações internas52.

Significa dizer que o direito passa a regular, a partir de uma estrutura formal

homogênea, a heterogeneidade dos fatos sociais através de atos que seguem específicos

procedimentos e definidas competências.

Entretanto, ao disciplinar as condutas intersubjetivas, o sistema jurídico não

traz para dentro de si fatos econômicos, sociais, político, ou toda heterogeneidade do

      

52 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad.

(44)

 

ambiente; dentro do sistema jurídico só há fatos jurídicos, e os fatos em jurídicos se

transformam quando relatados em linguagem jurídica competente, positivada.

Portanto, vislumbra-se uma abertura semântica e pragmática do sistema

jurídico à realidade, desde que encontre respaldo no padrão formal do ordenamento jurídico –

frame of reference – para o fechamento operativo do sistema.

Na linha de consecução desse raciocínio, Cristiano Carvalho assegura que o quantum de abertura cognitiva do sistema normativo ao ambiente é que dará a medida de sua capacidade homoestática, i. e, quanto mais o sistema normativo for capaz de perceber as

expectativas do meio social, melhor será capaz de adaptar-se a ele53. Dessa forma, teremos o

sistema social sensibilizando o sistema jurídico e este criando mecanismos internos capazes

de construir programas que atendam às necessidades do universo contínuo e cambiável - o

meio.

Como observa Lourival Vilanova, as novas situações (sociais) encontram

solução normativa dentro dos quadros gerais do ordenamento: regras legisladas, os

regulamentos editados, as decisões judiciais vão, cada uma em sua esfera própria, criando

um direito novo, sem quebra dos lineamentos e contornos do ordenamento jurídico total.54

O ordenamento jurídico e todas as entidades que o compõe – leis, decisões

judiciais, jurisprudências – se assenta num substrato social e se volta para ele a fim de dar

      

53

 Teoria do Sistema Jurídico. São Paulo: Quartier Latin. 2005. p. 245. 

54

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