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Normas e Tratados Internacionais de impacto no sentido de deficiência e

Como dito, ainda que este trabalho trate sobre as mulheres com deficiência em geral, sem propor enfoque a um tipo de deficiência específica, é preciso trazer a diferença entre deficiência intelectual e deficiência mental, considerando que essas são as deficiências evidenciadas no Código Civil de 2002, e alvo das principais discussões relativas à capacidade após a Lei 13.146/2015 (EPD). Em termos amplos, a deficiência intelectual está relacionada a questões cognitivas (Síndrome de Down e retardo, por exemplo) e a deficiência mental aquela vinculada aos processos psicossociais (autismo e esquizofrenia, por exemplo) (DIAS, 2019, informações verbais).

Neste sentido, importa negritar tratados e normas internacionais que dizem respeito à deficiência mental e intelectual, como a Declaração de Direitos do Deficiente Mental que foi aprovada em 1971 pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Tal Declaração proclama que "1. o deficiente mental deve gozar, na

medida do possível, dos mesmos direitos que todos os outros seres humanos" (ONU, 1971).

Em 1980 a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou a Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID). A CIDID, criou uma sequência linear de graus de experiências quanto à saúde. Este modelo linear é composto por três elementos: deficiência, incapacidade e desvantagem. Na visão de Mângia, Muramoto e Lancman (2008), a classificação, traz a deficiência (impairment) é considerada como uma lesão, permanente ou não, nas funções corporais, sensoriais, intelectuais e mentais, se desviando da norma biológica. Isto é, deficiência é trazida pela Classificação como "anormalidades nos órgãos e sistemas e nas estruturas do corpo" (CIDID, 1980). Já a incapacidade (disability) se dá no momento em que esta lesão provoca limitações no exercício de atividades, ou seja, incapacidade é a consequência dos impedimentos funcionais no exercício de atos. Aqui, incapacidade está relacionada a seis áreas relevantes na relação social. E a desvantagem (handicap), citada pela CIDID, está presente em casos em que a incapacidade provoca prejuízos nessas áreas (OMS, 1985; MÂNGIA; MURAMOTO; LANCMAN, 2008, p. 122-123).

Portanto, "para a CIDID, impairment representava uma situação exteriorizada, a ser prevenida, disability expressava uma condição objetivada, a ser reabilitada e handicap socializada a ser integrada e ter participação plena garantida" (DIAS, 2019, p. 10, no prelo), havendo um modelo em que a deficiência (impairment) é condição para a

incapacidade (disability), enquanto a desvantagem (handicap)é resultado social da incapacidade (MÂNGIA; MURAMOTO; LANCMAN, 2008):

Figura 1: Modelo Linear da CIDID

Fonte: OMS (1985 apud MÂNGIA; MURAMOTO; LANCMAN, 2008, p. 12)

Dessa forma, a Classificação não conseguiu compreender a complexidade da estrutura existente entre deficiência e incapacidade, se apoiando no modelo médico (DIAS, 2019; MÂNGIA; MURAMOTO; LANCMAN, 2008, p. 124-125).

Neste sentido, após diversas críticas à CIDID por ter criado vínculo entre lesões individuais com incapacidade, foi criada uma nova classificação, na tentativa de afastar pressupostos médicos inteiramente nocivos para a apreensão de deficiência e incapacidade. A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde

aprovada em 2001 pela OMS propõe que incapacidade envolva uma interação entre funções corporais com estruturas sociais e institucionais. Isto é, considera que incapacidade está na relação entre corpo lesado e barreiras sociais (OMS, 2004).

A CIF também se afasta da CIDID por diferenciar deficiência de doença, ao considerar que a deficiência não implica necessariamente em doença, assumindo a primeira como uma questão política e de direitos humanos (OMS, 2004, p. 25).

Figura 2: Modelo de Deficiência da CIF

Fonte:OMS (2004, p. 20)

Assim, a CIF rompe com o modelo linear da CIDID e apresenta uma abordagem biopsicossocial da deficiência. Neste ponto, a deficiência é vista de maneira ampla, incluindo perspectivas biológicas, fatores sociais e ambientais. E ainda que esta classificação não evidencie a origem teórica do modelo biopsicossocial, a partir do exposto na abertura deste trabalho, a partir da leitura dos estudos sobre deficiência, infere-se que o modelo biopsicossocial da deficiência tenha surgido após diversas críticas ao modelo social clássico, que negava de início o corpo como parte da experiência da deficiência (OMS, 2004; SHAKESPEARE, 2002, 2010).

Em seguida, a Declaração de Montreal sobre a Deficiência Intelectual (OMS, 2004), se manifestou preocupada "por que a liberdade das pessoas com deficiências intelectuais, para tomada de suas próprias decisões é frequentemente ignorada, negada e sujeita a abusos" (OPS/OMS, 2004, p. 01) declarando que:

6. A. As pessoas com deficiências intelectuais têm os mesmos direitos que

outras pessoas de tomar decisões sobre suas próprias vidas. Mesmo que algumas pessoas possam ter dificuldades de fazer escolhas, formular decisões e comunicar suas preferências, elas podem tomar decisões acertadas para melhorar seu desenvolvimento pessoal, seus relacionamentos e sua participação nas suas comunidades. Em acordo consistente com o dever de adequar o que está estabelecido no parágrafo

5B, as pessoas com deficiências intelectuais devem ser apoiadas para que tomem suas decisões, as comuniquem e estas sejam respeitadas. Conseqüentemente, quando os indivíduos têm dificuldades para tomar decisões independentes, as políticas públicas e as leis devem promover e reconhecer as decisões tomadas pelas pessoas com deficiências intelectuais. Os Estados devem providenciar os serviços e os apoios necessários para facilitar que as pessoas com deficiências intelectuais tomem decisões significativas sobre as suas próprias vidas. B. Sob nenhuma condição ou circunstância as pessoas com deficiências intelectuais devem ser consideradas totalmente incompetentes para tomar decisões baseadas apenas em sua deficiência. Somente em circunstâncias mais extraordinárias o direito legal das pessoas com deficiência intelectual para tomada de suas próprias decisões poderá ser legalmente interditado. Qualquer interdição deverá ser por um período de tempo limitado, sujeito as revisões periódicas e, com respeito apenas a estas decisões, pelas quais será determinada uma autoridade independente, para determinar a capacidade legal. C. A autoridade independente, acimamencionada, deve encontrar evidências claras e consistentes de que apesar dos apoios necessários, todas as alternativas restritivas de indicar e nomear um representante pessoal substituto foram, previamente, esgotadas. Esta autoridade independente deverá respeitar o direito a um processo jurídico, incluindo o direito individual de ser notificado, ser ouvido, apresentar provas ou testemunhos a seu favor, ser representado por um ou mais pessoas de sua confiança e escolha, para sustentar qualquer evidência em uma audiência, assim como apelar de qualquer decisão perante um tribunal superior. Qualquer representante pessoal substituto da pessoa com deficiência ou seu tutor deverá tomar em conta as preferências da pessoa com deficiência intelectual e fazer todo o possível para tornar efetiva a decisão que essa pessoa teria tomado caso não o possa fazê-lo. (...) (OPS;OMS, 2004, p. 02-03).

Esta Declaração surge como apoio "à formulação de uma Convenção Internacional Compreensiva e Integral para Promover e Proteger os Direitos e a Dignidade das Pessoas com Deficiência" (OPS/OMS, 2004, p. 01). Sendo, dois anos depois aprovada a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006) que teve uma das maiores participações da sociedade civil na elaboração de norma da ONU. Tal participação foi de grande importância para aprovação do texto em seus moldes atuais. Entre as pautas negociadas pela sociedade com deficiência, foi colocada a adoção de um conceito social de deficiência que assegurasse direitos humanos para a realização da liberdade, saúde e igualdade, e a aplicação da CIF (OMS, 2004; WOODBURN, 2013). Quanto a áConvenção da ONU será realizada uma exposição mais profunda no ponto seguinte.

3.3.A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e