• Nenhum resultado encontrado

CONTEXTO DA PESQUISA

2 PROBLEMÁTICA DE PESQUISA: A TECNOLOGIA COMO INDICADOR DAS DINÂMICAS DE POVOAMENTO DO BRASIL CENTRAL

2.2 NOSSA PROBLEMÁTICA

O quadro sintético apresentado não está fechado e avanços estão sendo feitos em vários aspectos a cada novo estudo na região. Na nossa reflexão sobre a temática, consideramos lacunas ainda visíveis ou pouco abordadas, principalmente quando pensamos em dinâmicas internas de cada período e nas relações de rupturas e continuidades técnicas entre períodos.

56

Embora saibamos e consideramos a relevância de todos os aspectos que envolvem o conhecimento sobre os processos de povoamento de uma região por grupos pré-históricos, destacamos aqui a importância dos estudos dos artefatos líticos. Os estudos em tecnologia lítica avançam para responder questões como as que envolvem mudanças, rupturas e continuidades culturais ao longo do tempo. Para abordar esses pontos, os artefatos líticos são ideais, já que sua presença no registro arqueológico, além de ser abundante, é verificada ao longo de toda a pré-história. Isso combinado a um estudo tecnológico nos permite perceber mudanças e permanências culturais ao longo do tempo, e ainda, e talvez mais importante dentro desta perspectiva de compreensão dos processos de povoamento, a tecnologia lítica pode indicar relações de trocas, afinidades e heranças culturais comuns entre grupos de diferentes regiões.

Com essa rica perspectiva que os estudos tecnológicos fornecem, desenvolvemos nossa problemática geral:

Quais são os processos de povoamento do Brasil Central, do Pleistoceno final ao Holoceno médio, revelados por um estudo detalhado das indústrias líticas na diacronia?

Essa problemática geral está relacionada a vários questionamentos, necessários para compreensão do nosso recorte temporário de 13.000 até aproximadamente 6.000 anos. Começamos com o período de ocupações associadas ao Tecnocomplexo Itaparica. As publicações colocam que entre 13.000 e aproximadamente 9.000 anos, esse sistema técnico prevaleceu no Brasil Central, mantendo suas características coerentes e estáveis, com pequenas diferenças entre regiões. Essas diferenças foram atribuídas à fatores regionais e consideradas como variações internas ao sistema (LOURDEAU, 2010). Considerando essa estabilidade anunciada no Tecnocomplexo Itaparica, nos perguntamos sobre a evolução dessas indústrias ao longo dos aproximadamente 7.000 anos de ocupações associadas a esse sistema, no Brasil Central:

As indústrias líticas do Tecnocomplexo Itaparica apresentam elementos oriundos das indústrias pleistocênicas, ou são indústrias originais?

Se observadas em uma mesma região, ao longo de sua sequência como sistema técnico, associado às ocupações da transição Pleistoceno-Holoceno, as indústrias do Tecnocomplexo Itaparica apresentam estabilidade, ou diacronia?

Já o período do Holoceno médio, após os 9.000 anos, as ocupações do Brasil Central começam um processo de mudanças. Queda no número de ocupações são observadas, principalmente a partir de 8.000 anos, e as indústrias líticas sofrem uma ruptura técnica

57

profunda, com relação ao período anterior, indicando uma possível mudança de populações. As indústrias que emergiram com essa ruptura são caracterizadas por instrumentos sobre lascas de morfologia e gumes variados e pouco modificados. Assim como no Tecnocomplexo Itaparica, foi atribuído à essas indústrias uma certa estabilidade quanto às suas características. Diante desse quadro, nos questionamos:

As ocupações associadas ao Tecnocomplexo Itaparica apresentam, em algum momento, aspectos que poderiam ser indicadores da mudança técnica ocorrida no Holoceno médio, apontando para mudança gradual e não repentina?

Se observadas em sincronia, as indústrias líticas associadas às ocupações do Holoceno médio apresentam inovações técnicas ou suas características se mantêm estáveis?

Nossa problemática é de ordem cultural e envolve a compreensão das dinâmicas de ocupação de um território por grupos caçadores-coletores do Pleistoceno final ao Holoceno médio. Quando se abordam os povoamentos, os territórios estão entendidos como espaços culturalmente apropriados. A cultura aqui é entendida como mediadora entre o homem e seu meio, ela é constituída pelo conjunto de artefatos, do know-how e dos conhecimentos através dos quais os homens mediatizam suas relações com o meio natural (Claval, 2003: 12). É nessa relação do homem com seu meio que as culturas nascem, se modificam e desaparecem. Bonnemaison ressalta que

As culturas se constroem dentro de um espaço, independente do seu tamanho. Fernand Braudel disse que elas possuem acomodação geográfica. Elas possuem um meio geográfico, respondem a ele, mas elas não se explicam por isso (não é coisa de determinismo geográfico). Por outro lado, há uma dialética constante entre o ambiente geográfico e a cultura. Uma espécie de diálogo e luta. O meio humano e o meio natural não podem jamais ser separados: nenhum dos dois se explica nem tem sentido em si mesmo, é a relação recíproca que cria o meio geográfico e o meio cultural. (BONNEMAISON, 2001: 95. Tradução nossa).

Considerando os dados que descrevemos no Capítulo 1, pesquisadores estão propondo hipóteses de ocupações, dispersão e trocas entre os grupos de caçadores-coletores que ocuparam o Brasil Central. Essas formulações e propostas são feitas de maneira mais aprofundada para os períodos do Pleistoceno final e Holoceno inicial. Isso pode ser justificado pelo ainda incipiente número de dados publicados sobre o Holoceno médio e envolve questionamentos aos povoamentos ainda pouco abordados. São questionamentos inseridos dentro de uma abordagem

58

sistêmica da cultura. Nessa perspectiva, os conjuntos artefatuais podem ajudar na definição de espaços do passado, dinâmicas de ocupação do território e relações entre diferentes grupos humanos. Para abordar essa temática usamos a tecnologia lítica, considerando que os objetos técnicos são mediadores entre o homem e seu meio (BONNEMAISON, 2001; CLAVAL, 2007; BOËDA, 2013), portanto, um informante de como o homem ocupa, compreende e se relaciona com seu ambiente. Utilizar os artefatos líticos como testemunhos dessas dinâmicas culturais só é possível se utilizamos uma metodologia de análise apropriada, que coloque em evidência traços técnicos da cultura do(s) grupo(s) estudado(s). A abordagem tecnofuncional permite tais objetivos.

PARTE 2

Documentos relacionados