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A participação nos rituais é crucial para a definição da pessoa maxakali. São os

yãmiy que levam o conhecimento aos homens, ajudando-os na execução de cantos e danças, na realização de tarefas cotidianas, na agricultura, na caça e na guerra. É, portanto, através da relação entre espíritos e viventes que o conhecimento é atualizado144. As aldeias dos

yãmiy são ligadas entre si e às dos vivos através de caminhos (Alvares, 1992: 53). Para controlar o trânsito dos espíritos nestes caminhos, os homens fazem rituais145.

Aos sete anos aproximadamente, os meninos são iniciados na arte de lidar com os espíritos. Rominho Maxakali explicou-me que “o yãmiy taxtaxkox (bambu ou “taquara”) vem fazendo barulho com a matraca, pega os meninos um por um e leva pro kuxex. Aí

kitoko (filho) tem que ficar lá um mês, aprendendo tudo de yãmiyxop. A mãe não pode ver. Só pode tomar banho no rio atrás do kuxex, e só o pai leva comida.”146

144 Alvares (1992: 56) afirma que, quando o mimanã é instalado em frente ao kuxex, “os espíritos voltam à terra e novamente habitam entre os homens em suas aldeias”.

145 De acordo com Alvares (1992), os espíritos vêm à terra para interagir com os homens, mas os homens não podem ir de encontro aos yãmiy, no hãmnõy (além). Porém, o professor João Bidé Maxakali contou uma história na qual dizia que “algum maxakali foi no céu, távivo e foi”. Quando dei uma pena de arara de presente a seu pai, o ancião ficou muito feliz e disse que ia cantar para eu gravar. Enquanto se preparava para cantar, João Bidé comentou que ele estava “saindo”. O ancião cantou alguns cantos xamânicos ao lado de sua esposa, que chorava e ria ao mesmo tempo.

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Apenas os meninos são iniciados. Pude perceber, no entanto, que Daldina atuava no ritual de forma diferente das outras mulheres. Gostava de tocar o chocalho – instrumento de uso masculino –, que os homens sutilmente tomavam de volta, e aproximava-se mais do kuxex que outras mulheres. Totó já disse algumas vezes que “ela está aprendendo”. Quando o chefe de posto perguntou a Totó quem ficaria em seu lugar, ele disse que seria Daldina.

Os membros de cada grupo ritual interagem com o grupo de espíritos correspondente (F. Popovich, 1988: 105). Todos os homens iniciados participam dos rituais. No entanto, alguns anciãos são reconhecidos como mais sábios que outros. São chamados yãmiytak, kuxextak (tak – pai) ou monãyxop147 (“antepassados”). F. Popovich (1988: 61) observa que os grupos locais precisam de homens como estes para dizer quais espíritos precisam ser “apaziguados”, como, quando e onde.

Alguns rituais são sazonais, e estão ligados à caça, à pesca e à agricultura. De acordo com H. Popovich (1976b: 25, 26), o calendário ritual tem seu início geralmente em setembro, quando mõgmõkaxop (grupo do gavião) é chamado para fazer com que o tempo permaneça seco, favorecendo as queimadas necessárias para o plantio das roças. Este grupo é enviado de volta ao hãmnõy geralmente em outubro, quando xunnimxop (grupo do morcego), que “gosta de chuva”, é chamado para que o plantio possa ser feito.

Cada ciclo ritual deve ser realizado numa determinada época do ano148. No entanto, alterações no calendário são comuns, pois um ciclo ritual pode ser interrompido caso haja alguém doente na aldeia. Neste caso, um rito de cura deve ser realizado para o yãmiy

147 Monãyxop são os velhos, que teriam conhecido uma espécie de “tempo mítico” associado aos

antepassados. “The term refers to the people of yesteryear who lived in a story-land world different from the world today; a world of jaguars, forestspacked with animals, enemy Indian tribes, and stone tools” (H. Popovich, 1976b: 27).

148 Pretendo expor aqui algumas generalidades sobre o ritual maxakali, mas é importante observar que, como o panteão de espíritos maxakali é muito vasto, as cerimônias são também muito variadas, complexas e insuficientemente descritas pelos pesquisadores.

causador da doença. Além disso, certos yãmiy podem ser chamados para resolver os problemas de infertilidade de um casal ou fazer com que uma criança cresça (H. Popovich, 1976b: 26).

Já observamos que, para H. Popovich (1976b), o koxuk (alma) desencarnado pode tornar-se um yãmiy de qualquer grupo ao qual pertencia em vida. Ao contrário, Alvares (1992: 58) afirma a existência de um grupo de yãmiy formado exclusivamente pelas almas dos mortos maxakali, enquanto os outros grupos seriam formados por espíritos associados à natureza ou aos inimigos. A autora afirma que os subgrupos yãmiypit (pit – masculino) e

yãmiyhey (hey – feminino) estão relacionados à vida na aldeia, às relações mantidas entre os vivos. Segundo Alvares, quando visitam a terra, estes yãmiy fazem casas, limpam a aldeia para as mulheres e realizam os ritos de iniciação. Os dois subgrupos formam um grupo chamado yãmiyhey149. A autora afirma que este é o único grupo que recebe uma denominação feminina, em oposição aos outros grupos associados à natureza e aos inimigos, essencialmente masculinos. Alvares (1992: 88) observa ainda que são as mulheres que chamam o ciclo de yãmiyhey, quando desejam alimentar seus mortos. Os alimentos oferecidos em todas as cerimônias deste ciclo são femininos, ou seja, não há carne.

Os ciclos rituais duram entre um e três meses (Alvares, 1992: 88). Cada ritual acontece num determinado horário do dia, mas a grande maioria deles é realizado à noite. Na primeira noite, os homens cantam xãnã’ ax - “chamados” para todos os espíritos do grupo homenageado. As noites seguintes são dedicadas aos subgrupos de yãmiy, um por

149 H. Popovich (1976b: 8) descreve Yãmiy pit (“herói tribal”) e yãmiy hey (“heroína tribal”) como subgrupos pertencentes ao grupo yãmiy kup xahix xop (calcanhar das almas dos mortos).

noite. O ciclo é encerrado com o ka’ ax canto “final” correspondente ao grupo como um todo (H. Popovich, 1976b: 27).

Os yãmiy chamados chegam à terra através do mimanã. Alguns dos homens transformam-se, durante o ritual, nos próprios yãmiy, enquanto outros permanecem agindo como viventes

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