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CAPÍTULO III – A ESTÉTICA KANTIANA SOB A LEITURA FILOSÓFICO-

3.3 Notas sobre a apropriação de “o político” em Kant

Duas questões curiosas são inicialmente apontadas por André Duarte em seus comentários sobre A dimensão política da filosofia kantiana segundo Arendt, em LFPK; e justamente são recolocadas pela expressiva contribuição de tal autor ao longo do nosso trabalho. A primeira é sobre a rara oportunidade de poder ver o pensamento arendtiano estritamente ocupado com a interpretação de textos de um filósofo clássico; a segunda é sobre a dificuldade em definir o estilo do texto de Arendt, em Lições, ao passo que nenhuma caracterização poderia elucidar com fidelidade o espírito de seu texto, “deixando assim em aberto a pergunta pelo sentido da démarche interpretativa e dos propósitos de Hannah Arendt nessas reflexões.” (ARENDT, 1993b, p.110), garante André Duarte. O autor salienta ainda que a interpretação de Arendt não se esgota em meras exposição e discussão analíticas dos conceitos kantianos, nem tampouco se limita às regras da filologia. Feitas essas breves notificações, passaremos a esclarecer por que Arendt entrevê que Kant difere dos demais filósofos da tradição. Trata-se de apontar para as implicações de tal démarche interpretativa da autora, isto é, de sua interpretação apropriativa do pensamento de Kant.

Para Arendt, Kant é uma exceção – um pensador político de primeira classe – dentre os grandes pensadores que trataram de política, pois não tendo escrito nenhuma filosofia política, no sentido estrito, revela-nos uma abertura sui generis para os problemas dessa natureza, ou seja, o filósofo de Königsberg não conceberia a política a partir de preconceitos tradicionais. Além disso, Kant teria percebido, dentre outras coisas103, a necessidade de alagar o espectro do debate público como condição fundamental para o exercício das faculdades espirituais. André Duarte reforça sobre o uso público da razão104 ou do papel crítico do

103 Cf. ARENDT, Hannah. A dignidade da política: ensaios e conferências. Trad. Helena Martins e outros. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993b. Segundo Arendt (1993b), as conjecturas políticas de Kant, tal como já ressaltamos em parte anterior deste trabalho, teriam sido formuladas no interior da terceira Crítica, ou seja, por meio dos conceitos de juízo reflexionante estético, mentalidade alargada, desinteresse, comunicabilidade e

sensus communis. Contudo, esse núcleo potencial de uma possível filosofia política não escrita [grifo nosso] não

teria sido desenvolvido por Kant no sentido político.

104 Cf. ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro (2005, p. 291-292). A razão humana, por ser falível, só pode funcionar se o homem puder fazer “uso público” dela; e isto é verdadeiro, outrossim, para aqueles que, ainda em estado de “tutela”, forem incapazes de usar a sua mente “sem a orientação de alguém”; e para o “estudioso” que necessita de que “todo o público leitor” examine e controle os seus resultados.

pensamento pelos quais, nessa abertura ao debate, se percebe que a razão não é infalível e, portanto, não pode prescindir da comunicação105 com os outros.

Arendt não tem dúvida de que Kant é quem teria percebido as implicações políticas e filosóficas dos conceitos de comunicação e de sociabilidade, e a sua correlação com as atividades espirituais; tudo isso não podendo ocorrer fora da sociedade humana. Tal ênfase dada por Kant à sociabilidade humana se traduz, no entender de Arendt, como condição para o juízo político, na medida em que os homens são interdependentes não apenas em função de suas necessidades biológicas, mas também para desenvolverem e aperfeiçoarem a capacidade espiritual. Outro registro de Arendt sobre a sua predileção por Kant que, por sua vez, está ligado ao anterior, é que mesmo os homens condicionados por questões históricas de sua existência e da sociabilidade, ao lidarem com a máxima alargada da faculdade de julgar, podem transcender as suas condições existenciais. Nessa propriedade do juízo que se dá intersubjetivamente, tal como na estética, o poder da imaginação confere a representatividade também ao pensamento político, ou seja, acerca de um tema político, uma opinião se forma, levando em consideração o ponto de vista dos outros, inclusive dos que estão ausentes.

Conquanto Arendt entenda que a filosofia de Kant esteja carregada e perpassada por preocupações políticas, sua defesa central, em Lições, é a de que a Analítica do Belo, no interior da CFJ, configura a sua mais forte expressão política. E é nessa parte que Arendt toma o juízo de gosto como protótipo para a faculdade de julgar. Quanto a isso, Arendt expressava claramente, por meio de uma carta de 1957 a Karl Jaspers, o seu entusiasmo quando da leitura que faz da obra de Kant, isto é, o seu ânimo pelo pensar alargado e pela forma de julgar abordada por Kant na CFJ, como lembra a própria autora:

No momento – diz ela – estou lendo a Crítica da faculdade do juízo com crescente satisfação. Lá, e não na Crítica da razão prática, é onde está oculta a verdadeira filosofia política de Kant. Sua exaltação do “senso comum”, tão frequentemente desprezado; o fenômeno do gosto tomado seriamente como o fenômeno básico do juízo [...]; o “modo expandido de pensamento”, que é uma parte essencial do juízo, de maneira que se possa pensar do ponto de vista qualquer outra pessoa. A exigência de comunicabilidade. Isso incorpora as experiências que o jovem Kant teve em sociedade e que então o homem idoso reavivou novamente. (ARENDT, 1993c, p. 318).

105 André Duarte, em comentário das Lições (ARENDT, 1993b, p.115), salienta que, em Origens do

Totalitarismo, pôde perceber, nas análises arendtianas, a implicação do conceito de comunicação intersubjetiva

na efetivação do pensamento e do próprio sentido de realidade do homem, designado sob o conceito de “senso

Já reservamos uma parte desta dissertação para apresentar de forma mais cuidadosa o propósito de Kant quanto à CFJ, não restando dúvida de que Kant não a concebe nem tampouco a compreende num sentido político. Já apresentamos também, em citação de EPF, o esclarecimento de Arendt sobre o porquê se apoiou na primeira parte da CFJ, retomando o dilema que ronda as críticas à Arendt por tal apropriação. Cabe agora apresentar algumas de nossas considerações provisórias sobre tal temática.

Primeiramente, que Arendt faz questão de reforçar que o seu modo de interpretar Kant é por analogia. Confirmamos isso na própria declaração de Arendt na Décima Lição de LFPK:

Uma vez que Kant não escreveu sua filosofia política, o melhor meio para descobrir o que ele pensava sobre o assunto é voltar-se para a Crítica do juízo estético, em que, ao discutir a produção de obras de arte em sua relação com o gosto, que julga e decide sobre elas, confronta-se com um problema análogo. (ARENDT, 1993b, p. 79).

Quanto a isso, Arendt apreende que a melhor forma de tratar de uma filosofia política oculta, em Kant, é exercitar o pensamento analógico para entender como poderiam ser as conclusões de Kant sobre a política, tendo como base o juízo estético. Nessa perspectiva, a leitura interpretativa de Arendt106 do legado kantiano, para a historiografia, torna-se também relevante e ganha, na autora, um caráter hermenêutico para tratar do “fio de Ariadne” rompido. A narrativa seria, em Arendt, o modo mais eficaz de pensar e de julgar os eventos históricos. Contudo, é inegável que Arendt traz em mente a dificuldade do exercício do julgamento em circunstâncias, como foi durante o totalitarismo, em que não há possibilidade de exercício do sensus communis e acordo sobre o juízo. Em se tratando da experiência totalitária, evento sem precedentes, somente um storyteller pode penetrar no acontecimento e expor seus dilemas e paradoxos inerentes, levando o ouvinte a tomar posição autônoma e crítica, como juiz diante do evento.

Reafirmamos a crítica arendtiana às filosofias da história que asseveram dogmaticamente que a história tenha um sentido necessário. Como se sabe, também na filosofia da história kantiana, quanto à ação a lei se apresenta como fundamento determinante

106 Cf. HUNZIKER, Paula. Hannah Arendt lectora de Kant.In: Dois pontos. Vol. 7, nº4, Curitiba: São Carlos, 2010. pp.105-126. Hunziker lembra que: “La respuesta de Arendt indica que lo que está em el fondo de esta disputa es um desacuerdo importante sobre la naturaleza y función del juicio y sobre su articulación con el problema de la comprensión humana. El gran tópico de esta polémica está vinculado al “uso público” del próprio juicio de Arendt y, más generalmente, a las relaciones entre acción humana, autonomia del juicio y compresión histórica.” (HUNZIKER, 2010, p.118).

do progresso. Ora, o sentido de uma ação, do ponto de vista político arendtiano, tem o seu início e o seu desfecho na sua própria ocorrência. Assim sendo, esse tipo de perspectiva é falível, pois estabelece, para a ação de natureza inventiva, um princípio determinista; por conseguinte, sob a ótica de Arendt, ela é antipolítica, além de ameaçadora à pluralidade humana. Arendt, por outro lado, reforça que o totalitarismo, pela singularidade com que se impôs, não podia ser explicado à luz da história ocidental, mesmo porque, se analisado segundo categorias preconcebidas ou por meio da causalidade, não revelaria a versão fidedigna da realidade de quem a viveu; assim, a causalidade se tornaria tão somente falsificadora das ciências históricas e políticas.

O sentido homérico de história adotado por Arendt permite-lhe voltar ao passado e tentar recuperar o sentido da política, a liberdade, não obstante os “estragos” da tradição. Com o entendimento da cristalização do acontecimento político pelos eventos totalitários, Arendt procura na polis um modelo para pensar a política. A “solução grega” [grifo do autor], como ressalta Esteban Amador:

Foi criar um espaço onde os grandes feitos e palavras dos homens tivessem assegurada a imortalidade. [...] Foi um remédio porque foi fundado um espaço no qual não houvesse necessidade de Homero, uma vez que a função ontológica que ele tinha cumprido para os participantes da guerra de Tróia seria levada a cabo pelo espaço fundado para o aparecimento dos cidadãos. (AMADOR, 2009, p.139).

Quanto a isso, apresentamos uma das tantas críticas que Arendt recebera e recebe de autores contemporâneos quando do seu retorno aos gregos para situar o fenômeno totalitário na lacuna entre o passado e o futuro. Neste caso, o crítico é Gérard Lebrun (1992), um pensador contemporâneo que defende uma posição kantiana. De acordo com suas próprias palavras ao tratar da liberdade segundo Arendt, em Passeios ao léu, ele se sente perturbado diante da proposta de Arendt sobre a autoridade da liberdade e com a sua alternativa quanto à criatividade do novo. Segundo o autor, a aversão de Arendt à ideologia que limita a liberdade à vida privada e reduz a política à proteção de necessidades privadas é, por certo, uma luz que aclara o papel da política, que é o cuidado com o mundo que está em jogo, e não somente a atenção à vida.

Mas sua crítica se estabelece alegando que a filosofia política do espaço público comum, de Arendt, é um contra modelo que rebate perpetuamente o da comunidade moderna. Ora, adverte Lebrun, as nobres palavras de Arendt não contribuem para que a esfera política seja dissociada do interesse econômico, se assim espera Arendt. O que de fato acontece em

discursos políticos hoje, alega Lebrun, é convidar os homens a abandonarem suas inquietações humanas e a procurarem respostas plausíveis e bem estar no âmbito das soluções econômicas.

Lebrun (1992) acrescenta ainda que, além de achar fraca a análise crítica do fenômeno totalitário feita por Arendt, também não percebe quaisquer utilidades quando a pensadora faz referência a um initium fundador [grifo do autor] do espaço político, ao menos fora das ideologias totalitárias. E, pelo fato de Arendt não se perguntar sobre o porquê do racionalismo clássico ser o fundador da desrazão em nosso tempo, ela estava, pelas mesmas razões, absorvida pelo problema, tal como continua envolvido Habermas. Lebrun adverte que:

Dialogar no “espaço público”, pensar em comum e se situar cada um no ponto de vista de todos os outros, esses temas kantianos, retomados por eles, bastam para mostrar que as duas obras têm a mesma fonte. Arendt, como Habermas, não nos faz deixar o terreno do universalismo e dos filósofos do sujeito ampliado. Os dois são epígonos do “grande racionalismo”. (LEBRUN, 1992, p. 58-59).

Desse modo, Lebrun (1992) alerta que, tanto Arendt quanto o próprio Habermas, ao discutirem o espaço comum a partir de temas kantianos, não fogem da mesma fonte. O legado arendtiano estaria incorrendo numa impotência, ao entrever uma pluralidade sem entraves na comunicação, um ideal próprio da razão, contudo, anacrônico, reforça Lebrun.

É notável a envergadura crítica de Lebrun. Por esta e outras razões, não desmerecemos em momento algum a profundidade das palavras de Lebrun, acreditando que nem mesmo Arendt o faria. Entretanto, queremos, a partir delas, apresentar a perspectiva da nossa análise e reforçar a lucidez da apropriação arendtiana de Kant, sobretudo os seus aspectos estéticos para o sentido da política, como entende Arendt. Para tanto, apoiar-nos-emos nos esclarecimentos já tratados até aqui, sobretudo em Norberto Bobbio e Esteban Amador.

Primeiramente, lembramos o leitor da própria ressalva de Bobbio (2000), no tópico deste trabalho, A novidade totalitária e seus desdobramentos, que esclarece sobre o problema da extensão do conceito de totalitarismo ser tratado por Arendt com importante cuidado, isto é, a pensadora o fez delimitando o campo da sua aplicação. Quanto à questão da liberdade, Arendt concordaria com Lebrun sobre o seu aspecto problemático relativamente a certos assuntos, visto que o próprio enigma da liberdade tem raízes nas grandes questões metafísicas tradicionais. Entretanto, na vida cotidiana, a ligação da liberdade com o âmbito político sempre foi reconhecido. Sem a liberdade, as questões políticas não poderiam, ao menos sequer, serem tratadas. Tanto a ação política quanto a própria política, no estrito sentido

público da aparição, na polis, dentre todas as capacidades humanas, não poderiam ser admitidas fora do reino da liberdade. Arendt lembra, no texto Que é liberdade?, em EPF, que:

Tomamos inicialmente consciência da liberdade ou de seu contrário em nosso relacionamento com outros, e não no relacionamento com nós mesmos. Antes que se tornasse um atributo do pensamento ou uma qualidade da vontade, a liberdade era entendida como o estado do homem livre, que o capacitava a se mover, a se afastar de casa, e sair para o mundo e a se encontrar com outras pessoas em palavras e ações. (ARENDT, 2005, p. 194).

Percebemos, nessas palavras de Arendt, que o homem nada saberia de uma liberdade interior se não tivesse experimentado a condição de desfrutar da liberdade política. Certamente, a liberdade poderia habitar o coração do homem, mas, como Arendt pontua, o coração do homem é um lugar sombrio, e, invariavelmente, aquilo que está obscuro não pode ser demonstrável. Embora a própria vontade permita que os seres humanos sejam espontâneos e a manifestação de espontaneidade seja elementar para a liberdade humana, a referida liberdade política, todavia, não se guia automaticamente pelos atos de liberação ou de vontade livre próprios à vida privada. Tampouco a liberdade ocorreria sem um âmbito público organizado politicamente, da possibilidade de agir em conjunto. Basta-nos lembrar do que foi o totalitarismo e da sua pretensão de submeter todas as esferas da vida às exigências da política, a exemplo dos direitos civis, no tocante à intimidade e à isenção da política.

Descartaremos delongas acerca da genealogia da liberdade [grifo nosso] proposta por Arendt. Contudo, até aqui, pudemos perceber que a liberdade, no sentido político arendtiano, não é um fenômeno da vontade, mas está ligada à própria ação política. Além de liberdade coincidir com espaço público, ela se constitui tão somente por meio de um dispositivo coletivo que transcenda a dimensão do agir.

Assim sendo, Esteban Amador (2009) reforça que a “solução grega” mostra que poderíamos compreender mal a filosofia política de Arendt ao confundirmos o público e o político. O que é, de fato, tal distinção e sua implicação no initium fundador, como critica Lebrun, é, na filosofia política arendtiana, um núcleo problemático. Já reforçamos que Arendt entrevê uma comunidade política que praticasse um juízo político aos moldes da comparação com o juízo estético kantiano. O tratamento da filosofia política de Arendt, sem essa prudência, é inadequado, e, como bem acrescenta Esteban Amador: “Pode até permanecer oculto que o dispositivo ontológico-político que Arendt coloca em jogo é mais complexo que a prática pluralista de uma subjetividade mundana.” (AMADOR, 2009, p.145). Esse autor

lembra assim que, no âmbito político, o que acontece é ontologicamente mais profundo que as noções de subjetividade, mundaneidade e subjetividade.

Decorrida essa discussão, apresentamos outro ponto de divergência de Arendt em relação a Kant, ou seja, a filosofia prática kantiana está orientada para um sentido histórico que encontra a sua realização em princípios racionais, além de ressaltar a questão da vontade, e não a do juízo. O juízo teleológico julga os acontecimentos históricos particulares pela astúcia secreta da natureza, e não pelo que eles revelam em sua particularidade e em sua aparição. No tocante à preocupação arendtiana, eminentemente política, a faculdade do agente político, pela própria especificidade da contingência e pela imprevisibilidade que configuram o evento político, deve ser a do juízo, pois ele é a nossa capacidade de lidar com o passado e de vislumbrar uma espécie de promessa para o futuro. Ao contrário, a vontade, da segunda Crítica, segue as máximas da razão, e, sobretudo, remete à incondicionalidade do imperativo categórico kantiano para fundamentar a teleologia histórica.

Assim, Arendt percebe que a diferença mais elementar entre a CRPr e a CFJ é que as leis morais da primeira são válidas e reconhecidas, como já mencionamos, para todos os seres racionais, e são passíveis de aplicação em qualquer mundo pensável. No caso da segunda, a CFJ, a legitimidade de suas regras e de seus juízos está estritamente circunscrita aos seres humanos aqui na Terra, e, por uma razão análoga, Arendt se interessa pela terceira Crítica, especificamente porque o seu juízo estético reflexivo pode ser concebido sob um prisma político. A razão dessa analogia é que o juízo estético reflexivo lida com o contingente, com o singular como singular, e, sobretudo, pressupõe a presença dos outros.

No “espetáculo político”, percebe-se que existem os atores e os espectadores. Assim, o intuito de Arendt é destacar a posição privilegiada do espectador, pelo fato de ser portador do juízo estético, situação à qual não está sujeito o protagonista dos acontecimentos históricos. Essa posição dos espectadores permite que eles possam subsumir, isto é, julgar os eventos particulares no tecido universal da história. Assim sendo, é o espectador, ao julgar, e não o ator, quem terá uma posição de excelência, uma vez que pode contemplar e elaborar seu juízo desinteressadamente. Desse modo, percebe-se uma analogia entre o juízo político e o juízo reflexionante no tocante ao desinteresse, visto que o juízo estético de reflexão desvincula-se de todo e qualquer interesse cognitivo em função da manifestação fenomênica.

Nota-se também uma originalidade na análise que Arendt faz sobre a relação entre ator e espectador, em Lições, sobretudo a referente à posição de Kant perante a Revolução Francesa, evento que repercute de forma incisiva nas reflexões do filósofo e que se mostra relevante para a apropriação arendtiana. A interpretação e a crítica arendtiana remetem ao que

se pode denominar como a problemática de dois juízos no campo da política, isto é, de um lado, o juízo do espectador alude aos juízos relativos ao passado ou até mesmo a uma ação do presente, da qual ele não participa. Nesse juízo, não se observa qualquer implicação que se traduza em consequências práticas, mesmo porque a posição desinteressada do espectador e, consequentemente, sua judicidade sobre um evento está atrelada ao que se pode esperar futuramente dele. De outro lado, o juízo do ator está relacionado ao presente e ao futuro da ação, tal como se observa na consideração de Helfenstein: “Já a posição do ator, do agente, tendo em vista o seu envolvimento no evento, implica que seu juízo ‘deve’ ser guiado por