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Glossário de Siglas

DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DE ESTUDO

2. NOTAS SOBRE O POSICIONAMENTO NA SOCIOLOGIA

Sem desvirtuar outras etapas na produção do conhecimento científico em sociologia, a reflexão sobre a escolha do enfoque teórico assume uma importância acrescida. Molda o olhar com que se compreende a realidade social, condicionando de forma indelével os momentos subsequentes da investigação. A isto se chama o primado da função de comando da teoria discutido por autores como Pinto (1984a, 1985) ou Almeida e Pinto (2001).

O facto de se salientar a importância desta fase da investigação tem por objectivo deixar de uma forma explícita a consciência crítica com que as opções teóricas foram tomadas, tendo havido uma ponderação constante das implicações que decorrem para a concretização da pesquisa, como também para o capital científico já existente. Por outras palavras, tem-se uma especial atenção àquilo que têm sido argumentos na sociologia a nível internacional (e.g. Turner, 2001) sobre o estado da teoria sociológica e que acabam por se transpor para o debate nacional (e.g. Costa, 1999; Pires, 2007). Neste trabalho, partilha-se, por isso, as preocupações dos efeitos perversos quanto à balcanização das teorias sociológicas para a cumulatividade do conhecimento científico. Ultrapassando a mera retórica discursiva, pretende-se evitar um posicionamento depreciativo face ao capital científico fornecido pelas diferentes perspectivas, valorizando os contributos e avanços teóricos que conduziram ao actual estado da reflexão sociológica.

Como se percebe, o problema equacionado prende-se com a condição pluriparadigmática da sociologia (Silva, 2006). A forma encontrada para lidar com a multiplicidade teórica existente, para, deste modo, chegar a um instrumento conceptual o mais sustentado possível na compreensão dos processos empíricos em causa, teve como pressuposto a potencialidade dos procedimentos comparativos entre teorias (cf. Guibentif, 2007). Deu-se, por isso, uma especial atenção à necessidade de autonomizar a construção conceptual, procurando por via do mecanismo da comparação, uma síntese conceptual capaz de compreender a realidade empírica segundo diferentes ofertas intelectuais já sustentadas.

Obviamente que se fizeram escolhas teóricas e de autores, apontando, quando necessário, limitações e revisões a contributos já existentes para o objectivo aqui presente.

À ciência em geral e à sociologia em particular não interessa uma passividade ou acriticismo na utilização dos conceitos teóricos, embora o criticismo e a reflexividade da prática científica não tenham que legitimar uma postura de redução da sua pluralidade. Aliás, é na existência específica destas escolhas que se encontra o interesse da sociologia, permitindo que no mesmo tempo e no mesmo espaço, os mesmos fenómenos sociais sejam perspectivados por diferentes ângulos de análise. Não se pode, por isso, pressupor que essas escolhas não tenham envolvido um processo crítico e reflexivo sobre os contributos que num dado momento e para um dado contexto pareceram mais adequados. Haverá, por certo, outras formas de analisar este fenómeno, pelo que a avaliação da adequação das escolhas teóricas tem de ter em conta aquilo que constitui uma escolha individual cientificamente orientada. Afinal, não é nestes termos que também se pode falar na postura reflexiva que Bourdieu (1989, 1992) discute nas ciências sociais?5

O posicionamento teórico pretendido neste trabalho encontra-se bem expresso, por exemplo, numa comunicação de Freidson (2006) entoada em registo de balanço à sua obra conceptual construída nos últimos 40 anos. Em Pourquoi je suis aussi un interactionniste

symbolique, percebe-se que o seu objectivo é transmitir a crença epistemológica naquilo

que designa por eclectismo teórico. Demarca-se de perspectivas que, em sua opinião, contribuem para a reificação de espaços científicos, como se a teoria sociológica fosse impossível de ser compatibilizada nas suas diferentes abordagens.6 Além disso, Freidson alerta para a excessiva simplificação que a categorização de espaços científicos pode

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Robbins (2007), num trabalho de sistematização da obra de Pierre Bourdieu, considera que fica expresso desde os seus contributos mais antigos (e.g. Sociologie de l‟Algérie de 1958) que as ciências sociais não representam realidades objectivas das relações sociais, mas antes representações de realidades sociais. O que isto significa é que sendo a sociologia uma ciência reflexiva, a sua actividade fica intimamente marcada por quem a desenvolve. Nessa medida, respeita formas de objectivação de modos subjectivos cientificamente orientados de interpretação da realidade social. Contrariamente ao que Leibniz afirma, Bourdieu (1989: 23) considera não ser possível confiar numa leitura positivista dos automatismos do pensamento, como se a interpretação humana conseguisse obter uma leitura cega dos símbolos que interpreta. Retenha-se então o seu argumento: “O habitus científico é uma regra feita homem ou, melhor, um modus operandi

científico (…): espécie de jogo científico que faz com que se faça o que é preciso fazer no momento próprio, sem ter havido necessidade de tematizar o que havia que fazer, e menos ainda a regra que permite gerar a conduta adequada. O sociólogo que procura transmitir um habitus científico parece-se mais com um treinador desportivo de alto nível do que com um professor da Sorbonne.” 6

Utiliza-se o termo de reificação no sentido discutido por Giddens (1984), que na análise dos fenómenos sociais tende-se a sobrevalorizar as propriedades estruturais com a rigidez própria das leis da natureza, o que acaba por ignorar o papel da agência humana na mudança do seu curso.

implicar, afirmando que, não obstante considerar-se um interaccionista simbólico, não deixa igualmente de ser, em diferentes ocasiões, weberiano, marxista, funcionalista ou apenas um narrador.7

O que esta ideia traduz é que abordar a realidade social sob uma perspectiva não anula a existência de um conjunto de outras tantas que não deixam de ter validade apenas por não serem referenciadas. A complexidade intrínseca à realidade social não permite, por isso, um qualquer projecto científico que se proponha a conhecê-la em toda a sua envergadura. A primeira compartimentação é, desde logo, feita ao nível dos campos disciplinares. Neste caso, trabalha-se no interior do raciocínio sociológico segundo as suas premissas, procedendo-se às restantes delimitações no interior desse campo científico. É importante perceber que estas delimitações, primeiro científicas, e depois teóricas, não têm subjacente uma ideia de redução da realidade social a esse discurso, nem tão pouco podem ser vistas como desagregações de processos empíricos que são interdependentes. O que estas escolhas traduzem então é a perspectivação da realidade social.

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3. UMA ANÁLISE SISTÉMICA DAS RELAÇÕES PROFISSIONAIS NUM