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Glossário de Siglas

CONSTRUÇÃO ANALÍTICA DE UM OLHAR SOBRE AS PROFISSÕES DE SAÚDE

5. UMA ABORDAGEM DAS PROFISSÕES PELA ACÇÃO REFLEXIVA

Tendo em conta o que se disse sobre o posicionamento em relação ao capital teórico característico na sociologia das profissões, são tomadas opções conceptuais sobre a estrutura e a acção que abrem a teorização das profissões a outros domínios conceptuais. A preocupação é evitar cair em qualquer tipo de reificação dos comportamentos individuais: nem os médicos discordam necessariamente dos gestores apenas por serem médicos, nem os gestores procuram constranger a actividade médica apenas pelo que o poder médico representa face ao controlo administrativo. Estas são relações de uma natureza bem mais complexa e, por isso, dificilmente compreendidas por qualquer perspectiva de pendor institucional dado que a sua base ancora naquilo que é a contingencialidade individual. Como Lahire (2005) refere, a sociologia não pode procurar na complexidade do real modos puros de agir e de ver por parte dos indivíduos, supostamente garantidos pela partilha de semelhantes condições objectivas e relacionais.

Figura 2.1. – Modelo analítico da acção profissional

Partindo de uma leitura sistémica centrada no nível individual (cf. Crozier e Friedberg, 1977), conceptualiza-se o indivíduo como agente. Isto significa que se entende o desempenho dos papéis sociais num dado contexto como uma síntese constituída por

regras associadas ao desempenho desses papéis, por interesses pessoais, por influências passadas e por percepções que os agentes detêm sobre si, como também têm sobre os papéis desempenhados e sobre os agentes com quem se relacionam.37

Em termos analíticos, deixa-se o curso da acção em aberto, não inclinando à partida para o estruturalismo da acção individual, mas não deixando de reconhecer a existência de estruturas sociais externas e anteriores que limitam os horizontes das possibilidades individuais. Afinal, a capacidade de introdução de mudanças nas estruturas sociais não é uniformemente distribuída no espaço social. Depende dos lugares ocupados e dos tipos de recursos detidos (Crozier e Friedberg 1977; Mouzelis 1991; Elias; 1993; Boudon e Bourricaud, 2004).

Contudo, ter o poder para incidir sobre a estrutura não significa que se queira fazê- lo. Por isso, contextos de reprodução social não traduzem a ausência ou erradicação da individualidade. A reprodução social é compatível com a existência de processos cognitivos avaliativos em relação às estruturas (“é melhor eu não mudar”), daí o argumento sobre a necessidade de conhecer os sentidos que são individualmente atribuídos à acção. A mudança, além de depender dos lugares sociais ocupados, depende de como a agência interpreta esses lugares e os objectivos associados ao desempenho desses papéis sociais. Por outras palavras: dota-se o agente de inteligibilidade (Pires, 2000).

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O debate actual na teoria sociológica sobre a designação actor e agente é muito sensível, por envolver entendimentos conceptuais distintos. Segundo Pires (2007: 38), a agência respeita “o

indivíduo socialmente constituído, na totalidade das suas determinações”, pelo que “o desempenho dos papéis é condicionado não só pelos sistemas de regras que os especificam como também pelas intersecções presentes e passadas (…) de diferentes tipos de papéis, bem como pelas posições sociais ocupadas pelos agentes, as quais condicionam as possibilidades diferenciais de exercício daqueles papéis.” A opção pela agência afigura-se determinante para perceber a

reflexividade, sendo este um ponto de diferença em relação à noção de actor veiculada por Crozier e Friedberg (1977). Tendo em mente o óbvio desfasamento temporal em relação ao contributo desses autores, a sua importante teorização de conexão macro-micro através da acção estratégica ocorrida no interior de sistemas de acção concretos faz-se considerando, sobretudo, os mecanismos presentes que, tanto constrangem, como expandem as possibilidades de acção dos actores. De facto, e embora se tenha visto logo no início deste trabalho – nota de rodapé 15 – que Crozier e Frieberg argumentam que a estratégia é compatível com a não consciência, o que permite considerar uma dimensão passada de aprendizagens que se rotinizam (tornam-se “naturais” ou “normais” e por isso não conscientes), além das regras presentes, a sua teorização está muito mais centrada na contingencialidade das relações presentes do que na sua articulação sistemática com a construção reflexiva do self.

Um aspecto fundamental nesta ideia é que não está a ser posta em causa a existência de padrões de comportamento resultantes de pressões estruturais externas, nem tão pouco se está a remeter a acção individual a uma mera componente individualista. Como se pode observar na esquematização apresentada, segue-se o princípio do dualismo da estrutura (Archer, 1995), onde se definem, prévia e externamente, os espaços de acção permitidos que, por via da comunicação e interacção, se ligam com quem os perpetua.38

Não esquecendo que um dos pressupostos teóricos centrais deste trabalho relaciona- se com o não fechamento dos campos científicos nos seus objectos empíricos, há no entanto que considerar um conjunto mais específico de dimensões estruturais que, conceptualmente, se afiguram como mais pertinentes para a análise da acção profissional. É sob dois mecanismos que se garante esse não fechamento dos comportamentos em contexto profissional nas profissões: por um lado, a própria natureza das dimensões estruturais consideradas que, como se irá discutir, envolvem processos específicos à vida profissional e outros de natureza política mais alargada; por outro lado, a inclusão das socializações pessoais (além das profissionais) na base da construção da reflexividade, dando conta de processos sociais mais amplos, prévios e paralelos às influências próprias dos processos de trabalho.

Dito isto, o sistema concreto de acção em discussão é definido por três níveis estruturais distintos: um macrossistema de influência supranacional, onde emergem ideologias sobre o significado da actividade pública e, consequentemente, sobre a função da NGP; um nível organizacional onde essa ideologia se materializa em orientações e regras, dependendo das contingências próprias de cada organização, mas também de outros sistemas nacionais, como o sistema político e financeiro;39 e, um nível das jurisdições profissionais, isto é, os espaços de acção e de responsabilidade de cada profissão.40 Autores

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O princípio do dualismo da estrutura baseia-se na relação causal entre estrutura e acção, contrariando a ligação recursiva pressuposta pela dualidade da estrutura (Giddens, 1984, 2000a). Archer analisa as estruturas existentes previamente à acção, delimitando os espaços em que ocorrem as interacções sociais, de acordo com a perspectiva realista. Nesta, o estatuto ontológico do mundo social difere do mundo natural, em primeiro lugar, porque as estruturas sociais apenas existem com as acções que elas estruturam, em segundo lugar, porque as estruturas sociais existem em função do entendimento que os indivíduos têm sobre elas, e em terceiro lugar porque as estruturas sociais não são imutáveis (Bhaskar, 1979).

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Aqui contempla-se, por exemplo, a noção de contexto discutida por Caria (2005).

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De fora desta delimitação analítica ficaram os lugares ocupados na estrutura interna das profissões. Não é que se desconsidere a sua relevância nas relações profissionais em contexto

como Freidson (1994, 2001), ou mais recentemente Champy (2009), referem que estes espaços detidos pelas profissões podem advir de dois processos: tanto como o resultado de atribuições sociais externas à profissão, devido à função social que desempenha, como dos processos corporativos de fechamento e de conquista.41

Pensando no caso concreto dos espaços de acção da profissão médica, Schraiber (2008) considera necessário incluir não só a dimensão do saber, como também a dimensão do trabalho. Sem contestar o papel do saber como elemento estruturador e diferenciador da medicina enquanto profissão, é hoje impossível ignorar as estruturas próprias do mundo do trabalho para compreender (e.g. organização social da produção dos serviços assistenciais e o mercado profissional). O desempenho de uma profissão, como qualquer outro trabalho assalariado, isto é, uma actividade remunerada dependente de uma entidade empregadora, envolve processos de sujeição e de aceitação às suas regras constituintes. A sujeição garante a previsibilidade, imprescindível a qualquer organização complexa de tipo burocrático (cf. Weber, 1983). A aceitação, por sua vez, prende-se com a necessidade financeira, social e mesmo emocional que os indivíduos no contexto das sociedades capitalistas modernas têm de desempenhar uma profissão, ou seja, a vontade de se sujeitarem a essas regras. Existem assim contextos mais específicos à profissão e outros

hospitalar. Aliás, essa dimensão será convocada nos capítulos referentes aos processos empíricos analisados, sobretudo quando se trata da influência exercida pelos directores de serviço. A sua não inclusão neste ponto de reflexão prendeu-se com a necessidade de garantir um espaço de abertura àquilo que habitualmente é tomado como a principal variável explicativa dos comportamentos individuais. A questão pode ter pertinência para outros contextos que não envolvam a profissão médica, contudo, o resultado das análises empíricas demonstrou que os lugares da estrutura da carreira médica (especialista, especialista graduado e chefe de serviço) acabam por não ser a variável fundamental na estruturação das dinâmicas hospitalar. A entrada na profissão (após realizado o exame de especialidade de inscrição na Ordem) e a discricionariedade envolvida nesse acesso garante por si só espaços alargados de autonomia a estes profissionais. Por isso, a questão não deve ser posta em termos do lugar formal ocupado, pois, sobretudo, na relação com outras profissões, o estatuto mobilizado é o da profissão e não o da categoria profissional. Neste sentido, e como argumentado anteriormente, mais do que fazer depender os comportamentos do lugar ocupado, a explicação das acções reside dos processos apresentados na esquematização.

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mais amplos decorrentes dos processos sociais nos quais as profissões ocupam um determinado espaço e função, cada um com as suas estruturas e regras específicas.42

Olhando especificamente para as regras que estruturam a actividade profissional, não se circunscrevem a uma única fonte ou natureza. Podem ser definidas pela entidade empregadora (regras organizacionais), como por uma chefia em particular (regras de um serviço/departamento), pela própria profissão (código deontológico), ou mesmo regras sociais de convivência e respeito institucional. Todas elas podem assumir um carácter formal ou informal, dependendo do curso das interacções sociais concretas.

Um outro argumento facilmente compreensível é que quanto menor for a vertente liberal da profissão mais intensa se torna a sujeição a regras e mais se sente a estruturação exercida por diferentes intervenientes. Pelo contrário, quanto maior for a componente liberal do trabalho maior é a fuga a um tipo de controlo mais directo por parte da organização onde se desempenha a actividade. Neste sentido, a pertença a uma qualquer profissão (incluindo a medicina, mesmo com a sua dupla condição tecnológica e liberal, isto é, assalariada e privada), compreende a aceitação e sujeição a uma ordem social composta por todo um conjunto de regras transversais à sociedade; outras de natureza específica à profissão; e ainda outras decorrentes da organização onde se trabalha. A questão é que o sistema de regras sociais que organiza e coordena as interacções profissionais é de natureza mais ou menos intensa, tácita, informal, como também

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É também neste sentido que se pode compreender o trabalho de Carapinheiro (1993) sobre a análise da profissão médica em contexto hospitalar. A autora convoca a dimensão do poder médico decorrente dos saberes socialmente produzidos em contextos específicos de interacção com outros saberes profissionais e leigos.

sancionadora (Giddens, 1984; Burns e Flam, 2000), não havendo forma de procurar modos únicos de agir perante as estruturas organizacionais.43

Aplicando esta mesma base dos sistemas abertos às próprias relações intra- profissionais, deve-se conceptualizar a possibilidade de divergência e contradição da acção mesmo no interior de campos profissionais relativamente estáveis e homogéneos. Para Crozier e Friedberg (1977), o elemento aglutinador capaz de perpetuar um sistema desta natureza, ou seja, de tendencial estabilidade mesmo sem mecanismos internos de controlo e de dominação suficientemente formalizados para assegurar a reprodução das regras definidoras das profissões, é a partilha de uma dimensão ética individualmente reconhecida. Por outras palavras, trata-se da solidariedade social que Durkheim (1977) refere existir com a divisão do trabalho.

Posto isto, as profissões podem ser claramente assumidas como instituições (Burns e Flam, 2000), por respeitarem tais sistemas de regras sociais próprias não necessariamente extensíveis a outras profissões: por exemplo, aquilo que Freidson (1970) designa por

“mentalidade clínica” como sendo todo um conjunto de regras e racionalidades

específicas à medicina. Em cada um desses sistemas sociais existem relações, regras e comportamentos esperados, portanto, lógicas que organizam e coordenam as interacções

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Nas leituras efectuadas de aprofundamento a esta discussão ficou-se com a noção que parte do pensamento de Giddens, sobretudo em The Constitution of Society (1984), acaba por ser relegada para um plano algo periférico na reflexão em torno da teoria sociológica em Portugal. Talvez se possa justificar com a centralidade que o raciocínio de Pierre Bourdieu assume. Em todo o caso, num ponto mais adiante discute-se as possibilidades de articulação entre as formulações destes dois autores, sobretudo na ideia que o habitus e a reflexividade não respeitam necessariamente diferentes entendimentos epistemológicos sobre a acção e estrutura. Deste modo, embora Bourdieu tenha adquirido uma enorme centralidade nas teorias sociológicas contemporâneas, os contributos de Giddens sobre os processos constituintes da acção não devem ser menosprezados. Como se pode observar na perspectiva dos sistemas de regras sociais de Burns e Flam (2000), apesar de os autores identificarem alguns contrastes com a perspectiva de Giddens, destacam a pertinência de algumas das suas premissas: “o quadro teórico partilha várias características das contribuições

metateóricas e ontológicas de Giddens (1976, 1984): o conceito de agentes conhecedores, o seu empenho activo em processos normativos e na reprodução e transformação da estrutura social, a dualidade da estrutura, a natureza recursiva da actividade humana, as consequências não pretendidas da actividade humana, entre outras.” (p. 329)

entre os agentes sociais, mesmo sem uma existência formal e comum entre os membros pertencentes a esse sistema. 44

Contudo, e como já foi sendo afirmado, não é somente pela componente estrutural que se analisam as profissões, considerando também a componente da acção. Atendendo às palavras de Schraiber (2008), o trabalho quotidiano ao inserir-se nas configurações mais gerais do mundo do trabalho, não deixa de ter uma existência singularizada. Está em causa um processo que resulta da ligação entre os intervenientes de diferentes estruturas, cada uma delas apresentando as respectivas regras, e o modo como esses intervenientes percebem o seu lugar e o lugar dos outros nesses espaços onde as interacções sociais têm lugar. Daí a ideia de a articulação sistémica entre o sistema e o actor está intrinsecamente aberta à acção individual (Crozier e Friedberg, 1977). Para os autores, o argumento é que simplesmente se torna impossível conceptualizar o nível institucional sem se saber como o “jogo” é individualmente jogado.

Fundamentalmente, o que está em causa é a premissa que a ordem social, sendo tanto interna como externa – dupla vertente referida já por Durkheim (1887a, apud. Alexander, 1986) – constitui um aspecto central, já que permite uma leitura da acção individual variavelmente constrangida pela ordem oriunda de certos campos sociais. Isto traduz-se na impossibilidade de procurar num qualquer grupo social formas inequívocas de respeito pela ordem social, sabendo, à partida, que a primeira condição para essa maior variabilidade de comportamentos depende dos recursos de poder detidos socialmente pelo grupo e individualmente por cada membro desse grupo.

Neste sentido, olhando para a profissão médica, a eficácia do controlo e dominação interna tende apenas a existir entre categorias da carreira médica muito díspares na estrutura profissional (sobretudo entre internos e especialistas), esbatendo-se na relação

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Importa dizer que, apesar de se seguir problematizações não inteiramente coincidentes, encontram-se similitudes entre os pressupostos e interrogações do modelo teórico de Burns e Flam (2000) com alguns dos argumentos que aqui são equacionados para a análise dos comportamentos profissionais. Por exemplo, enquanto nesta investigação se dá uma especial atenção ao conceito de reflexividade, nos seus contributos esse conceito surge com uma frequência mais pontual. Isso não significa que os autores não se refiram à reflexividade, até porque se baseiam nos argumentos de Margaret Archer, autora incontornável a esse respeito. No entanto, é mais comum ver-se no seu trabalho a referência a noções como “regras explícitas”, “interesses particulares”, “interpretações” ou “criação” que, na sua essência, confluem com a delimitação que aqui se procura sobre a reflexividade.

quotidiana inter-pares.45 Percebe-se, por isso, em que medida a inclusão daquela dimensão ética/solidária explica a agregação de indivíduos quando, estruturalmente, existem condições para que a diferenciação da acção individual possa pôr em causa a ordem social desse sistema.

Outra forma de entender esta ligação diz respeito à função social desempenhada pelos sistemas simbólicos (Bourdieu, 1989). A partilha de símbolos actua como mecanismo de integração, ao sujeitar os indivíduos a um conhecimento comum por intermédio da comunicação. As ideologias são produzidas, quer por via do grupo (profissão médica ou um determinado serviço), quer por via de quem (agente) os produz num determinado campo. Ora, o poder decorrente dos sistemas simbólicos, criados e definidores de um determinado campo, apenas existe por intermédio da sua mobilização pelas partes integrantes numa relação não ilusória mas determinada a cada contexto em particular (Id.; Ibid.)

Olhando para o nível grupal (ou de classe), o sistema simbólico responsável pela dominação exercida pela medicina – não apenas na organização hospitalar, como nos diversos espaços sociais – ancora-se no conhecimento (expertise) detido e mantido sob monopólio. A função social deste fechamento individualmente percepcionado e que garante a relativa estabilidade da profissão no tempo e espaço é a ética de orientação para o doente. Argumento semelhante pode-se aplicar à gestão hospitalar. A profissão apresenta uma reduzida diferenciação interna, em parte, devido ao seu acesso ser apenas feito após a formação superior, não existindo mecanismos formais internos de controlo e padronização

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De forma sintética, o internato surge como uma fase intermédia na formação médica. Os “internos” já não são designados como “alunos” – aqueles que ainda estão na fase educativa das faculdades –, mas também ainda não assumiram o estatuto de “médico” – denominação utilizada após o exame de acesso a uma especialidade na Ordem dos Médicos. Revela ser uma fase híbrida, dado que para outros profissionais (e.g. enfermeiros ou gestores) é comum ouvir-se a designação de “doutor” para se dirigirem a um interno, estatuto que não se aplica na relação com os membros mais velhos da profissão. De facto, é uma regularidade que os “médicos”, isto é, os especialistas se refiram aos internos como “interno do ano X”, e os internos se refiram aos especialistas como “doutores”. Entre os especialistas, os mais novos continuam habitualmente a referir-se aos seus antigos “tutores” (especialista responsável pelo interno) por “doutor”, salvo em situações de amizade ou proximidade pessoal. Entre especialistas com uma relativa proximidade etária foi mais habitual ser usado o nome próprio (notas do diário de campo).

dos seus comportamentos.46 O reconhecimento social atribuído ao conhecimento detido por esta profissão baseia-se na sua função social e ética em torno da gestão do bem público para o benefício do doente.

Considerando que a ordem social não contradiz a contingência da acção individual, nem o contrário, e compreendendo que esta última tanto assume uma componente interpretativa como estratégica (Alexander, 1988), parte-se do princípio que estes sistemas simbólicos, além de estruturadores são também estruturados pelos indivíduos que os partilham. É neste quadro de referenciação que importa equacionar o interesse, consciente ou não, de respeito pelas regras do funcionamento da profissão ou mesmo da organização onde se trabalha. É por isso que na esquematização apresentada o nível da estrutura está situado não só numa fase precedente e externa à agência, delimitando os seus espaços de acção, como numa segunda fase, é situado incorporando a reflexividade individual do

agente. Simplificando, com base em Bourdieu (2001, 2002), define-se uma dupla vertente

das estruturas: uma externa e anterior ao indivíduo e outra individualmente internalizada.47 Deste modo, a realidade social torna-se também objectivada individualmente (Boudon, 2003), dado que os comportamentos, enquanto manifestação de exteriorizações individuais de interioridades, decorrem de um processo prévio de internalização da exterioridade. Esta internalização envolve, como se vê, capacidades reflexivas construídas numa articulação entre influências, quer sociais quer profissionais, e interesses e expectativas.

Por reflexividade entende-se o exercício cognitivo realizado quotidianamente pelos indivíduos, assumindo o papel de definir e situar os contextos sociais exteriores que os envolvem (Archer, 2007), pois na base está a capacidade destes pensarem na existência das entidades “eu”, “nós” e “eles” (Elias, 1993). Por reflexividade entende-se a mediação entre

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Inicialmente, através de cursos pós graduados leccionados pela Escola Nacional de Saúde Pública. Nos anos mais recentes outras instituições de ensino formalizaram mestrados em administração hospitalar (Entrevista exploratória a Administrador Hospitalar).

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Tanto no seu trabalho mais recente, como em reflexões anteriores Schraiber (2008) apresenta uma conceptualização muito semelhante da acção profissional dos médicos. A este nível da relação