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2. REVISÃO DE LITERATURA

2.4. VIOLÊNCIA SEXUAL NO BRASIL

2.4.1. Notificações de violência sexual no Brasil

O tema da violência sexual, reiteradas vezes é invisibilizado, seja pela vítima ou sua família que têm medo de expor o caso, seja pelos profissionais vinculados ao cuidado e proteção das pessoas que não enxergam os sinais da violência sexual velados ou seja pela sociedade que omite a discussão do tema. Portanto, romper com o silêncio sobre a temática é uma questão importante para dar notoriedade ao problema e permitir o seu enfrentamento. No Brasil, as violências têm tido uma maior notoriedade com a mudança do perfil de morbimortalidade da população. E especificamente a visibilidade da violência sexual se iniciou na década de 1980 como descreve Lima (2018):

Na década de 1980, a questão do abuso sexual familiar foi se tornando pública no Brasil por meio de campanhas isoladas, desenvolvidas por delegacias de mulheres e instituições de proteção à infância e adolescência. Entretanto, somente no final da mesma década é que o fenômeno do abuso sexual se tornou uma questão relevante, evidenciada em pesquisas realizadas por feministas e especialistas na área de proteção infanto-juvenil, que a tomaram como objeto de denúncia, mobilização para sua superação e de investigação. O problema em pauta começou a ser tratado no país concomitantemente à violência contra a mulher e ao problema das crianças em situação de rua. Desse modo, a violência sexual passou a compor a agenda dos direitos humanos como uma das bandeiras de luta do movimento feminista (LIMA, p.39, 2018)

Como detalhado nos capítulos anteriores, no Brasil a legislação para enfrentamento da violência sexual tomou corpo no início de 1990. E um dos mecanismos utilizados para o enfrentamento da violência sexual foi a instituição da notificação dos casos suspeitos e confirmados. Dentre as legislações destacam-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei nº 8.069/1990 que torna obrigatória a notificação de casos suspeitos ou

confirmados de violência contra crianças e adolescentes aos Conselhos Tutelares e autoridades competentes (Delegacias de Proteção da Criança e do Adolescente e Ministério Público da localidade) (VELOSO et al., 2013). Nesta perspectiva, pioneiramente o município do Rio de Janeiro, em 1996, implantou a ficha de notificação compulsória padronizada nos serviços de atenção e proteção à infância e adolescência. Em 1999, o estado do Rio de Janeiro também adota este tipo de notificação. E somente em 2001, através da Portaria n°1.968/2001, é que o Ministério da Saúde adota nacionalmente a ficha de notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes atendidos pelos Sistema Único de Saúde (SUS) às autoridades competentes. Portanto, o primeiro grupo no Brasil a ter registros sistematizados de casos de violência sexual foram em crianças e adolescentes (LIMA, 2018).

Posteriormente, o Decreto-Lei n° 5.099/2004, regulamentou a Lei n° 10.778/2003, que instituiu o serviço de notificação compulsória de violência contra a mulher nos serviços de saúde públicos e privados, e o artigo 19 da Lei n° 10.741/2003 que prevê que os casos de suspeita ou confirmação de maus tratos contra idoso atendidos em serviços de saúde são de notificação obrigatória (BRASIL, 2010). A partir de então, o Ministério da Saúde vem buscando desenvolver e aperfeiçoar o monitoramento das violências, dentre elas, a violência sexual, através da fichas de notificações. Até 2006 as informações sobre a violência sexual para a população nacional eram extraídas do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), Sistema de Informação Hospitalar do SUS (SIH/SUS) e dos boletins policiais.

Em 2006 ocorreu a implantação do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), ampliando assim a quantidade de informações sobre todas as violências e ciclos de vida. O VIVA atende a Política Nacional de Redução de Morbimortalidade de Acidentes e Violências (PNRMAV), quanto a diretriz do monitoramento da ocorrência de acidentes e violências. A PNRMAV preconiza a melhoria das informações através de registro nacional padronizado e de coleta contínua, possibilitando estudos para elaboração de estratégias de ação para prevenção e combate de acidentes e violências nos diversos segmentos populacionais (BRASIL, 2001). Em 2009 a notificação de violências foi inserida no Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN) colaborando com a expansão do VIVA e garantindo a sustentabilidade das notificações da violência. Em 2014, através da Portaria n° 1.271/2014, o Ministério da Saúde torna a notificação de casos suspeitos ou confirmados de violência sexual como imediata (em até 24h) na esfera municipal, com o propósito de garantir a intervenção oportuna nos casos (BRASIL, 2016).

Dessa forma, a notificação insere-se como uma das estratégias primordiais do Ministério da Saúde no âmbito das ações contra a violência, inclusive a sexual, e como estratégia para articulação de políticas. A notificação compulsória pelo setor de saúde além de viabilizar a interrupção do agravo e desencadear medidas protetivas a vítima através da mobilização da rede de atenção e cuidados, também disponibiliza informações para melhor dimensionamento do agravo. Portanto, no Brasil, o setor saúde foi o protagonista do desenvolvimento de um sistema de registros sobre a violência sexual na perspectiva da proteção.

A notificação da violência sexual assenta-se em duas vertentes: a) na perspectiva da proteção e restituição do direito da pessoa humana e b) na direção da vigilância e monitoramento. A primeira vertente se realiza através do trabalho em rede dos diversos atores e serviços vinculados a proteção dos direitos da pessoa. A segunda vertente relaciona-se à ação da vigilância que associa tanto o registro dos casos e mapeamento quanto as respostas que os sistemas públicos de proteção precisam desempenhar diante das situações registradas. Logo, ajuda a dimensionar e monitorar o problema, subsidiar as tomadas de decisões e direcionar investimentos.

Legalmente, a legislação brasileira, prevê a obrigatoriedade da notificação estabelecida para profissionais, à necessidade de encaminhamento da notificação para autoridades legais e à penalidade para o profissional em caso de omissão. Contudo, é necessário desconstruir a ideia de notificação como denúncia e delação. A notificação em si não dá início a uma denúncia, apesar dela poder ocorrer paralelamente a notificação. Logo, é importante notar que a denúncia está para o âmbito da responsabilização legal voltada às instâncias policiais e jurídicas. Por outro lado, a notificação está voltada às instituições e profissionais vinculados à proteção e ao registro. Logo, a notificação de violência sexual, aos poucos, vem sendo concebida como um instrumento importante de proteção e não de denúncia e punição (Lima, 2018).

Alguns autores (BRANCO, 2002; SALIBA et al., 2007; LUNA, FERREIRA, VIEIRA,

2010) apontam desafios a serem enfrentados para uma efetiva notificação da violência sexual entre os profissionais como: desconhecimento sobre as legislações envolvidas,

do fluxo das notificações; falta de preparo técnico e emocional dos profissionais para identificação de casos suspeitos de violência sexual; medo de represália da família, do agressor ou da comunidade; falta de articulação com a rede de proteção, dentre outros. Contudo, a notificação mais que um instrumento burocrático, é uma prática social de repúdio a invisibilidade e banalização da violência sexual.