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3. O GRAFFITI E SUA ATMOSFERA

3.6 Nova Iorque nos trilhos do Spray

Conforme dados da Associação de Consumidores de Produtos Especializados , o 22 engenheiro norueguês, Erik Rotheim, patenteou em 1927, a válvula que era capaz de pulverizar e dispersar sistemas propulsores. O governo norte americano investiu em pesquisas para criar formas portáteis de pulverizadores de repelentes para o exército durante a Segunda Guerra Mundial. Pesquisas posteriores fizeram surgir em 1943 a pequena lata de aerosol pressurizado por um gás liquefeito (fluorocarbono). Primeiramente o invento era usado pela indústria cosmética como produtos para cabelo, foi quando, em 1949, Edward Seymour coloca tinta na lata. Assim foi criado o spray que rapidamente “caiu na mão da galera”. Depois de industrializado, em 1973 as indústrias norte americanas produziam 270 milhões de latas por ano, grande parte delas foram usadas a serviço do graffiti.

O Doutor em História Social, Wilian da Silva e Silva (2013), em seu artigo intitulado “O uso urbano da tinta Spray”, coloca que foi a praticidade da utilização do produto o motivo da sua popularização entre os jovens, minimizando assim a exposição destes à represália policial, visto o caráter clandestino das intervenções.

A lata de tinta spray interferiu na rapidez do deslocamento que tinha o sujeito, passou a bastar jogar umas latas na mochila para se ter leveza de movimento e variedades de cores ao mesmo tempo. A rapidez da ação veio da praticidade fornecida pelas latas spray, pois para iniciar a intervenção ao invés de abrir uma tampa de lata com chave-de-fenda, diluir a tinta, misturar, pegar um pincel ou rolo, tudo isso para cada cor utilizada; com o advento da lata spray era só retirar da mochila, sacudir e apertar o bico. Caso fosse preciso interromper a inscrição e correr, isso podia ser feito imediatamente sem perda de tempo ou equipamento. (SILVA-E-SILVA, 2013. p. 30).

Ao contrário do que ocorre com o muralismo mexicano, Nova Iorque é citado por grande parte dos trabalhos que pesquisam o surgimento do graffiti, isso se dá ao fato de ser comumente relacionado ao uso das latas de spray, embora as intervenções tenham sido também realizadas com canetas de feltro. Há de se concordar que a cidade de Nova Iorque teve importância para o surgimento do graffiti moderno, assim, o próprio termo “Graffiti” cunhado pelos italianos, voltou à tona e foi usado na imprensa de Nova Iorque dos anos 1970,

22 Disponível em: https://m.facebook.com/avantgraff/photos/a-origem-do-spray-de-pinturaem-23-de-novembro-

em referência às inúmeras inscrições que passaram a surgir nos subúrbios e trens que circulavam pela cidade. De forma pejorativa, surge o termo graffiti mesmo sendo refutado pelos praticantes nova-iorquinos que se reconheciam como Writters . Assim descreve Paixão:

A adoção do termo é atribuída à imprensa norte -americana que naquela época passou a usar o termo italiano “ Graffito” no plural, em reportagens que visavam chamar a atenção da população e das autoridades para um problema que se espalhava pela cidade nas mãos de adolescentes, em sua maioria descendentes de africanos e latinos, moradores dos bairros mais pobres de Nova York, Filadélfia e Los Angeles. Os termos mais usados por esses jovens eram “ writing ”, “ tagging ” ou “ hitting ”.” (PAIXÃO, 2011. p. 124)

A territorialização das gangues do subúrbio fizeram por eclodir uma apropriação do espaço urbano por meio de assinaturas seguidas do número da rua ou quarteirão que demarcavam, as chamadas tags ou hits . Os trens que cortavam a metrópole projetavam estas marcas do subúrbio invadindo todas as áreas da cidade. Quanto mais a imprensa noticiava a insistente presença das tags nos mais diferentes suportes, locais e equipamentos urbanos, mais os jovens ganhavam prestígio em seus grupos. Estas inscrições podem ser comparadas ao que no Brasil chamamos de pichação ou “pixação” como insistem grafar alguns grupos. Um jogo de ataque territorial e reprodução de identidades, mesmo que de forma ilegível, o que muitas vezes é feito propositalmente visando proteger o anonimato da sua autoria.

A descrição mais sensata sobre o contexto do surgimento do graffiti em Nova Iorque é construída por Baudrillard (1976), para ele, trata-se de uma insurreição pelos signos contra a semiologia urbano-industrial da metrópole, bem como, suas forças segregadoras sócio-espaciais agravada pela monopolização das formas de produção de sentidos dominadas pelas grandes mídias que estimulam o consumo desenfreado.

O que o autor destaca sobre a ocupação da paisagem urbana pelo fenômeno do graffiti é coerente com o que coloca Lefebvre (1971), sobre a segregação sócio-espacial, bem como, o que coloca Canevacci sobre a onipresença da publicidade por meio de cartazes, fachadas, outdoors e todo tipo de mensagem visual consumista presente nas metrópoles. A revolução intuitiva que eclode do graffiti, para Baudrillard (1976) carrega uma ideologia que não somente reivindica o anonimato do indivíduo, ou de sua identidade pessoal, mas curiosamente faz surgir o grito de todo um grupo. A grande maioria das intervenções realizadas são defendidas as identidades coletivas e isso pode ser constatado com base no costume de se assinar por meio das chamadas “ crews ” (grupos ou gangues que praticam as intervenções

intrigava os que no período, buscavam explicações plausíveis para justificar as assinaturas que mais pareciam rabiscos “ non-sense ”.

O autor acrescenta, que o movimento teve origem entre os jovens negros, porto riquenhos e descendentes sul americanos dos guetos nova iorquinos que viram nos metrôs, ônibus e trens da cidade, uma forma de se tornarem presentes e visíveis. Segundo Baudrillard (1976), esses jovens mantidos à margem das opções de cultura e lazer, tinham o costume de criar encontros e festas nas ruas e becos de seus bairros e em função disso, a adesão do graffiti com o Rap, o DJ e o Break-dance, fez por surgir o chamado movimento Hip-Hop, equalizando ainda mais sua penetrabilidade e difusão entre seus atores nas periferias.

Deleuze (1994) coloca que os elementos da cultura Hip-Hop, a luta contra o racismo e a violência policial, se fundiram de forma rizomática e molecular. Sua globalização ocorreu de forma não hierárquica, com nenhum de seus elementos se colocando em uma posição superior aos demais. Guattari (1982) completa colocando que tais elementos se conectam uns com os outros sem responder a um centro de comando. O graffiti enquanto elemento do Hip-Hop, faz compartilhar ideologias enquanto movimento social de forma imanente às singularidades dos grupos e dos indivíduos inseridos em seu espaço-tempo e neste caso, como afirma Baudrillard (1976) percebe-se ainda a importante influência do movimento da Pop art

da década de 60 em seu desenvolvimento. 23