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NOVAS LINGUAGENS REQUEREM NOVAS PRÁTICAS

É preciso que o professor esteja preparado para lidar com as várias possibilidades de leitura e com os diferentes modos de produção textual que circulam na sociedade contemporânea, que tem experimentado, principalmente com o advento do mundo globalizado e com as novas tecnologias, diversas formas de utilização da linguagem. A língua como uma instância social, histórica e situada em tempo e espaços dinâmicos tende a acompanhar essas transformações porque está a serviço dos sujeitos que a utilizam.

As emergentes práticas de letramento requerem novas formas de pensar os usos da linguagem em diferentes espaços e isso integra diferentes sujeitos e culturas. A escola, como principal agência de letramento, precisa incorporar isso ao seu currículo, a fim de que não incorra no risco de ficar alheia a mudanças que a contemporaneidade tem trazido, atingindo assim todos os espaços sociais.

Nesse novo cenário, os alunos estão expostos a várias expressões de linguagem: verbal e não verbal, corporal, multimidiática, entre outras. São diversas as suas manifestações, principalmente, por meio das mídias digitais. Contudo, é na escola que se tem o conhecimento de como essas linguagens funcionam e são produzidas. E mesmo que se tenha acesso as várias manifestações da língua na esfera social, a escola ainda é a principal agência de alfabetização e letramento existente na sociedade contemporânea. É nela que os alunos aprendem a utilizar e

aperfeiçoar a linguagem de acordo com as suas necessidades, adequando-a a cada situação formal ou informal.

Os documentos oficiais, desde a expansão do acesso à escola com a democratização do ensino, têm sinalizado a necessidade de uma instrução que supra as carências no que concerne à aprendizagem da leitura e da escrita:

O ensino de Língua Portuguesa tem sido, desde os anos 70, o centro da discussão acerca da necessidade de melhorar a qualidade do ensino no país. O eixo dessa discussão [...] centra-se, principalmente, no domínio da leitura e da escrita pelos alunos, responsável pelo fracasso escolar (BRASIL, 1998, p. 17).

Ainda que os documentos oficiais preconizem a urgência de mudança na qualidade do ensino e insistam na modificação de algumas práticas pedagógicas consolidadas, há educadores que ainda insistem no ensino da língua resumindo-o a métodos tradicionalistas. Estes têm se mostrado incapazes de produzir no aluno o conhecimento crítico, reflexivo e discursivo de uso da língua. São métodos incapazes de promover, no educando, práticas de usos significativos da linguagem, que atuem como instrumentos de superação dos discursos ou domínios ideológicos das classes dominantes. Ou seja, que permitam o aluno conhecer a função social da língua e não o uso normativo desta. Somente o uso da linguagem de maneira consciente e não alienada oferece ao aluno a possibilidade dele se (re)construir enquanto ser social.

Geraldi (1997), refletindo sobre a questão da democratização do ensino nos anos 70 e de como foi necessária a sua efetivação para que fosse estendida a todas as camadas populacionais, afirma que a democratização trouxe à escola uma diversidade social de alunos. Com o aumento da clientela, surgiu a necessidade de formar mais profissionais e de maneira rápida.

Surgiram cursos de formação docente sem muitos embasamentos teóricos e isso acabou refletindo na maneira como o ensino é repassado. Para suprir o despreparo do professor, foi entregue-lhe o livro didático. Este funciona como uma bússola a fim de direcionar tudo o que precisa ser passivamente recebido pelos alunos. Tem-se a automatização do ensino e do processo de aprendizagem. Sobre isso, Geraldi (1997) comenta:

Acredita-se ainda que o processo de ensinar está em definir. Tal orientação claramente privilegia o aprendizado da metalinguagem da língua ou, quando muito, o aprendizado de exercícios estruturais de aplicação de noções e categorias. Privilegia o raciocínio sobre a abstração e consequentemente sobre o aspecto formal, universal, uno e regular da língua em detrimento do raciocínio sobre o concreto, o historicamente definido, o aspecto múltiplo e

contraditório da língua enquanto discurso e enunciação (GERALDI, 1997, p. 118).

Conforme o autor, por muito tempo, há a crença de que esse processo de ensino se mostra eficaz porque enfatiza a definição, o privilégio da metalinguagem. Enquanto a reflexão e a multiplicidade da língua, na condição de discurso, são ignoradas. Sob essa concepção, o professor acredita que ensinar a usar a língua é só ensinar as regras gramaticais, influenciado pela visão estruturalista que repele a funcionalidade que o sistema desenvolve enquanto está sendo posto em uso, em articulação. O desenvolvimento das habilidades linguísticas do aluno resume-se em saber a respeito da língua e não no uso desta. Com isso, o aluno se adequa ao molde de um ensino da língua que privilegia a abstração, a repetição e a cópia.

O aluno, acostumado, desde as primeiras ocupações sérias da vida, a salmodiar, na escola, enunciados que não percebe, a repetir passivamente juízos alheios, a apreciar, numa linguagem que não entende, assuntos estranhos a sua observação pessoal; educado, em suma, na prática incessante de copiar, conservar e combinar palavras, com absoluto desprezo do seu sentido, inteira ignorância da sua origem, total indiferença aos seus fundamentos reais, o cidadão encarna em si uma segunda natureza, assinalada por hábitos de impostura, de cegueira, de superficialidade (GERALDI, 1997, p. 120).

Resumir o ensino da língua a essa prática conservadora, descontextualiza o uso da linguagem em situações reais das quais o aluno participa. Geraldi (1997), ao esboçar essas e outras reflexões, propõe alternativas que visam inverter essa flecha do ensino, tornando-o mais significativo. Ele traz proposituras que partem do texto como objeto de estudo, seja para o desenvolvimento de sua produção ou para o trabalho com a análise linguística. Para o autor, ensinar a língua é possibilitar a ampliação da experiência do aluno junto a do professor, em uma relação de conhecimento e produção e não de reprodução e reconhecimento.

Se a proposta de Geraldi (1997) era partir do texto, tomando-o como objeto de estudo, a fim de “inverter a flecha” do ensino de língua que ainda estava centrado em ensinar, a todo custo, um padrão de língua idealizado e socialmente prestigiado, atualmente, temos a propositura desse mesmo ensino exposto pelo autor, só que centrada nos gêneros textuais e/ou discursivos.

Reduzir o ensino de língua ao ensino da norma não tem surtido o efeito esperado. Como nos sinalizava Geraldi (1996; 1997), essa prática representa indiscutivelmente uma visão vinculada a uma concepção bastante reducionista, a julgar pelas inúmeras possibilidades de usos da língua pelos falantes. Quanto a isso, Bagno (2002, p. 51) nos interroga: “[...] se a função

da escola não é ‘ensinar gramática’, dentro das concepções tradicionais de gramática, então, qual é o objetivo do ensino de língua na escola?”. Para responder a esse questionamento, o autor parte da concepção de letramento preconizada por Soares (1999), quando esta afirma que o letramento se efetiva como a condição de quem lê e escreve. E não apenas isto, mas sim, quando o usuário da língua consegue usar a leitura e a escrita em práticas sociais reais.

Bagno (2002) afirma que não há como se efetivar um projeto educacional somente centrado em ensinar o aluno a ler e escrever. Argumentamos que isso seria um reducionismo pedagógico, porque acreditamos que é preciso criar “condições para o desenvolvimento cada vez mais intenso e extenso das habilidades de leitura e escrita” (BAGNO, 2002, p. 53). Por isso, o autor aposta em uma proposta de letramento mais amplo, amparada na perspectiva de ensino de língua a partir dos gêneros textuais orais e escritos. Essa nova perspectiva implica em abandonar o ensino que se detém na exposição de regras da língua, ou no uso do texto com o pretexto de ensinar a gramática, para eleger uma prática que considera as realizações da língua por meio de textos que se concretizam em forma de gêneros (BAGNO, 2002).

Por serem formas textuais que se estabilizam no contexto social e histórico, os gêneros não têm constituição linguística, mas sim sociocomunicativa. Assim, percebemos que por terem essa função, quando a escola centra o ensino da escrita apenas nas conhecidas “redações escolares”, está desconsiderando o quão importante é reconhecer tal função para uma formação mais consciente de uso da língua (BAGNO, 2002).

É preciso, enquanto professores de língua, criarmos situações em que os alunos tenham a oportunidade de refletir sobre a língua manifesta em textos orais e escritos. E desse modo, o ensino da língua se instaura como possibilidade de ser a “própria prática da linguagem instalada, no plano do desejo de cada sujeito em processo” (GERALDI, 1997, p. 122). E nesse movimento, a relação de ensino-aprendizagem (entre professor e aluno) deixa de ser um desafio impossível de ser vencido, para se configurar como possibilidades de mudança, transformação social, de formação identitária e de experiência significativa.

2.2 TRABALHO COM O TEXTO PARA O DOMÍNIO DA ESCRITA: UMA PRÁTICA