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Novo período de pressão diplomática para a Santa Sé e volta à política de

Capítulo 2: Deveres do altar: aproximação religiosa e neutralidade política

11. Novo período de pressão diplomática para a Santa Sé e volta à política de

A chegada de Labrador a Roma iniciou um período de pressão diplomática semelhante ao de Vargas Laguna. A diferença é que o novo embaixador espanhol não contava com o prestígio e amizade com o papa como contava Vargas. Também não contava com o apoio das potências européias. Entretanto, exerceu grande poder em razão do medo da Santa Sé em evitar, a todo custo, outro momento de ruptura como o de 1827. Para negociar com Labrador, Leão XII nomeou o experiente Capellari, substituindo della Somaglia, próximo a deixar o posto em razão de sua idade33.

32 Ibidem, p. 117.

33 No entanto, quem será secretário de Estado será o cardeal Bernetti, membro da cúria papal muito próximo a

Entre o trono e o altar: política pendular da S. Sé no reconhecimento das independências hispano-americanas

No primeiro encontro que Capellari teve com Labrador não se chegou a um consenso. Labrador admitiu as necessidades espirituais dos fiéis hispano-americanos, mas exigiu que fossem resguardados os direitos do padroado do rei sendo feita a eleição segundo uma lista secreta apresentada pelo monarca espanhol. Capellari não negou a existência do padroado régio, mas declarou que, enquanto durassem as circunstâncias atuais, o exercício desse direito era impossível e prejudicial. Para isso, a lista não poderia ter o caráter de apresentação canônica, nem deveria fixar os nomes para as mitras, mas se aceitaria uma lista genérica e confidencial de pessoas gratas ao rei, sem haver, contudo, a intervenção de conselheiros. Leão XII, ante o impasse, decidiu-se a favor de Capellari. As instruções para Labrador eram para que fosse atuando de forma gradual, sempre deixando clara a resistência do rei contra o consistório acontecido em 1827.

Quando, em agosto de 1828, aconteceu o segundo encontro entre Capellari e Labrador, havia chegado notícias a Roma que a confecção da lista já não era mais segredo em Madri. Capellari queixou-se com Labrador demonstrando o medo que tinha que os hispano-americanos se interassem sobre o assunto, fazendo isso na tentativa de manter a política quanto à América Espanhola. Labrador contestou que o papa também consultava seus conselheiros e que a lista era inofensiva já que era de recomendação e não de nomeação. Mais uma vez terminava-se o encontro sem nenhum resultado.

Labrador propôs então que o rei, aceitando a proposta do papa, seguiria nomeando os novos bispos, mas com duas restrições: a lista teria caráter confidencial, e não oficial, e teria somente nomes hispano-americanos, o que o papa e Capellari acharam inadmissível, pois se voltaria ao ponto de partida. Capellari respondeu pelo papa que o pontífice não havia reconhecido as novas repúblicas, mas que no momento que o rei tivesse

Capítulo 3: Reação legitimista e posterior volta à neutralidade: configuração da política pendular

recuperado seu controle sobre a Hispano-América, continuaria tendo seu direito de nomeação de bispos. Mas em razão das necessidades hispano-americanas e visto que não se aceitaria nomeações vindas do rei, a única solução seria salvar aquelas igrejas por meio de preconizações motu proprio. A atitude de Capellari representava uma volta à sua tese de 1826, o que significou o fracasso das negociações conciliatórias e a possibilidade de nova ruptura com Madri.

Apesar disso, a decisão tomada depois pela Santa Sé surpreendeu o embaixador espanhol. Em setembro de 1828, o novo secretário de Estado, cardeal Bernetti, informou a Labrador que haveria um próximo consistório e que se nomeariam alguns bispos para a Hispano-América, mas para não desagradar ao rei, não seriam proprietários, e sim in partibus, isto é, meros vigários apostólicos. Assim, em se tratando apenas de vigários, a nomeação não era objeto de padroado e seria feita, como sempre, sem intervenção de governos políticos.

O que Leão XII decidira fazer, debaixo da forte pressão exercida por Labrador, era voltar à velha fórmula consalviana abandonada em 1826 e 1827, quando foi necessário evitar um cisma. O sumo pontífice percebeu que, ao insistir na preconização

motu próprio, romperia outra vez com a coroa espanhola, o que seria prejudicial à sua

política de neutralidade e aos seus direitos originados do vínculo ao padroado régio. Some- se a isso o fato de que os pedidos mais urgentes de bispos vinham do Chile e da Argentina, e esses Estados não exigiam que fossem proprietários. Bernetti, adepto da política consalviana, acreditava que qualquer nomeação motu proprio favoreceria a independência e o não-atendimento aos pedidos de bispos suporia a adesão à legalidade espanhola.

Entre o trono e o altar: política pendular da S. Sé no reconhecimento das independências hispano-americanas

Fernando VII ficou satisfeito com a decisão de Leão XII. Porém, ao sentir que estava de novo com o controle político da Santa Sé nas mãos, impôs mais duas restrições34: pedia que não se estendesse a nomeação à Nova Espanha, pois ali não era tão

grande a necessidade espiritual (o que não era certo, pois no território mexicano só havia o bispo de Puebla) e mandava uma lista de seus recomendados, que deveria servir de base para a nomeação dos vigários apostólicos.

Leão XII pediu parecer a Capellari sobre a resposta que deveria dar ao rei Fernando VII. Capellari indignou-se ao saber que não se comunicou ao rei espanhol que a única solução possível para a situação era a preconização motu proprio e com o fato de que quem deveria julgar urgente ou não a situação dos fiéis hispano-americanos era o papa e não o rei. Com essas ressalvas, Capellari, em nota ao papa, deu seu parecer sobre a resposta que o pontífice deveria dar ao rei35: i) o padroado só seria posto em vigor de novo com a

volta das províncias hispano-americanas ao domínio espanhol; ii) se isso não acontecesse, a única solução definitiva era nomear bispos proprietários a motu proprio; iii) conceder às igrejas de La Paz e Guiana vigários apostólicos de caráter episcopal seria uma providência isolada e não uma atitude geral; e iv) ao atrasar o consistório, o papa não tinha por intenção pedir consentimento a Madri.

Capellari recomendou que tudo fosse dito sem tom de repreensão, mas de forma cortês e polida. A veemência nas recomendações de Capellari mostraram muito bem seu conhecimento sobre o problema hispano-americano, ao mesmo tempo que era indicativa das ações que iria tomar em relação à América, quando consagrado como papa Gregório XVI.

34 LETURIA, Pedro. Relaciones entre la Santa Sede e Hispanoamérica. v. II. Caracas: Sociedad Bolivariana

de Venezuela, 1959. p. 344.

Capítulo 3: Reação legitimista e posterior volta à neutralidade: configuração da política pendular

A política pendular de Leão XII foi a mais condescendente com a legitimidade espanhola. Em carta a Fernando VII, em dezembro de 1828, Leão XII respondeu que o melhor a ser feito para as Igrejas na Hispano-América era a preconização de bispos proprietários, mas que no momento nomearia vigários apostólicos. Em relação à Nova Espanha, respondeu que atrasaria por um tempo discreto a nomeação desses vigários, mas que estaria atento à lista enviada pelo monarca.

Dessa maneira, no consistório de dezembro de 1828, último do pontificado de Leão XII com relação às repúblicas criollas, proveu com vigários apostólicos, de caráter episcopal, a Grã-Colômbia e o Prata. Deu a Quito e La Paz dois bispos residenciais que, por sua vez, coincidiam com as indicações de Fernando VII. Esse consistório representou a política de neutralidade consalviana que Leão XII seguiria até sua morte em 1829. Além disso, Leão XII lançou as bases para a solução da crise das igrejas do Prata, vacantes desde o fracasso da missão Muzi.

12. Últimas preconizações de Leão XII

Preocupado com a terrível situação do Prata desde o fracasso da missão Muzi e com a possibilidade do avanço das idéias cismáticas até o Chile – fragilizado com sedes vacantes – o papa decidiu enviar duas cartas ao Chile. Essas cartas tiveram mais resultado do que o papa podia esperar. Sem saber que Zorilla havia nomeado em Acapulco, por iniciativa própria, o cônego Alejo Eizaguirre para o cargo de vigário da diocese, a primeira carta papal foi vista, no entanto, como condenação a esse ato. Na segunda carta, o papa reclamava do desrespeito à Igreja, que tinha acontecido no único lugar da América Espanhola para o qual havia enviado uma missão. Em outubro de 1827, o governador do Chile, informava, em carta moderada, sobre a segunda viagem de Cienfuegos a Roma.

Entre o trono e o altar: política pendular da S. Sé no reconhecimento das independências hispano-americanas

Antes, porém, que Cienfuegos chegasse a Roma, havia chegado ao Vaticano um despacho do Ministro de Estado de Paris, M. L. de la Forest, que afirmava que o governo do Chile estava preparando um cisma contra a Santa Sé e que Cienfuegos só viajava a Roma porque desejava ser arcebispo do Chile. Os governantes chilenos esperavam que a missão fracassasse para terem pretexto para romper com a Santa Sé.

É bem possível que o juízo de la Forest tenha sido exagerado (não teve uma boa estada no Chile36). Não é muito factível a idéia de mandar uma missão com o objetivo

de fracassar só para declarar rompimento com Roma. Essa ruptura, se realmente desejada, poderia vir de alguma atitude mais simples, como insistir na preconização de bispos residenciais. De acordo com Leturia37, se havia alguma intenção cismática era apenas para

tornar a missão de Cienfuegos mais eficaz.

O despacho do ministro francês não provocou maiores estragos à nova missão de Cienfuegos a Roma, mas serviu para alertar sobre o perigo que uma atitude mais rígida com relação a Cienfuegos acarretaria. Ao chegar em Roma, Cienfuegos apresentou um informe ao secretário de Estado Bernetti, no qual explicava o fracasso da missão Muzi, alegando em sua defesa que tudo teria sido feito na tentativa do Chile se defender do bispo Zorilla, inimigo da independência da nação.

Leão XII, dessa vez, confiou o parecer do assunto a Paolo Polidori, cardeal de sua confiança, em vez de entregá-lo à Congregação de Negócios Extraordinários. Polidori respondeu ao papa que em muitas coisas quanto à missão em 1823 e 1824 poderia se perdoar a Cienfuegos, mas que após a Carta Apologética de Muzi isso não era possível.

36 Ibidem, p. 355. 37 Ibidem, p. 356.

Capítulo 3: Reação legitimista e posterior volta à neutralidade: configuração da política pendular

Era preciso, portanto, que o papa exercesse sua benevolência em relação ao Chile, mas sem elevar Cienfuegos ao episcopado, pois poderia trazer graves conflitos com a Espanha.

Seguindo o parecer de Polidori, Leão XII permitiu a Cienfuegos escolher entre ficar em Roma para servir de assessor ao pontífice nos assuntos referentes ao Chile ou voltar à sua pátria e trabalhar nela em prol da religião, sem contudo atribuir-lhe alguma mitra. Como vigário apostólico do Chile, o pontífice havia escolhido Manuel Vicuña, presente na lista apresentada por Cienfuegos. Como Cienfuegos sempre havia buscado uma mitra, ficou decepcionado com a atribuição apenas da absolvição pontifícia.

A contestação do chileno não agradou Leão XII. Todavia, Cienfuegos insistiu em contar a situação do Chile e as intenções cismáticas do governo, caso não fosse tomada uma decisão mais enérgica. O papa percebeu que, além de nomear um vigário apostólico para o Chile, era necessário nomear Cienfuegos como bispo, uma vez que a Igreja chilena encontrava-se nas mãos desse, mesmo que de modo ilegítimo. Do contrário, a nomeação de outro bispo desagradaria o Chile e não teria o êxito pretendido.

O papa mandou então que se preparasse a preconização de Cienfuegos como bispo, o que sempre havia perseguido. Leão XII o fez jurar uma retratação de seus erros e uma promessa de ajudar a aceitação dos vigários apostólicos nomeados pelo papa para o Chile, o que Cienfuegos aceitou sem nenhuma resistência. Em Madri, as impressões não foram tão ruins, pois todos, inclusive Zorilla, elogiavam Vicuña. Quanto a Cienfuegos, era menos perigoso vê-lo como bispo in partibus do que bispo residencial de Santiago.