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Após novembro de 1889, se constituiria um governo em que podem ser identificadas ao menos três correntes de opinião: os liberais, os positivistas e os militares. Esses últimos não dispunham de um ideário sistematizado ou uma formação doutrinária mais sólida, contudo, dentre eles apareceriam grupos exaltados, que seriam denominados de jacobinos.

Os liberais estavam sob o comando de Rui Barbosa. Os militares obedeciam ao chefe do governo, Marechal Deodoro da Fonseca, conceituado militar, que se achava distanciado de todo radicalismo, pois filosóficas convicções republicanas não as tinha. De outra parte, não esboçava qualquer compromisso com um projeto democrático, tampouco atribuía maior relevo à questão constitucional. Entretanto, a presença marcante estaria por conta dos positivistas, mesmo que estes não se achassem unidos quanto às características que deveriam imprimir ao novo regime. Mostravam-se fortes, sobretudo, pela presença de Benjamin Constant à frente do Ministério da Guerra. O prestigiado líder militar, embora positivista confesso, não rezava pelo apostolado, ficando esta função a cargo de Demétrio Ribeiro.

Ao longo do processo de instauração da república seria produzida uma união entre positivistas e jacobinos, que tinha como principal função lutar pela dilatação do regime ditatorial, de sorte que a decisão de convocar a Assembléia Constituinte deveu-se mais à habilidade e persistência demonstrada por Rui Barbosa, é bem verdade, que com a anuência de Benjamin Constant. A partir disto, percebe-se que a Carta de 1891 daria aos liberais um instrumento aglutinador, permitindo que, na duração das três primeiras décadas republicanas, o liberalismo correspondesse à doutrina política oficial, estranhamente completando-se à uma prática do regime francamente autoritária, que consistiria, em essência, no abandono do princípio da representação.

De um ponto de vista ideológico, a Primeira República foi o coroamento do liberalismo no Brasil. Suas bases constitucionais, traçadas pela geração republicana de 89 - à qual viera unir-se o mais conceituado crítico e poderoso opositor da política imperial vigente, o baiano Rui Barbosa - bem demonstravam o compromisso com a doutrina que não pudera medrar inteiriça no texto outorgado de 1824.

Ali o absolutismo, por disposição voluntária ou involuntária do primeiro Imperador, deixara estampado o selo de suas prerrogativas sem limites mediante a singular criação do Poder Moderador, instituído de forma que contrafazia os princípios de contenção de poderes da concepção de Constant e Montesquieu.

Com efeito, o novo instrumento constitucional se apresentava na esfera teórica escorreito e íntegro, depurado daquelas faculdades autocráticas que o outorgante do Primeiro Reinado contrabandeara para os artigos 91 e 92 da velha Constituição. Nessa linha de distribuição de competência aos poderes políticos, a Constituição da Primeira República foi inexcedível: a finalidade consistia em neutralizar teoricamente o

poder pessoal dos governantes e distanciar, tanto quanto possível, o Estado da Sociedade, como era axioma do liberalismo.

Mas a fidelidade do texto a essa técnica fundamental, assentada em princípios e valores ideológicos incansavelmente proclamados por publicistas cujas lições educaram os autores da Constituição, sobretudo seu artífice principal, não guardava porém correspondência com a realidade.108

Diferentemente do Império, quando o Estado patrimonialista e antidemocrático, herdado de Portugal, encurralado pelas reincidentes insurreições, asseguraria aos vários interesses, reconhecida sua diversidade e legitimidade, o direito de fazer-se representar no sistema de poder, a prática republicana criaria uma situação inteiramente nova. Passa a primeiro plano o conflito entre grupos cujo interesse próprio resumia-se na intenção de se apossar do patrimônio constituído pelo Estado. Para tal intento, fazia- se condição necessária e indispensável o total controle do Executivo Central. O atenuante deste conflito seria a "política dos governadores".

Nas antigas províncias, agora Estados, periféricas ao dito centro "café com leite", que iria impor a alternância na suprema magistratura, não surgiriam atividades econômicas capazes de manter a alta rentabilidade por longo período, a exemplo da cafeicultura radicada basicamente em São Paulo e Minas. Deste modo, o ideal de progresso, inscrito na nova bandeira, não se cumpriria, mal permitindo que os recursos públicos alcançassem alguma modernização na capital da República. E quanto a ordem, esta só se manteria mediante sucessiva decretação de estados de sítio e a intervenção naqueles estados politicamente mais fracos.

A estrutura política dessa etapa histórica do desenvolvimento brasileiro é marcada pela dominação de oligarquias agrárias, aliadas sob a hegemonia do setor economicamente preponderante, ou seja, o cafeicultor. A União expressava diretamente os interesses desse setor e legitimava as oligarquias regionais dos setores exportadores de menor produtividade. Essa aliança no poder não pressupunha a ausência total de oposições entre os diferentes setores oligárquicos e muitas vezes são as dissidências inter-oligárquicas que possibilitaram às camadas médias urbanas aliados poderosos contra a fração oligárquica hegemônica. As oligarquias estaduais controlavam os coronéis municipais, que por sua vez dominavam a grande massa da população rural, deles dependente social, econômica e politicamente, e portanto participando do processo político de forma totalmente subordinada. Dessa forma, a democracia representativa vigente era apenas formal e a possibilidade de representação política de outros setores sociais, que não as oligarquias, bastante reduzida. Dos grupos sociais excluídos dessa representatividade os que mais pressionaram por uma abertura do sistema político e constituíram oposições antioligárquicas foram exatamente aqueles mais prejudicados pela política econômica da fração oligárquica hegemônica: as camadas médias.109

108 BONAVIDES, Paulo e PAES DE ANDRADE. História Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 249. 109 FORJAZ, Maria Cecília Spina. Tenentismo e Política. São Paulo: Paz e Terra, 1987, pp. 18-9.

Sob a influência positivista, generaliza-se a prática autoritária, restando aos liberais uma plataforma de defesa superficial das liberdades democráticas. Impõe-se pois, o regime do partido único, os ditos partidos republicanos regionais, minimizando substancialmente o papel da doutrina da representação. Estão asseguradas as condições de possibilidade para a consolidação da filosofia da República, qual seja, o autoritarismo doutrinário que ficará conhecido como castilhismo.

A par disto, a corporação militar moderniza-se, quando crescem as doutrinas que lhe atribuem papel especial na obtenção do progresso material do país. Esse ideário ganhará corpo no chamado tenentismo, que enseja insurreição militar em 1922 e 1924 e que agregará ao desenlace de 1930.

A campanha sucessória do presidente Epitácio Pessoa, propositalmente antecipada pelas oligarquias dos "grandes Estados" (São Paulo e Minas Gerais), desencadeia um conflito entre as Forças Armadas e as classes dominantes que culmina nas primeiras manifestações tenentistas, ou seja, o Levante do Forte de Copacabana, da Escola Militar do Realengo, de algumas guarnições da Vila Militar, da Primeira Circunscrição Militar de Mato Grosso e de alguns membros isolados do Exército e da Marinha em Niterói. [...] Contra a candidatura "café com leite" dos estados dominantes, uniram-se na Reação Republicana as oligarquias do Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro apresentando a candidatura de Nilo Peçanha para a Presidência da República.

[...] No início dos anos 20 [...] se apresentam como a conjunção de dois movimentos que contestam as estruturas políticas básicas da Primeira República, de uma forma paralela e coincidente, porém originadas de reivindicações e conflitos distintos. De um lado a dignidade e honra das Forças Armadas enquanto guardiãs das instituições republicanas, ofendidas pelos "políticos" e "homens do poder". De outro as tensões regionais das oligarquias dominantes, ou seja, os protestos dos setores oligárquicos não vinculados diretamente ao café, porém integralmente participantes das estruturas de poder típicas da Primeira República. [...] Por sua parte, as Forças Armadas exercem quase a função de partido político, constituindo aliás o único grupo nacional organizado, com uma elevada expectativa sobre seu próprio papel enquanto "estrato protetor da República", e contando com a possibilidade de recurso à violência.

Essa mesma conjunção de movimentos políticos ocorreria em 1930, ou seja, a união de oligarquias dissidentes (porém agora ocorrendo uma cisão dentro da própria fração hegemônica, os cafeicultores, e seus representantes diretos no poder) e o movimento tenentista, amadurecido por uma década de lutas, no contexto da grande crise internacional do capitalismo, o que levaria à ruptura do sistema agro-exportador.110

Além de não ter sido capaz de formular com clareza uma doutrina da representação, de base republicana, dissociada dos institutos da monarquia e do parlamentarismo, presentes na obra doutrinária do século XIX, a ideologia liberal ainda perderia terreno no seu apego à doutrina do liberalismo econômico, pois a plataforma intervencionista seria concebida, no Brasil, por um teórico positivista, Aarão Reis (1856-

1936), e incorporada à prática política instaurada pelo governo provisório de Getúlio Vargas, que ascendeu ao poder pela Revolução de 1930, sob a égide do autoritarismo doutrinário, cujo núcleo fundamental seria constituído pelo castilhismo. Cumpre acrescentar que na jovem república as energias do pensamento estavam mais voltadas para questões institucionais, circunstância em que se produziriam textos marcantes, como O poder executivo na República Brasileira (1916), de Anibal Freire, e o Do Estado Federado e sua organização municipal, de José Castro Nunes.

Confrontando ainda a Constituição republicana de 1891 com a Carta de 25 de março de 1824, a declaração de Direitos está redigida de modo muito assemelhado relativo às garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros. Pode-se dizer que as inovações republicanas dizem respeito à eliminação da nobreza e a separação entre a Igreja e o Estado. Com o abandono do princípio da religião oficial, altera- se a legislação referente ao casamento civil, à administração dos cemitérios e ao ensino.

Se, de um lado a liderança liberal na República Velha tenha se dado conta da importância de que estava se revestindo a denominada questão social, graças, sobretudo ao contato com a obra de pensadores como Leonard T. Hobhouse (1864-1919), divulgado por Rui Barbosa, no que respeita às liberdades públicas, como de imprensa, de reunião e de associação, as duas Cartas apresentam disposições idênticas. Quanto aos princípios gerais da aplicação da justiça, os dois estatutos mantêm a semelhança, com o diferencial que a Constituição de 1891 além de tornar realidade as disposições em relação ao Código Civil, iria introduzir o habeas-corpus, que se constituiria em uma das grandes conquistas resultantes da vigência do sistema representativo. O empenho deste feito se deve ao ministro do Supremo Tribunal, Pedro Lessa (1859-1921), que em seu estudo tornado clássico, dedicado à caracterização do Poder Judiciário no regime republicano, coube-lhe o mérito de haver transformado o habeas-corpus, que até então se entendia como dizendo respeito à esfera limitada do direito de locomoção, num instrumento de defesa das liberdades, em contraponto com a ascendência crescente do autoritarismo.

Enfim, comparando-as, entre as inovações inseridas na Carta republicana de 1891 e a imperial de 1824, observa-se:

A combinação doutrinária era mais coerente do que na Carta de Pedro I, mas, em compensação, a estrutura geral do Estado passava a ser mais complexa. O unitarismo imperial se mudava expressamente num federalismo. Cada província se chamava agora de 'Estado', terminologia desnecessariamente copiada do modelo do Norte. Mas o fato é que, não possuindo um passado de autonomia efetiva, em que cada um houvesse sido território independente (como é pressuposto nas federações clássicas como os Estados Unidos e a Suíça), os novos Estados não sabiam propriamente o que fazer com os poderes recebidos. E, aliás, esses poderes, que deveriam ser originariamente seus e não recebidos, iam ser lenta e gradualmente recolhidos pela União, na evolução posterior do país.

A estruturação do federalismo, na ordem constitucional, implicava algumas questões técnicas especiais. Aos estados-membros se atribuía uma autonomia que não chegava em nível de poder 'soberano'; duplicavam-se os planos normativos, com uma correlata hierarquia para as leis; distribuíam-se as competências da União dos Estados, no plano legislativo e no tributário, tudo dentro do modelo norte-americano e embasado sobre a metodologia do direito público respectivo. E Rui Barbosa, embora chegasse a advertir num dado momento contra o exagerado apetite federalista que tomava conta dos espíritos, fazia isso justamente por notar que nos Estados Unidos um contramovimento centralizador começava a se robustecer.

Havia, como novidade política, o presidencialismo, já que Federação e República eram aspirações com passado longo. O modelo norte-americano era presidencialista, e o eram também as Repúblicas da América Latina. Algumas já dominadas pelo caudilhismo truculento e imaturo; por outro lado, tratava-se de contrapor o mais possível a nova ordem ao que se tinha como o 'parlamentarismo' do período imperial. E não faltaram motivações concretas para que a instituição do presidencialismo, realmente um regime que confere ao chefe de Estado atribuições governamentais enormes, se fizesse aos poucos uma forma peculiar de personalismo político. Assis Brasil argumentava, entre outros, que a ordem federal exigia o presidencialismo. Mas foi com Campos Sales que a idéia presidencialista adquiriu realidade mais incisiva e mais contundente, fazendo da chefia do Executivo uma sede de forte poder pessoal, embora constitucionalmente respaldado, e reduzindo a presença política dos Ministros a um papel funcional, a que cabia lealdade e competência, dentro de um programa centralizado sobre o Presidente e por ele efetivamente considerado. Pode-se dizer, entretanto, que o federalismo, que correspondia à reclamação de diversas gerações liberais, e que foi pensado por Rui Barbosa, nunca foi plenamente posto em prática no Brasil, confundido nesta mesma fase com as caudilhagens locais e criticado em nome de uma maior 'eficiência' política.111

A nova forma de governo seria presidencialista no exercício do Poder Executivo, concomitante com a descentralização dos poderes da União mediante a transferência de múltiplas atribuições aos Estados da Federação. Tendências francamente contraditórias, não produzindo qualquer conciliação quer na Carta Magna, quer no seu exercício. Portanto, o quadro constitucional deixaria em aberto o espaço para a continuação da luta entre liberais e positivistas.

4. Nova opinião: liberalismo oficial Rui Barbosa

Proclamada a república, a história do constitucionalismo brasileiro obtém considerável acréscimo de esperanças depositadas na experiência federativa. A frente desta campanha, o ardente propugnador das reformas institucionais do país, Rui Barbosa112, que crescera tomando os tratadistas da Revolução americana como oráculos, motivação para freqüentar a escola constitucional dos Estados Unidos, consagrando, pois, seu talento político e sua capacidade privilegiada de persuasão no aliciamento da causa federalista.

Com a revolução republicana bem sucedida extraiu do Governo Provisório o decreto que implantaria no Brasil o sistema federativo.

Adotou a linha dos mais graves tratadistas e intérpretes da ciência constitucional americana, os quais, durante o litígio separatista, foram preponderantemente, àquela época, os bons mestres do grêmio liberal, sua escola mais avançada e menos sensível aos rígidos preconceitos doutrinários, de caráter obscurantista, a que se rendeu Jefferson Davis, o líder da escravaria, abraçado como presidente dos confederados ao constitucionalismo cerebrino de von Seydel da Baviera, e de Calhoun, da Carolina do Sul.

[...] Tínhamos porém que começar aqui com o idealismo do Estado liberal, tínhamos que educar o povo sem tradição numa escola onde princípios já revistos do outro lado do continente alcançavam entre os nossos homens públicos, entre liberais e conservadores, entre republicanos e monarquistas, a projeção das coisas novas, que devem ser sustentadas ou opugnadas ao pé da letra. No vocabulário filosófico de Augusto Comte, vivia o Brasil, ao cerrar-se o século XIX, a idade metafísica de sua formação constitucional. Rui, teorista culminante da realidade brasileira da época, e apenas daquela época, não só se achava absolvido, senão que suas idéias, apreciadas exclusivamente do ponto de vista dos costumes políticos vigentes entre nós, compendiam uma consoladora obra de idealismo.

[...] Aquelas mesmas aspirações, referidas por outro lado à efervescência ideológica em alguns Estados europeus, que se haviam ilustrado com a lição extraída do antagonismo entre o trabalho e o capital, dão a medida precisa da distância que, em progresso de doutrina e prática constitucional, nós achávamos dos padrões ocidentais, a cuja imitação, nem sempre idônea, nosso direito público se há dobrado, mais de uma vez em curvaturas servis.

Essa imitação configurou invariavelmente ausência de originalidade contributiva da parte do elemento nacional politizado. Sempre deu este mostras freqüentes de um vício de formação,

112 Nascido baiano, em 1849, concluiu seus estudos na Faculdade de Direito do Largo do Largo do São Francisco, em São Paulo, aos 21

anos de idade, em 1870. Ingressou no jornalismo e elegeu-se pela Bahia deputado provincial em 1877, aos 28 anos. No ano seguinte seria eleito para a Câmara dos Deputados, participando ativamente de toda a movimentação política dos anos 80, notadamente nas campanhas abolicionista e republicana. Com o advento da República, torna-se ministro do governo provisório do Marechal Deodoro aos 41 anos, dotando o regime do necessário arcabouço institucional. Na década de 90 se encontrará na oposição, o que lhe vale o exílio no exterior, entre 1893 e 1895. No retorno, elege-se sucessivamente senador pela Bahia, polarizando a corrente liberal, em oposição à prática autoritária, que enxergava como resultante da ingerência militar na vida política. Por esta via patrocinaria duas campanhas presidenciais - 1910 e 1919 -, organizando o movimento civilista. Faleceu em 1923, deixando uma obra de amplitude inusitada, com 50 tomos, alguns dos quais com mais de um volume, onde exprime com propriedade o pensamento liberal na República Velha.

sobremodo agravado pelo erro e intempestividade histórica com que a Nação política se há servido de moldes estranhos, em parte alterados ou abandonados já na pátria de origem.113

A atuação pública de Ruy mais acentuadamente intensa para a política interna brasileira transparece nas duas campanhas empreendidas nas eleições presidenciais de 1910 e 1919, quando o candidato percorreria, em viagens desconfortáveis, os principais pontos do país, falando de viva voz a milhares de brasileiros. Estes dois momentos efetivamente seriam transformados em tentativas de estruturar o liberalismo como corrente de opinião no plano nacional, embora não obtendo grande êxito em alcançar uma estrutura representativa permanente, menos ainda barrar a ascensão do autoritarismo. De qualquer forma, a ocasião permitiu ao Brasil urbano conhecer aquele que representaria, talvez, a suposta reserva ética do liberalismo oficial, em meio ao desgastado arcabouço político da República oligárquica.

Sua figura serve, precisamente, de ponto de referência para o entendimento das relações entre a teoria e a prática dos problemas políticos de então. Serve também de estalão para situar o trabalho intelectual envolvido pela construção da Constituição e pela interpretação da nova ordem. A figura de Rui Barbosa, discutível e discutida desde seus dias, ficou como o arquétipo para os modelos intelectuais brasileiros, pela verbosidade e pela erudição humanística, mas também pela combatividade permanente. Ora endeusado como patriota completo, ora criticado como orador sem visão sociológica e sem vínculos com a alma nacional, ele foi um tanto tudo isso, mas foi mais, muito mais. Encarnou, em grau superlativo, a tradição gramatiqueira de nossa formação intelectual, mas dando- lhe vigor inédito e dimensão maior; e se, de certa forma, lhe faltou formação filosófica e sociológica, seu preparo em direito e literatura era de fato imenso. Encarnou também o legalismo coerente, alimentado por um liberalismo incansável, corajoso, oportuno e tremendamente bem informado, que desempenhou em horas difíceis, na defesa dos direitos humanos e do poder civil, um papel realmente inegligenciável. O mesmo tipo de liberalismo convencional e legalista pode, de resto, ser encontrado nos primeiros comentadores da Carta republicana. Eles partilhavam da euforia vinda da campanha e aceitavam quase como um axioma a conveniência do modelo republicano-federalista, embora sem indagar das diferenças entre o primitivo 'ideal' federalista e as distorções que o mandonismo local operava neste ideal. O assentimento em torno do texto, por parte dos principais constitucionalistas do tempo, formou uma espécie de pensamento político oficial. Isto foi obra, em grande parte, de Rui Barbosa, pontífice máximo da jurisprudência nacional à