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Nunes e Bryant: Uma Classificação Baseada em Vergnaud

CAPÍTULO II REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.2 Nunes e Bryant: Uma Classificação Baseada em Vergnaud

Assim como Kieren, Nunes e Bryant(1997) também diferenciam dois aspectos no ensino dos números racionais. Para os autores, há claramente uma lacuna entre a compreensão das crianças em tarefas experimentais sobre divisão e números racionais e entre as tarefas resolvidas no contexto de avaliações educacionais.

Nunes e Bryant (ibid) afirmam que, com as frações, as aparências podem enganar e alguns alunos podem passar pela escola sem dominar diversos aspectos cruciais do conceito de fração, mesmo usando termos fracionais certos, falando coerentemente sobre frações e resolvendo alguns problemas. Segundo os autores,

... quando as crianças resolvem tarefas experimentais sobre divisão e números racionais, elas se engajam em raciocinar sobre as situações. Em contraste, quando elas resolvem tarefas matemáticas em avaliações educacionais, elas vêem a situação como um momento no qual elas precisam pensar em que operações fazer com os números, como usar o que lhes foi ensinado na escola; concentrando-se nas manipulações de símbolos, os alunos poderiam desempenhar em um nível mais baixo do que teriam desempenhado se tivessem se preocupado mais com a situação-problema. Portanto, é possível que os mesmos alunos que se engajam em tarefas de raciocínio semelhantes às descritas anteriormente, nos quais eles podem focalizar bem a situação-problema, desempenhem bastante diferentemente de quando eles estão resolvendo problemas em avaliações educacionais escritas: seu desempenho mostra uma lacuna entre o que eles entendem e o que eles podem fazer com símbolos depois destes terem sido aprendidos de uma forma particular. (Nunes e Bryant, 1997, p.212)

Os tópicos selecionados para compor a presente pesquisa levaram em conta essas considerações e procuraram se afastar, dentro do possível, das situações típicas de sala de aula concentrando-se em problemas que levem o aluno a racionar sobre situações e resolvê-las quase sempre sem a necessidade de recorrer aos algoritmos. O trabalho tenta diagnosticar até que ponto esses aspectos da compreensão do conceito de fração perduram no processo de escolarização.

As propostas de Nunes e Bryant apóiam-se em várias pesquisas, das quais serão destacadas, neste trabalho, as de Campos e Cols (1995) e Mack(1993), sendo esta última objeto de tópico à parte.

Campos e Cols., em trabalho citado por Nunes e Bryant(1997), demonstraram que a impressão de crianças raciocinando sobre frações poderia ser falsa, sobretudo quando são submetidas a um método de ensino que se limita e estimular os alunos a resolver os problemas utilizando-se de procedimentos de dupla contagem, sem entender o significado deste novo tipo de número.

Para demonstrar sua hipótese, Campos e Cols. (1995) apresentaram os desenhos indicados abaixo a crianças de idade aproximada de 12 anos ou mais que haviam aprendido o procedimento de dupla contagem e pediram-lhes para nomear as frações apresentadas em cada uma das figuras:

Item tipo 1

Item tipo 2

Este trabalho tem particular interesse nas questões do terceiro tipo, em que o procedimento de dupla contagem simples não é suficiente, uma vez que o todo não estava dividido explicitamente em partes iguais e o número de partes tinha que ser descoberto pelos alunos através de uma análise das relações parte- todo, que, no caso, implica a capacidade de perceber a conservação da área como invariante para o estabelecimento da relação parte-todo. Na pesquisa de Campos e Cols, foi muito significativa a queda na quantidade de acertos no item tipo 3 em relação aos itens tipo 1 e 2.

Pretende-se, nesta pesquisa, explorar tópicos com variações do item do tipo 3, em termos de quantidades discretas ou contínuas, ou questões envolvendo ícones ou apenas texto, tentando diagnosticar até que ponto essas observações da pesquisadora ainda são significativas em alunos de estágios mais avançados de escolaridade.

A hipótese de dissociação entre o desempenho dos alunos em situações contextuais e o desempenho frente às situações de avaliação escolar foi bastante explorada por Mack (1993), também citada por Nunes e Bryant e discutida com mais profundidade na seção 2.4.

A análise dos resultados da pesquisa de Mack reforça as afirmações de Nunes e Bryant e aponta para a idéia de que, embora os problemas da vida cotidiana não pareçam causar dificuldades, muitos dos problemas apresentados simbolicamente não são resolvidos pelos estudantes, que apresentam algoritmos falhos e comparações inadequadas.

A verificação da persistência dessas dissociações em sujeitos de maior escolaridade foi um dos temas de grande interesse para este trabalho, que

contém em seu instrumento de pesquisa algumas situações semelhantes à proposta por Mack.

A idéia das conexões entre situações contextuais e situações simbólicas, investigada por Mack(1995), está intimamente ligada ao conceito de invariante, de Vergnaud. A proposta de Nunes é partir da concepção mais simples de fração e enriquecer essa definição perguntando qual é o invariante central desse conceito, quais as situações em que ele é usado e quais os diferentes tipos de representação.

Duas questões são significativas no caso do conceito de número racional: “como as crianças vêm a entender essas classes de equivalência – 1/3, 2/6, 3/9... – e como essas classes podem ser ordenadas – 1/3 >1/4 >1/5....”

Com base nas idéias de Vergnaud, Nunes e Bryant (2003) propõem uma classificação de situações em que as frações são usadas, entendendo que propor essa classificação é o mesmo que propor uma teoria sobre quais são os efeitos do raciocínio das crianças sobre frações. Os parágrafos a seguir pretendem apresentar essa classificação, reiterando que, nesta pesquisa, merecerão destaque os significados parte-todo e quociente.

A Fração como uma relação parte-todo – A idéia presente nesse significado

é a da partição de um todo em n partes iguais, em que cada parte pode ser

representada como

n

1

. Assim, assumiremos como o significado parte-todo, um

dado todo dividido em partes iguais em situações estáticas, nas quais a

utilização de um procedimento de dupla contagem é suficiente para se chegar a uma representação correta. Por exemplo, se um todo foi dividido em cinco partes e duas foram pintadas, os alunos podem aprender a representação como uma dupla contagem: acima do traço escreve-se o número de partes

pintadas, abaixo do traço escreve-se o número total de partes. Exemplo: uma barra de chocolate foi dividida em quatro partes iguais. João comeu três dessas partes. Que fração representa o que João comeu?

A fração como quociente, indicando uma divisão e seu resultado – Este

significado está presente em situações em que está envolvida a idéia de divisão – por exemplo, uma pizza a ser repartida igualmente entre 5 crianças. Nas situações de quocientes temos duas variáveis (por exemplo, número de pizzas e número de crianças), sendo que uma corresponde ao numerador e a outra ao denominador – no caso,1/5. A fração, nesse caso, corresponde à divisão (1 dividido por 5) e também ao resultado da divisão (cada criança recebe1/5). Exemplo: Três chocolates devem ser divididos para 4 crianças. Que fração de chocolate cada criança irá receber?

A fração como uma medida – Algumas medidas envolvem fração por se

referirem a quantidades intensivas, nas quais a quantidade é medida pela relação entre duas variáveis. Por exemplo, a probabilidade de um evento é medida pelo quociente número de casos favoráveis dividido pelo número de casos possíveis. Portanto, a probabilidade de um evento varia de 0 a 1, e a maioria dos valores com os quais trabalhamos são fracionários. Exemplo: Fizemos uma rifa na escola. Foram impressos 150 bilhetes. Minha avó comprou 20 bilhetes. Qual a sua chance de ganhar o prêmio?

A fração como número – Frações, como os inteiros, são números que não

precisam necessariamente referir-se a quantidades específicas. Existem duas formas de representação fracionária: ordinária e decimal. Um exemplo de exercício usado no ensino de Matemática em que a fração é trabalhada sem

um referente específico é apresentado como a seguir: represente o número

2 1

na forma decimal.

A fração como um operador multiplicativo – Como o número inteiro, as

frações podem ser vistas como o valor escalar aplicado a uma quantidade. No caso do inteiro, por exemplo, podemos dizer 2 balas; no caso da fração, poderíamos dizer 3/4 de um conjunto de balas. A idéia implícita nesses exemplos é que o número é um multiplicador da quantidade indicada. Exemplo: Dei 3/4 das balas de um pacote de 40 balas para meus irmãos. Quantas balas dei a eles?

2.3 – BEHR: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE NÚMERO

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