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2. A AUTONOMIA INDIVIDUAL E A VIDA PRIVADA

2.2. Direito à Privacidade

2.2.4. O âmbito de proteção do direito à privacidade

155

Idem. Convenção Americana sobre Direitos Humanos.Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969.

156Idem. Privacy e protecção de dados pessoais: a construção dogmática do direito à identidade

informacional. Lisboa: AAFDL, 2015. p. 778. “À proteção de dados pessoais relacionado com o

princípio da dignidade humana foi forjado no espaço jurídico germânico”. 157

MENDES, Laura Schertel. Privacidade, proteção de dados e defesa do consumidor: linhas gerais

de um novo direito fundamental. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 31.

158 Idem. p. 28/29. 159

Idem. Normas constitucionais e direito civil. Revista da Faculdade de Direito de Campos, v. 5, 2004. p. 172.

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O Homem é a razão da existência do Estado e, consequentemente, do direito. Não por outro motivo que a dignidade da pessoa humana se tornou o núcleo fundamental do ordenamento jurídico. Nessa sanha, a proteção dos direitos da personalidade se tornou essencial ao equilíbrio da vida em sociedade, em prestígio aos direitos da liberdade e igualdade. Por conseguinte, a privacidade torna-se uma grande preocupação, pois a partir da sua violação, como efeito cascata, serão lesionados diversos direitos fundamentais.

Então, o âmbito de proteção do direito à privacidade é o homem como centro irradiador de todo o direito.

Das lições de Amaury Haruo Mori se extrai que a dignidade humana estaria ameaçada em caso de não reconhecimento do direito à privacidade, pois estão em causa direitos da personalidade160.

A privacidade, na classificação (direito à integridade física, à integridade intelectual e à integridade moral) de Rubens Limongi França, estaria inserida na integridade moral161.

Quanto ao âmbito de proteção do direito à privacidade, Tatiana Malta Vieira afirma ser ao mesmo tempo flexível e variável, por conseguir se reduzir para preservar os aspectos confidenciais de reserva íntima, como também é uma garantia constitucional de proteção na exposição, quando o titular quer se ver livre de intromissões. E continua observando que a completude do alcance do direito à privacidade só se dará em conjunto com outros direitos fundamentais (exemplos: liberdade de expressão, livre acesso à informação, direito à imagem, ao nome, a correspondência, o domicílio, os dados pessoais de qualquer natureza, a intimidade, etc.)162.

A proteção finalística da pessoa humana também pode ser percebida quando Alexandre Sousa Pinheiro aduz: “a „protecção‟ respeita a pessoas, não a dados”, ao analisar que a tutela jurídica é dispensada aos indivíduos, não aos dados que são apenas objetos, merecendo atenção às ações exercidas sobre dados pessoais163.

160 MORI, Amaury Haruo. O direito à privacidade do trabalhador no ordenamento jurídico

português. São Paulo: LTr, 2011. p. 41.

161 FRANÇA, Rubens Limongi. Direitos privados da personalidade. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 370, p. 7-16, 1966. p. 10/11.

162

Idem. O direito à privacidade na sociedade da informação: efetividade desse direito fundamental

diante dos avanços da tecnologia da informação. 2007. p. 143. [Consult. 01/04/2016]. Disponível em

http://repositorio.unb.br/handle/10482/3358 163

Idem. Privacy e protecção de dados pessoais: a construção dogmática do direito à identidade

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Por essa linha de raciocínio explanou Laura Schertel Mendes164:

“A disciplina da proteção de dados pessoais emerge no âmbito da sociedade de informação, como uma possibilidade de tutelar a personalidade do indivíduo, contra os potenciais riscos a serem causados pelo tratamento de dados pessoais. a sua função não é a de proteger os dados per se, mas a pessoa que é titular desses dados”.

A pesquisadora supra, ao abordar o âmbito de proteção de dados pessoais, destaca que essa proteção, enquanto direito fundamental, regula os interesses de usos e os direitos de proteção, de defesa e de participação das pessoas nos processos comunicativos, sendo o objeto de proteção constitucional o processamento e a utilização dos dados pessoais em geral165.

Esse entendimento está na esteira do pensamento jurídico alemão moderno, quando doutrina que a proteção dos dados pessoais visa proteger a personalidade do indivíduo, sua integridade moral como elemento integrante dessa personalidade (dimensão interior) e a proteção do direito das liberdades – gerais e específicas - (dimensão exterior)166.

Inevitavelmente e sucessivamente, em referência a doutrina alemã, Tatiana Malta Vieira167, descreve que o resguardo do indivíduo contra invasão alheia permeia três esferas:

[...] privada (Privatsphäre); de intimidade em sentido lato (Intimsphäre ou Vertrauensphäre); e de intimidade em sentido estrito (Geheimsphäre). - a intimidade corresponde à esfera em que se esconde o âmago do indivíduo – denominada pela cultura ocidental consciência e pela cultura oriental coração – local onde se recolhem os pensamentos do indivíduo.

- a vida privada abrange, por sua vez, todo ato ou fato externo ao indivíduo, mas que se deseja preservar da divulgação a terceiros, ou seja, informações que devem ater-se a um círculo limitado de pessoas.

- o domicílio, entende-se todo e qualquer lugar delimitado e reservado que o indivíduo ocupa com exclusividade, seja sua residência, escritório, quarto de hotel.

Paulo José da Costa Júnior preceitua que as três esferas propostas pela doutrina alemã é um excesso, que analisar a intimidade em um âmbito mais restrito e outro mais amplo já seria suficiente168.

164 Idem. Privacidade, proteção de dados e defesa do consumidor: linhas gerais de um novo direito

fundamental. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 32.

165 Idem. p. 174/175. 166 Idem. p. 175. 167

Idem. O direito à privacidade na sociedade da informação: efetividade desse direito fundamental

diante dos avanços da tecnologia da informação. 2007. p. 133. [Consult. 01/04/2016]. Disponível em

http://repositorio.unb.br/handle/10482/3358 168

COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Tutela Penal da intimidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. p. 33.

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Essa ideia vem a corroborar com o texto constitucional brasileiro de 1988, quando se refere à intimidade e à vida privada (privacidade), sendo a primeira mais restrita, ligada ao individualismo, enquanto a segunda é mais ampla, relacionada com a vida social.

Como destacado antes, a proposta consiste na ampliação do âmbito de proteção da privacidade, uma vez reconhecida sua elasticidade. Para que alcance a proteção dentro da sociedade da informação, que está muito além do the right to be let alone.

Anderson Schreiber classificou a privacidade como proteção de dados pessoais em duas dimensões: procedimental e substancial. A dimensão procedimental trata da coleta dos dados pessoais, como são obtidos e tratados, caracterizando invasão de privacidade a ação desautorizada dessa, ou da transmissão de tais dados quando só fora autorizada a coleta. Quanto à dimensão substancial, essa se refere ao uso dos dados pessoais já coletados até a sua eliminação, sendo vedado o uso com caráter discriminatório169.

Para auxiliar na compreensão da extensão do direito à privacidade, Gomes Canotilho e Vital Moreira relaciona três aspectos – o respeito dos comportamentos, o respeito do anonimato e o respeito da vida em relação -, funcionando como garantias desses, entre outros direitos fundamentais, o da proibição de tratamento informático de dados referente à vida privada170.

Independentemente das divisões doutrinárias que se construa na tentativa de alcançar o âmbito de proteção da privacidade, não se pode olvidar da autodeterminação informativa, afinal, para a consecução do direito da liberdade não poderá, jamais, criar amarras ao poder emancipatório do indivíduo.