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2. A AUTONOMIA INDIVIDUAL E A VIDA PRIVADA

2.2. Direito à Privacidade

2.2.5. O tratamento da privacidade no Direito Português

Aproveitando-se das experiências dos outros Estados para avançar, com o objetivo de tutelar os direitos da personalidade de forma bem abrangente, o legislador

169 Idem. Direitos da Personalidade. 3. ed – São Paulo: Atlas, 2014. p. 140/141. 170

CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa: anotada. 4. ed. - Coimbra Editora, 2007. p. 467/468.

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português, ao contrário do legislador brasileiro, foi preciso ao dispor na seção II – direitos da personalidade – artigo 70.º171 - a tutela geral da personalidade:

“1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida”.

O que o legislador intitulou tutela geral da personalidade se concretiza no texto colacionado acima, ao proteger o indivíduo contra qualquer ofensa à sua personalidade. Essa redação ampliou sobremaneira os direitos da personalidade, primeiro porque não os relacionou em rol exaustivo, permitindo a proteção em todas as suas interfaces, segundo por também, não ter limitado a sua proteção, podendo se revestir sob qualquer forma de violação.

Amaury Haruo Mori informa que o legislador português, ao disciplinar tais direitos, andou bem, principalmente por tutelar expressamente o direito à privacidade como direito da personalidade, o que segundo o autor, além de aumentar a proteção, cessou discussões acerca da natureza desses direitos que retardasse sua tutela172.

O referido tratamento dado aos direitos da personalidade, consequentemente, protegem o direito à privacidade com igual amplitude, afinal esse, assume a natureza daquele, que por sua vez assume a natureza de direito fundamental, que por lógica estruturante move-se à preservação da dignidade da pessoa humana.

Em igual felicidade, o legislador constituinte de Portugal, na esteira da autodeterminação informativa de vanguarda alemã, tratou expressamente da proteção dos dados pessoais no artigo 35.º da atual Constituição Portuguesa173, dispondo que todo cidadão tem o direito de acesso, retificação ou atualização dos seus dados informatizados ou constantes em ficheiros manuais, além do direito de conhecer a finalidade a que se destinam esses dados. Reconhece a autoridade de entidade administrativa independente que proteja e garanta o adequado tratamento dos dados pessoais, proibindo a utilização da informática para tratamento de dados que se refiram a concepções pessoais advindas da filosofia,da política ou da religião, filiação a partido político ou sindicato, vida privada e origem étnica, exceto quando houver consentimento expresso do titular ou quando o processamento não identificar a pessoa,

171

PORTUGAL. Código Civil de 25 de novembro de 1966.

172 Idem. O direito à privacidade do trabalhador no ordenamento jurídico português. São Paulo: LTr, 2011. p. 42.

173

Idem. Constituição da República Portuguesa de 1976. [Consult. 26/03/2016]. Disponível em https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx

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como ocorre em coleta para fins estatísticos.O número quatro desse mesmo artigo proíbe o acesso aos dados de terceiros, salvo em previsões legais e a atribuição de um número único de identificação dos cidadãos portugueses.

Depreende-se da análise do artigo em questão, a autodeterminação informativa, concedendo ao titular o direito de saber sobre o tratamento dispensado a esses dados, nos aspectos atinentes à sua coleta, transmissão, utilização e principalmente, a finalidade a que se destinam os dados armazenados. Proibe ainda a sua utilização para fins discriminatórios, além de protegê-los contra atuação de terceiros.

Manuel Proença de Carvalho analisa que a Constituição Portuguesa de 1976 previu um dos mais importantes direitos da personalidade, qual seja, o direito de se reservar na sua intimidade, na vida privada e na família, com disposição no artigo 26.º, n.º 1174.

Anterior à Constituição Portuguesa de 1976 foi instituído o Registo Nacional de Identificação, através da Lei n.º 2/73, de 10 de fevereiro175. Regulamentada e organizada pelo Decreto-lei 555/73, de 26 de Outubro176. Uma importante iniciativa legislativa referente ao tratamento dos dados pessoais.

Contudo, apesar de ter sido uma iniciativa importante, não houve o cuidado necessário no tocante à preservação dos direitos fundamentais, até que, em setembro de 1974, por meio de resolução, o Registo Nacional de Identificação foi suspenso. A medida se justificou em proteção à privacidade e as liberdades públicas do cidadão, até que o legislativo crie garantias jurídicas em relação ao sistema e deixe de encarar os dados pessoais como um “bem” da Administração Pública, do qual poderia dispor, sem ao menos se atentar aos direitos dos seus titulares177.

Posteriormente, as providências referentes à proteção da privacidade foram tomadas por meio da Lei n.º 3/73, de 5 de abril (promulgou várias medidas que dizem

174 Idem. Manual de Ciência Política e Sistemas Políticos e Constitucionais. – 3ª ed.. Lisboa: Quid Juris Sociedade Editora, 2010. p. 350.

175 Idem. Lei n.º 2/73, de 10 de fevereiro. [Consult. 06/04/2016]. Disponível em https://dre.tretas.org/dre/33231/

176 Idem. Decreto-lei 555/73, de 26 de Outubro. [Consult. 06/04/2016]. Disponível em https://dre.tretas.org/dre/57492/. “Regulamenta a Lei 2/73, de 10 de Fevereiro, que institui o Registo Nacional de Identificação, definindo a sua natureza, âmbito, competências, funcionamento e utilização. Cria, no Ministério da Justiça, o Gabinete do Registo Nacional, definindo a sua natureza, atribuições e competências. Estabelece igualmente as atribuições e competências do Conselho Coordenador do Registo Nacional e do Centro de Informática do Ministério da Justiça. Publica em anexo o quadro de pessoal destes serviços”.

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Idem. Privacy e protecção de dados pessoais: a construção dogmática do direito à identidade

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respeito à proteção da intimidade da vida privada), que para muitos doutrinadores influenciou fortemente o constituinte de 1976, com destaque para as bases I e II da referida Lei178.

Diante dos exemplos legislativos citados, percebe-se que a preocupação com os dados pessoais surge concomitante com a velocidade e quantidade de informações pessoais circulantes.

Passando naturalmente a relacionar a privacidade com o controle desses dados pessoais pelo próprio titular, passando a autodeterminar-se.

A suspensão do Registo Nacional de Identificação demonstra que Portugal está nesta esteira de controle do próprio indivíduo de como, onde e quando seus dados circularão.

Para, além disso, a análise do arcabouço jurídico português leva a reconhecer um direito geral da personalidade com base no princípio da República denominado Dignidade da Pessoa Humana.