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2. A AUTONOMIA INDIVIDUAL E A VIDA PRIVADA

2.4. A privacidade dos dados genéticos

189REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. - 25ª edição - São Paulo: Saraiva, 2001. p. 214. 190

Idem. Direito natural-direito positivo. São Paulo: Saraiva, 1984. p.20

191 VEIGA, Luiz Adolfo Olsen da. ROVER, Aires José. Dados e informações na Internet: é legítimo o

uso de robôs para formação de base de dados de clientes? In: ROVER, Aires José (org.). Direito e

Informática. Barueri: Manole, 2004. p. 33.

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O mapeamento do genoma humano é uma realidade. Sobrevieram inúmeros benefícios, sobretudo quanto à cura ou prevenção de doenças, mas também gera inúmeras preocupações em relação aos limites que devem ser impostos a essa ciência e como devem ser tratadas as informações colhidas do patrimônio genético humano.

Sobre essa evolução biotecnológica, Maria Cláudia Crespo Brauner diz que pode trazer inseguranças, pois o desvendamento genético desmistificou os processos biológicos do homem193.

A insegurança é causada pelo risco da discriminação194 que pode ocorrer a partir do vazamento de informações sobre o patrimônio genético. Supondo que uma pessoa tivesse grande propensão a desenvolver uma grave doença195, caso houvesse vazamento dessa informação, como essa pessoa seria tratada pelos planos de saúde e de previdência? Como seria os relacionamentos amorosos caso houvesse considerável possibilidade de transmitir essa doença a um futuro filho? E a eugenia196, como a sociedade se adaptaria aos “melhoramentos” genéticos? E os empregadores, exigiriam a comprovação da probabilidade de desenvolvimento de doenças?

Enfim, são apenas questões elucubrativas, tais fatos modificariam por completo a vida do indivíduo. Que de outra ponta, também poderia se antecipar ao tratamento dessa doença, sendo esse um dos relevantes motivos para o desenvolvimento do genoma humano197198.

193BRAUNER, Maria Claudia Crespo. A bioética e os progressos tecnocientíficos da medicina

moderna: quais os limites de segurança. Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito. São

Leopoldo: Unisinos, 1999. p. 194.

194Idem. Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face

às Aplicações da Biologia e da Medicina de 1997.[Consult. 08/04/2016]. Disponível em

http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/convbiologiaNOVO.html. “Artigo 11.º - Não discriminação: É proibida toda a forma de discriminação contra uma pessoa em virtude do seu património genético”.

195

Idem. “Artigo 12.º - Não se poderá proceder a testes predictivos de doenças genéticas ou que permitam quer a identificação do indivíduo como portador de um gene responsável por uma doença quer a detecção de uma predisposição ou de uma susceptibilidade genética a uma doença, salvo para fins médicos ou de investigação médica e sem prejuízo de um aconselhamento genético apropriado”.

196 ECHTERHOFF, Gisele. Direito à privacidade dos dados genéticos. Curitiba: Juruá, 2010. p. 57. “A eugenia estuda o melhoramento da raça humana. Em sua vertente negativa, busca extirpar os defeitos genéticos, através da identificação de genes defeituosos e a persuasão a não procriação destes portadores. Na vertente positiva, conclama a reprodução entre pessoas sem genes defeituosos e ainda a criação de traços característicos desejáveis”.

197 Idem. p. 34. “Diante de tais avanços e da demonstração de que a identificação e localização dos genes poderiam trazer benefícios na descoberta do „defeito‟ nos genes que ocasiona as várias doenças genéticas conhecidas e, consequentemente, ampliaria as possibilidades de tratamento, já em meados da década de 1980 surge a ideia da realização de um projeto mais amplo buscando o mapeamento e o sequenciamento do genoma humano”.

198 Quanto à eugenia, insta lembrar que a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da

Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina de 1997 a proíbe

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Gisele Echterhoff prescreve que a informação genética revelada pelo DNA, identifica o ser humano e desvenda todas as suas (e de seus familiares) características biológicas em relação à saúde atual e futura199.

Mas o que se põe em pauta é a privacidade desses dados sensíveis que não poderiam se tornar de conhecimento de ninguém, além do seu titular. Esse problema passa ainda pelas experimentações científicas com seres humanos e o direito à identidade genética200, como leciona José Carlos Vieira de Andrade201

:

“[...] torna-se urgente a proteção especial de bens pessoais de primeira grandeza face aos novos perigos, o que vai implicar o alargamento e a densificação das liberades e dos direitos de defesa: desde logo, a afirmação do direito à identidade genética do ser humano peranto o risco da utilização de tecnologias e da experimentação científica; por outro lado, o direito à privaticidade contra a explosão dos fenómenos de tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização de dados pessoais – um conjunto de direitos que tem sido sintetizado num grande „direito de autodeterminação informacional‟ -, e também de direitos pessoais como o direito à imagem e o direito à palavra, contra os fenómenos intrusivos da publicidade e da comunicação social, amplificados pelo desenvolvimento dos meios audiovisuais”.

A perquirição sobre os dados genéticos é de uma relevância sem precedentes, pela sua condição de direito fundamental implícito na ordem constitucional, sob o firmamento da dignidade da pessoa humana, que é cláusula geral de interpetração dos direitos da personalidade, o que torna, consideravelmente extenso, o raio de proteção dos direitos fundamentais, para incorporar todos os fenômenosinerentesà personalidade humana, como é o caso da identidade genética.

Stela Barbas define o patrimônio genético como uma junção de frações físicas, psíquicas e culturais, que passam por gerações, desenvolvendo-se em conjunto com a interação ambiental, que consitue a identidade do ser humano, que por esse motivo tem o direito de guardá-lo, defendê-lo e transmiti-lo202.

Designa-se então, o direito ao patrimônio genético, como um direito da personalidade, pois singulariza o ser humano, revela sua identidade, é, portanto, um

não pode ser levada a efeito senão por razões preventivas, de diagnóstico ou terapêuticas e somente se não tiver por finalidade introduzir uma modificação no genoma da descendência”.

199

Idem. Direito à privacidade dos dados genéticos. Curitiba: Juruá, 2010. p. 80.

200 PETTERLE, Selma Rodrigues. O direito fundamental à identidade genética na Constituição

brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. p. 91/92. “Há bens jurídicos fundamentais

a proteger, bens extremamente relevantes em termos de conteúdo, isto porque estreitamente vinculados à vida e a dignidade das pessoas humanas. Este parece ser, com o rigor que merece, o critério aferidor para identificar a identidade genética como um direito fundamental implícito na ordem jurídico constitucional pátria”.

201 Idem. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. – 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2012. p. 64/65.

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direito fundamental203, constituindo a disponibilização dessas informações a terceiros, uma violação da privacidade204.

Por isso mesmo, os dados genéticos são dados sensíveis, por fazer parte da identidade individual, constituem uma informação privativa. Nessa perspectiva Denise Hammerschmidt205 anuncia que “a preservação da integridade do genoma humano depende essencialmente da proteção à identidade genética personalíssima dos indivíduos”.

Pensamento reforçado por Stela Barbas, quando condena a pertubação ao direito que cada indivíduo tem de proteger sua unidade e integralidade, sendo um direito a herança genética livre de manipulação, defendendo que cada pessoa deve se autodeterminar de acordo com sua razão e sentimentos206.

A privacidade dos dados genéticos trata-se, portanto, de preservação da integridade psíquica e física, da não discriminação e principalmente, da autonomia individual, do poder de autodeterminação do titular sobre suas informações.

A violação da privacidade das informações genéticas, segundo Gisele Echterhoff207, levará “a discriminação, o estabelecimento de categorias sociais, a estigmatização de indivíduos, ou seja, a criação de mais uma classe social de excluídos, de marginalizados”.

E prorroga a advertência, que “os dados genéticos, como informações diretamente relacionadas ao ser humano, são integrantes da esfera íntima do homem, devendo ser protegidos” 208.

Como afirmou SÁ e NAVES, a discriminação dos dados genéticos podem determinar a escolha ou preterição da pessoa no seio social209.

203

Idem. Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos de 1997. [Consult. 08/04/2016]. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001229/122990por.pdf. “Artigo 10.º - Nenhuma pesquisa ou suas aplicações relacionadas ao genoma humano, particularmente nos campos da biologia, da genética e da medicina, deve prevalecer sobre o respeito aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana dos indivíduos ou, quando for aplicável, de grupos humanos”. 204 Idem. Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos de 2004. [Consult.

08/04/2016]. Disponível em

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_inter_dados_genericos.pdf. “Artigo 7.º - (a) Deverão ser feitos todos os esforços no sentido de impedir que os dados genéticos e os dados proteómicos humanos sejam utilizados de um modo discriminatório que tenha por finalidade ou por efeito infringir os direitos humanos, as liberdades fundamentais ou a dignidade humana de um indivíduo, ou para fins que conduzam à estigmatização de um indivíduo, de uma família, de um grupo ou de comunidades”.

205

HAMMERSCHMIDT, Denise. Intimidade genética & direito da personalidade. Curitiba: Juruá, 2007. p. 90.

206 Idem. Direito ao património genético. Coimbra: Almedina, 2006. p. 19. 207

Idem. Direito à privacidade dos dados genéticos. Curitiba: Juruá, 2010. p. 85. 208 Idem. p. 162.

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Destarte, a violação da identidade genética pode trazer efeitos devastadores na vida da pessoa, necessitando de proteção especial, sob a égide da autodeterminação informativa, não devendo seu segredo genético, jamais ser acessado sem seu consetimento, o contrário fere a sua identidade, consequentemente a sua personalidade e inevitavelmente a dignidade da pessoa humana.

É vital, por fim, a proteção do patrimônio genético.