• Nenhum resultado encontrado

V. Enquadramento Jurídico Nacional

3. O Assédio Moral no Código do Trabalho de 2003/ Lei n.º 99/2003 de

3.4. O Ónus da Prova

O assédio moral no trabalho, como vimos, é composto por um conjunto sequencial de actos que se repetem e se prolongam durante um lapso de tempo, praticados por um sujeito individual ou colectivo, capazes de ofender direitos fundamentais do trabalhador ou provocar a deterioração ou desgaste do estatuto laboral do visado.

O assédio moral no trabalho expressa-se através de múltiplas formas, os actos que o compõem são caracterizados pela sua natureza subtil e ardilosa, o que na maioria das vezes torna o fenómeno praticamente imperceptível, até porque deste evento podem não derivar sequelas exteriores. O carácter silencioso e aparentemente inofensivo destes actos torna praticamente impossível a produção da prova de existência do fenómeno.

O artigo 23.º do Código do Trabalho estabelecia a proibição da discriminação. Preceituava o n.º 3 do mesmo artigo que “cabe a quem alegar a discriminação

fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se sente discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no n.º1, ou

seja “ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar,

património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical”.

Isto significa que o trabalhador apenas teria que apresentar em juízo a situação fáctica na qual se fundamenta a discriminação, competindo, então, ao empregador provar que tais factos não constituem discriminação porque se justificam por razões

objectivas255.

O artigo 24.º do Código do Trabalho não consagrava uma medida semelhante relativa à produção de prova, no entanto, como este preceito estabelecia o assédio moral na sua modalidade discriminatória, tudo indica que foi intenção do legislador

255

92

que esta figura fosse regulada pelo regime jurídico da discriminação, ficando assim consagrada a inversão do ónus da prova para os casos de assédio discriminatório,

quando o bem jurídico ofendido é o direito á igualdade e não discriminação256.

A propósito desta solução, ALEXANDRA MARQUES SEQUEIRA257 refere

que esta não constitui uma novidade uma vez que “a Lei n.º 106/97 de 13 de

Setembro, tinha já introduzido no ordenamento jurídico português o princípio da inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre o empregador a incumbência de provar a inexistência de qualquer prática, critério, ou medida discriminatória em função do sexo em acções interpostas pelos sindicatos para provar a existência de discriminações indirectas”.

Seja como for, a realidade é que o artigo 24.º não contempla o assédio moral em toda a sua amplitude e, desta forma, este regime jurídico da proibição da discriminação só poderá ser aplicado aos casos de assédio moral discriminatório.

Assim sendo, no seguimento do que temos vindo a referir, é imperativo que se construa um regime específico para o assédio moral e que, à semelhança do que acontece com o assédio discriminatório, se estabeleça a inversão do ónus da prova,

como acontece na Lei francesa258, a fim de acabar com a reserva das vítimas em

recorrerem ao Tribunal pois, como se sabe, na maioria das vezes estas não se encontram na posição mais privilegiada para acusar o assediador, por não terem ao seu alcance as provas que estão no poder daquele.

No que à análise de uma situação de assédio moral diz respeito, a apreciação da existência de lesão de bens jurídicos ou de um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador deve ser feita com base no exame do conjunto de todos os comportamentos individualmente considerados.

Isto quer dizer que deve ser feita uma análise global dos vários comportamentos que se vão repetindo por um período de tempo para se desvendar se existe uma unidade que ofende a dignidade do trabalhador ou lhe crie um ambiente de trabalho intimidativo, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador.

256

Cfr. Mago Graciano de Rocha Pacheco, ob. cit., p. 219. 257

Cfr. Alexandra Marques Sequeira, ob. cit., p. 258. 258

93

Para perceber se está ou não perante um caso de assédio “o Juiz terá de

proceder a uma apreciação casuística, avaliando todos os indícios probatórios, de

modo a apurar a existência ou inexistência de um comportamento sistemático”259.

Esta sequência de actos assediantes deve ser analisada no seu conjunto de forma a obter uma visão global de toda a situação, só desta forma poderemos entender a potencialidade lesiva da dignidade da pessoa humana.

Trazendo à colação RITA GARCIA PEREIRA260, “mais do que a natureza

concreta de cada um dos factos que se aleguem para denunciar uma situação, o que resulta indispensável para se poder qualificar uma conduta como mobbing é que se verifique uma sucessão de circunstâncias durante um lapso de tempo. Assim, o que proporciona unidade a esta conduta ilícita, com múltiplas formas de expressão é o total desprezo pela dignidade e pela pessoa do visado, independentemente dos concretos danos que possa originar”.

Daqui retira-se que o que realmente deve importar para a ponderação de uma situação como sendo de assédio moral é a análise dos vários comportamentos praticados contra o sujeito passivo como um todo, e não o eventual dano para a saúde do assediado, nem a análise de cada comportamento individualmente considerado, pois só dessa forma se consegue perceber o efeito lesivo na dignidade do sujeito

passivo ou a real degradação das condições de trabalho261.