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V. Enquadramento Jurídico Nacional

4. O Assédio Moral no Código do Trabalho de 2009/ Lei n.º 7/2009, de

A Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou a revisão do Código do Trabalho, veio alterar a redacção do anterior artigo 24.º, que, então, passou a artigo 29.º.

O actual artigo 29.º do Código do Trabalho, mantendo a mesma epígrafe, “Assédio”, passa a estabelecer o seguinte:

1- Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o

baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.

2- Constitui assédio sexual o comportamento indesejado de carácter sexual,

sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior.

3- À prática de assédio aplica-se o disposto no artigo anterior.

4- Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste

artigo.

Sendo o artigo 29.º em quase tudo semelhante ao seu antecessor artigo 24.º, para que não se caia na repetição, procederemos, de seguida, à dissecação do artigo de forma sucinta, deixando as alterações legislativas mais significativas para um estudo mais detalhado que será desenvolvido separadamente.

Desta forma, no que aos sujeitos parte da relação de assédio diz respeito, o Código do Trabalho de 2009 no seu artigo 29.º, de forma semelhante ao que acontece no Código do Trabalho de 2003, não identifica os sujeitos activos nem os sujeitos passivos. Assim sendo, de acordo com a interpretação dada para artigo 24.º, e como o artigo 29.º também não faz qualquer distinção, entendemos que o preceito abarca todas as modalidades de assédio, tanto a vertical, nas suas vertentes ascendente e

descendente, como o assédio moral horizontal e o assédio moral misto278.

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Relativamente à conduta assediante, o artigo 29.º faz igualmente referência a um comportamento indesejado, que poderá reflectir-se através de actos ou omissões, já

que o legislador não afasta esta modalidade279.

Ainda no que tange à duração das condutas assediantes, o legislador não faz qualquer menção relativamente à reiteração das condutas que tem vindo a ser exigida pela Doutrina e pela Jurisprudência como elemento essencial para a configuração de uma situação de assédio moral no trabalho.

Critica-se o preceito neste ponto de forma idêntica ao que foi feito em relação ao artigo 24.º do Código de Trabalho de 2003 e, neste sentido, resta o esforço do julgador no preenchimento desta lacuna, analisando de forma global as várias condutas que no seu conjunto traduzem o objectivo ou efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.

Por último, no que toca à intenção do assediador, o artigo 29.º conserva, sabiamente, aquilo que se consagrava no artigo 24.º do Código do Trabalho de 2003, o legislador mostrou-se preocupado com a dificuldade que existe na prova da intenção do agente assediador em afectar a dignidade do assediado, exigindo de forma alternativa a prova da intenção do assediador, quando se lê “com o objectivo”, ou a verificação de uma situação de assédio pelo resultado, na parte que determina “ou o

efeito”.

Assim, “de acordo com o preceituado no artigo 29.º do Código do Trabalho o

assédio inclui:

- aquelas situações em que existe intenção de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade ou criar-lhe um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador; bem como

- aqueles casos em que o efeito da conduta foi o de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade ou criar-lhe um ambiente intimidativo, hostil,

degradante, humilhante ou desestabilizador”280.

279

Cfr. Sónia Kietzmann Lopes, ob. cit., p. 260. 280

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4.1. O Assédio Moral Não Discriminatório

No Código do Trabalho de 2003, o assédio moral não discriminatório, no qual o comportamento indesejado não se apoia em nenhum factor discriminatório mas que pela sua natureza continuada e pérfida tem os mesmos efeitos, ofendendo a dignidade do trabalhador ou criando-lhe um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, não constava do artigo 24.º mas antes no regime dos direitos de personalidade, repousando no artigo 18.º do Código do Trabalho de 2003

(“Integridade Física e Moral”)281

.

Da exposição dos motivos da Proposta de Lei n.º 216/X regista-se a pretensão em alterar a definição de assédio, passando esta a abarcar situações não relacionadas

com qualquer factor de discriminação282, sendo neste ponto que o preceito em causa

nos enche de maiores alegrias.

De facto, o artigo 29.º do Código do Trabalho, mantendo a mesma epígrafe, “Assédio”, passa a estabelecer, no seu n.º 1, o seguinte:

“Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o

baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.

(Sublinhado nosso).

Desta forma, com a introdução da locução “nomeadamente” o preceito remete de forma exemplificativa para a conduta assediante apoiada em factor discriminatório, ampliando o âmbito de aplicação do fenómeno de assédio moral.

Com esta importante alteração legislativa o assédio moral no trabalho passa a estar directamente projectado no Código, não apenas quando ligado com factores

discriminatórios, mas abrangendo todas as suas manifestações283.

Neste sentido, o assédio moral discriminatório pode, a partir de agora, ser subsumido no artigo 29.º do Código do Trabalho, dispensando-se o recurso ao actual

281 Cfr. Guilherme Dray, Igualdade e Não Discriminação, Código do Trabalho – A revisão de 2009, coordenação de Paulo Morgado de Carvalho, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 131.

282 Cfr. Proposta de Lei n.º 216/X, disponível em http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=34009.

283

Cfr. Abílio Neto, Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados, 2.ª Edição, Setembro 2010, EDIFORUM, Edições Jurídicas Lda., Lisboa, p. 155.

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artigo 15.º referente à integridade física e moral (que corresponde ao art. 18.º do CT de 2003).

4.2. O Ónus da Prova no Art. 29º do Código do Trabalho

Como sabemos, o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, regulava o assédio moral limitando-o à sua modalidade discriminatória.

Neste contexto, aplicava-se à figura do assédio moral discriminatório o regime de prova previsto no n.º 3 do artigo 23.º, e, desta forma, o sujeito passivo teria de indicar os trabalhadores em relação aos quais se considerava discriminado, cabendo ao empregador a prova de que a exclusão ou o tratamento desvantajoso não é irrazoável,

arbitrário e discriminatório, tendo uma justificação plausível284. Estabeleceu-se, assim,

a regra da inversão do ónus da prova para os actos discriminatórios.

O Código de Trabalho de 2009 não afasta o regime da inversão do ónus da prova para o caso de assédio moral baseado em factor discriminatório, cabendo a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação (cfr. art. 25.º, n.º 5 CT de 2009).

No entanto, os restantes casos de assédio moral no trabalho não beneficiam de tal regime, “o ónus probatório quanto aos requisitos enunciados no artigo 29.º

continua a impender sobre a vítima”285.

É relativamente a este ponto que este preceito legal demonstra maiores insuficiências. Nesta perspectiva, a vítima de assédio moral terá de alegar e demonstrar que foi ofendida na sua dignidade humana ou que lhe foi criado um ambiente de trabalho hostil, degradante, humilhante e desestabilizador.

Tal solução torna a produção de prova de uma situação de assédio moral desmesuradamente difícil. Em primeiro lugar pela própria natureza ardilosa e subtil do fenómeno de assédio moral que muitas vezes se apresenta praticamente imperceptível. Em segundo lugar porque esta prova se faz essencialmente através do recurso a testemunhas que, em regra, são os colegas de trabalho que se sentem na maior parte dos casos constrangidos a não testemunhar, o que derivará no desconhecimento judicial de muitos casos de assédio moral no trabalho.

284

Cfr. Guilherme Dray, ob. cit., pp. 127 e 128. 285

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Neste sentido, partilhando da opinião de MAGO GRACIANO DE ROCHA

PACHECO286 e de INÊS ARRUDA287, no campo de iure condendo, entendemos que a

inversão do ónus da prova deveria ser aplicável a todas as situações de assédio moral no trabalho, não limitando o recurso à figura apenas aos casos de assédio moral discriminatório.

Acrescentamos, ainda, que se torna essencial adoptar um sistema de protecção de testemunhas, por exemplo, semelhante ao estabelecido na legislação francesa, de forma a fazer emergir mais facilmente a verdade material, já que a prova testemunhal é a mais eficaz para a demonstração de uma situação de assédio moral no trabalho.

286

Cfr. Mago Graciano de Rocha Pacheco, ob. cit., p. 218. 287

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